(Con)Sequências do OE/16
Para já parece ter sido dado um passo decisivo – o mais importante
sobre todas as questiúnculas – na inversão
de uma tendência que se apresentava irreversível, a austeridade permanente,
através da mera reposição de direitos
e rendimentos, mas onde a sua
indelével ‘marca comunitária’ permanecerá como… ameaça permanente a essa pretendida
reversão! Que provavelmente só não se impôs até agora dada a periclitante
conjuntura comunitária (imigrantes, ‘brexit’…). Da inevitável austeridade infligida
como disfarce da brutal transferência de riqueza do trabalho para o capital, expressa
na salvação dos bancos privados através das ajudas públicas directas, do súbito
aumento das denominadas ‘dívidas soberanas’ com origem em dívidas públicas
contraídas junto do mui sofisticado sistema financeiro (o negócio das PPPs e dos
‘swaps’, dos ‘passivos contingentes’ das empresas públicas gerando enormes
deficits ocultos…); expressa ainda, a outro nível, na insaciável precariedade das
relações do trabalho…
Aliás, a melhor forma da UE
concretizar no imediato os seus planos de manter esta ameaça permanente para impor a ‘sua’ austeridade permanente e comprometer os propósitos das esquerdas, é impedir ou protelar o mais
possível uma solução atempada para as duas condições que permitirão à esquerda, no seu conjunto, manter
coerência e coesão (mesmo que os temas não sejam consensuais entre as suas
diferentes componentes). Trata-se, por um lado, da renegociação da dívida e,
por outro, do controlo público da Banca. Ambas presas nas teias de uma crise
financeira (económica? política? social?) cujo desenrolar ameaça só por si
subverter todos os planos de todos os intervenientes, o protelamento de uma
solução na situação portuguesa poderá bem ditar o destino desta experiência
governativa, de contornos inéditos na Europa (após soçobrar a também inédita
‘experiência grega’). A libertação de fundos para os projectos que
constituem as premissas em que assenta o sucesso da experiência (em boa medida
dependente da renegociação da dívida)
e a frágil situação do instável sistema financeiro nacional (apenas
viável se encarado o seu controlo público),
exigem solução urgente, sob pena de irreparável degradação.
Sobretudo importa aqui reafirmar que os
sucessivos colapsos bancários (BPN, BPP, BES, BANIF) não tiveram origem apenas
nem sequer principalmente em situações de corrupção ou na falta (ou falhas) de
regulação, antes são o resultado inevitável da própria configuração do sistema
financeiro, tanto doméstico como internacional – onde as dificuldades dos
maiores bancos europeus, com destaque para o alemão DB, se avaliam pelas perdas
sofridas em bolsa ao longo dos últimos seis meses (entre 40 a 60% da sua
capitalização bolsista). Fora o que se antecipa venha a conhecer-se em breve,
numa escalada que muitos prevêem poder acabar num colapso ainda mais violento
que o de 2008 – consequência lógica de se deixar nas mãos dos privados funções
que pertencem, por natureza, ao soberano do País, como é a emissão de moeda,
através do crédito bancário (o conhecido mecanismo das ‘reservas fraccionadas’).
Acresce a hermética engenharia financeira
dos esconsos derivados e afins a que um desregulado
sistema financeiro internacional se vem dedicando sobretudo nos últimos anos e
sem fim à vista; ou da regulação que
nada regula, antes serve de biombo legal a todas as falcatruas e malabarismos… Dando
lugar a um grotesco ‘socialismo dos ricos’ (!), pois são estes que mais recebem
os apoios públicos quando em dificuldades!
Percebeu-se, entretanto, pelo
caso BANIF, que Bruxelas tem um plano ideado para o ‘sistema bancário europeu’. Nele cabe apenas um reduzido número de
bancos globais de porte mundial supostamente melhor habilitados na óptica
academista do poder de uma tecnocracia dominada pela ideologia do mercado, a
enfrentar os grandes desafios mundiais. Nesse plano não entra, sabe-se já,
qualquer banco português, tornando a já débil capacidade de decisão nacional ainda
mais vulnerável. A defesa do interesse nacional e a lógica da racionalidade
económica bastariam então para impor, neste contexto, a nacionalização do Novo
Banco (sugerida por Vitor Bento, proposta pelo PCP, subscrita pelo BE e não
excluída pelo PS), tendo em conta os capitais públicos nele investidos e as
perdas previstas em caso de venda (Ricardo Cabral estima as perdas actuais acima
dos 17 mil M€!). Por outro lado, a afirmação de Jorge Tomé, ex-PCA do BANIF, de
que o infindável processo de reestruturação deste banco sofreu um ‘importante
impacto’ (negativo, claro) com a substituição dos comissários europeus em
Dez/14, faz supor que a tecnocracia que domina os corredores do poder na UE (à
semelhança de Sir Humphrey do bem conhecido ‘Yes Minister’) assume rédea solta em momentos de transição ou
quando vislumbra mais fraco o poder político.
Depois de Varoufakis ficou a saber-se que, perante a UE, de pouco vale a
racionalidade dos argumentos técnicos contrários à ideologia dominante na
tecnocracia que a comanda, por hoje o principal esteio de uma política
pacientemente preparada ao longo de décadas (Societé du Mont-Pellerin, lembram-se?) na expectativa de se atingir
a utopia do ‘mercado perfeito’. Na conhecida e bem documentada tese de Picketty (O capital do Séc.XXI), mercado perfeito identifica-se com máxima desigualdade de rendimentos, nas
suas próprias palavras ‘quanto mais
perfeito for o mercado, no sentido dos economistas, mais hipóteses tem a
desigualdade’ de emergir. Ou, sem sofismas, quanto mais mercado
(capitalismo) menos democracia. É esse o grande desafio com que os europeus de
todos os países hoje se confrontam. Com que Portugal terá de lidar – e será forçado
a enfrentar. Resta saber com que capacidade
política para o afrontar, quando for necessário fazê-lo. Sem ‘ficar de
joelhos’ como a Grécia.
Portugal, os portugueses
e o seu Governo. A sanha da oposição de direita, que se desdobra em aparições
na sempre ‘solícita e servil’ comunicação social, seja em constantes diatribes
contra todas as esquerdas, seja anunciando todos os dias novas iniciativas, antecipando
já o seu futuro governo (!), é de momento a melhor garantia da solidez de uma
governação pela primeira vez apoiada à esquerda, pois dificilmente algum dos
partidos nela envolvida arriscará quebrar o pacto estabelecido, escancarando
assim as portas ao regresso dessa direita. Mesmo conscientes dos inúmeros e
graves problemas que este OE ignora ou cuja análise propositadamente evita – o
que se explica pelas prioridades políticas estabelecidas: repor rendimentos, reduzir
desigualdades… Como é o que respeita à sustentabilidade das sociedades assente no
crescimento contínuo: mais cedo do que tarde (para evitar o colapso da democracia
e da própria economia), será forçoso fazer essa discussão, mudar esta política e este modo de vida.