quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Paraísos Fiscais



A propósito de debate havido noutro fórum e também na decorrência da crise que se vive, julgo oportuna esta citação:

«A ruptura deu-se com a grande vaga de desregulação financeira que, em cinco anos, entre 1979 e 1984, rebentou todas as barreiras nacionais à circulação de capitais. Enquanto os princípios de transparência e de globalização dos mercados eram protegidos, enquanto a informação financeira explodia em volume e em tecnicidade, o princípio da soberania e da opacidade era deliberadamente reforçado nos paraísos fiscais, ao contrário da ordem do mundo. Na Antígua, por exemplo, os poderes públicos jamais procederam a qualquer recenseamento preciso do número de empresas inscritas no registo do comércio.
Não se trata de um fenómeno natural, independente da nossa vontade. Na sua quase totalidade, estes territórios são antigas feitorias das colónias britânicas, francesas, espanholas, ou holandesas. Desenvolveram-se no nosso seio. São apenas sucursais de Londres, Nova Iorque, Tóquio, Frankfurt ou Paris, onde está o coração da finança. O jogo duplo não é inocente. Como se fosse necessária uma certa opacidade para garantir margens que a transparência devora.
Há alguns anos, o procurador do Condado de Nova Iorque, Robert Morgenthau, denunciou essa hipocrisia a propósito das ilhas Caimão, um dos dez primeiros centros financeiros do planeta. "A opacidade é a palavra mestra. Em matéria de regulamentação, a praça ganha o prémio do laxismo. No entanto, as ilhas Caimão pertencem à Coroa Britânica. O seu governador, tal como o seu ministro da Justiça, são nomeados por Londres. O Reino Unido tem, portanto, o poder de pôr fim ao deixa-andar na sua colónia mas não faz nada. Da mesma maneira, sob o ponto de vista financeiro, o arquipélago é uma dependência norte-americana - na realidade, a maior parte dos bancos offshore das ilhas Caimão é gerida por Wall Street. Washington também pode pôr fim às manigâncias offshore. Mas ninguém se mexe."1
É um desvio do direito, um abuso político cujo preço deverá ser pago pelas gerações futuras.» o futuro é hoje! digo eu!!

1 The New York Times, de 10 de Outubro de 1998

in Est-ce dans ce monde-là que nous voulons vivre? publicado em Portugal pela Editorial Inquérito em 2003

da autora juíza franco-norueguesa Eva Joly - famosa pelo caso Elf.

Quem pense que governantes dos EUA e Reino Unido como Bush, Blair, Gordon Brown, entre outros, são pessoas de bem, talvez seja melhor reconsiderar!

2 comentários:

Anónimo disse...

Não tenho dúvidas da canalhice, pulhice e sacanagem dos Bush e companhia (o Bush até fala com Deus, ou melhor, Deus é que fala com ele, tal a importância da personagem). E é mesmo essencial começar por desmascarar todas as tramóias por eles congeminadas ou de que foram cúmplices (por acção ou omissão) e das quais resultaram enormes benefícios para uns poucos e prejuízos para a maioria.
Mas penso que o essencial do que se passou (e está a passar) não deriva nem deve ser atribuído às múltiplas perversões de um bando de canalhas e malfeitores, que, por má formação moral (ou porventura excesso dela!), usaram e abusaram do poder e dele se serviram (a eles e à cambada que os acompanha – e deles se serve, no fim de contas). Porque, fossem estes ou fossem outros no seu lugar, a essência do sistema não se alterava – em certa medida, estes (ou outros que fossem) apenas se limitaram a utilizar, a desenvolver e a aproveitar a sua lógica. E é na lógica do valor (ou da mais-valia) que reside o bem guardado segredo, que só não é de Polichinelo, porque se instituiu tratar-se de tema tabu. Mas comprovou-se, mais uma vez, que afinal ‘O Rei vai nu’...
Não digo que os aspectos pessoais não tenham importância, nesta como em toda a História. O ‘mérito’ específico destes personagens, com Reagan e Tatcher, Friedman e Hayek à cabeça, foi serem demasiado gulosos. A sua gulodice e a pressa em extraírem o mais possível no mais curto espaço de tempo, se colocou o Mundo no estado em que está, exaurido e prestes a cair num ciclo de não-retorno (a nível do ambiente e da economia em geral), também acelerou, assim o espero, o seu fim (deles). Porque depois disto, com o Mundo à beira do suicídio, só mesmo loucos é que podiam teimar no mesmo. Não é de excluir, mas eu sou optimista.

José M. Sousa disse...

Tem toda a razão. Aliás, eu também discordo de uma certa personalização no Bush que por vezes se encontra, por exemplo, no Bloco. A minha referência era mais no sentido de que algumas destas figuras, nem tanto o Bush (esse nem se dá muito ao respeito), dando-se ares de respeitabilidade, convencem muitos incautos, que desconhecem estes pormenores dos paraísos fiscais,nomeadamente.