quarta-feira, 23 de junho de 2010

Pois ...


«Privatize-se tudo, privatize-se o mar e o céu, privatize-se a água e o ar, privatize-se a justiça e a lei, privatize-se a nuvem que passa, privatize-se o sonho, sobretudo se for diurno e de olhos abertos.
E, finalmente, para florão e remate de tanto privatizar, privatizem-se os Estados, entregue-se por uma vez a exploração deles a empresas privadas, mediante concurso internacional.
Aí se encontra a salvação do mundo...
E, já agora, privatize-se também a puta que os pariu a todos».

José Saramago, in «Cadernos de Lanzarote – Diário III», pág. 148

domingo, 20 de junho de 2010

‘É a luta de classes, estúpido!’

Mais uma vez os patrões indígenas – meros peões na luta global das grandes corporações empresariais – ‘sentem’ que é este o momento oportuno para exigirem do Governo novas medidas legislativas que lhes permitam intensificar a exploração do trabalho/acumulação do capital. À boleia de uma proposta partidária de idêntico propósito, ‘soprada’ por Bruxelas(!), insistem na necessidade de uma maior ‘flexibilização das leis laborais’, ou seja, solicitam autorização (!) para despedirem legalmente sem restrições!

Depois da desregulação financeira – que permitiu o regabofe liberal na origem da actual crise e que, pelos vistos, de nada aproveitou e assim vai continuar; da progressiva destruição do Estado Social – tido como prestador de regalias e não como garante de direitos, logo esbanjador do dinheiro dos contribuintes em inúteis e incompetentes; resta agora completar o modelo ultraliberal com a imposição da total precarização laboral – exclusão de quaisquer direitos de protecção sobre o trabalho, com o regresso à lei da selva contratual, expondo o trabalhador às arbitrariedades dos ‘empregadores’, os que detêm o poder efectivo nas sociedades actuais.

A extrema e cada vez mais generalizada degradação das condições de prestação do trabalho a prazo (o equivalente, na actualidade, à dependência gerada, no passado, pelos sistemas de escravatura), a par do aumento das disparidades de rendimentos, torna a situação social cada vez mais explosiva. Que irá contribuir, mais cedo ou mais tarde, para o recrudescer das ‘velhas’ lutas de classes, tão ‘velhas’ como as sociedades humanas organizadas. ‘Adormecidos’ durante décadas, por obra e graça da hegemonia das teorias keynesianas e do modelo social-democrata – que conseguiram anestesiar as vontades e retardar a mudança social – os conflitos ameaçam agora irromper com violência, não obstante as condições sociais serem muito diferentes das dos séc. XIX e XX, a nível da estrutura de classes, do modo de vida e das próprias formas de luta.

Por agora, empurrados pela necessidade ou tomados pela ousadia, retiram-se as máscaras, desvanecem-se os subterfúgios, surge com maior nitidez a divergência inconciliável dos interesses em presença. Sem pudor, os detentores do poder assumem pretender uma maior liberdade na gestão da precariedade do trabalho, um controle sem limites do ‘mercado laboral’ – peça estratégica desse mecanismo global imposto para dirigir as sociedades! Confiados em que o outro lado, sofrendo o grosso dos efeitos punitivos de uma crise que não provocou e, por enquanto, incapaz de se organizar para lhes fazer frente (receio de perder o pouco que lhe resta?...), permaneça numa ‘acomodada expectativa’.

No âmago de uma crise económica e social marcada pela incerteza e pela insegurança, que ameaça pôr tudo em causa, o que mais se sente e ganha relevo é a ausência de uma alternativa segura ao modelo que a ela conduziu. Mas para além de todos os jogos e manipulações partidárias de escasso ou nulo conteúdo político, pressente-se o desespero de quem descrê da capacidade do poder público (e dos seus representantes eleitos) em encontrar soluções práticas e viáveis, em centrar-se na regulação democrática da realidade social, por demasiado dependente da inevitabilidade do ‘poder soberano dos mercados’.

Pois é a altura de recordar que, por trás destas manifestações, destas expressões exteriores de força – mais ofensivas de um lado, ‘apenas’ (?) resistentes do outro – encontra-se uma realidade mais profunda. Capaz de a qualquer momento explodir e tudo alterar. É tempo de proclamar que, depois da economia, o que se encontra subjacente a esta crise... ‘é a luta de classes, estúpido!

sexta-feira, 18 de junho de 2010

A(s) Vuvuzela(s) ...

Eis, para quem não conhece, a origem da Vuvuzela ...
E agora, ainda vão continuar a "assoprar" a corneta e, assim, engordar os lucros da Galp ?..

terça-feira, 15 de junho de 2010

Uma questão de "crença" ...


Depois de ter empatado a 0-0, o treinador da Selecção do BES, um dos mais bem pagos do Mundo, acusou a Costa do Marfim de ter uma postura demasiado defensiva.
«É sempre assim quando de um lado está uma equipa com vontade de ganhar e outra interessada em defender. Frente a uma equipa completamente fechada atrás da linha da bola, as coisas ficam um pouco mais difíceis»
O que (nos) dirá, a criatura, depois de jogar com a Selecção da Coreia do Norte ?..

domingo, 13 de junho de 2010

O regabofe ...


Pronto.
Começou o regabofe ...
Enquanto estamos distraídos com futebolada(s), ao menos não nos preocupamos com outras "coisas" ...
Eu, e muito sinceramente, o que desejo é que nenhum Jogador do BENFICA se lesione e que entrem de férias o mais cedo e depressa possíveis ...
De todo o modo, aqui vai o
Calendário do Mundial 2010

quarta-feira, 9 de junho de 2010

'Privatize-se o ar!'

Não resisto a transcrever, com a devida vénia, um comentário a uma posta do Daniel Oliveira, no ‘Arrastão’, a propósito das declarações recentes de Daniel Bessa – tido como de esquerda porque, um dia, fez parte, durante uns meses, do governo do ‘esquerdista’ Guterres! – defendendo a privatização da Saúde e da Educação como forma de resolver a crise da dívida (!):

«Privatize-se tudo, privatize-se o mar e o céu, privatize-se a água e o ar, privatize-se a justiça e a lei, privatize-se a nuvem que passa, privatize-se o sonho, sobretudo se for diurno e de olhos abertos. E finalmente, para florão e remate de tanto privatizar, privatizem-se os Estados, entregue-se por uma vez a exploração deles a empresas privadas, mediante concurso internacional. Aí se encontra a salvação do mundo… e, já agora, privatize-se também a puta que os pariu a todos.» José Saramago – (Cadernos de LanzaroteDiário III – pag. 148)

«Passávamos já à última fase, não? O resto está mais ou menos feito», conclui o comentador.

Sob pretexto de pretender resolver ‘a crise da dívida’, o capitalismo, perfilado por trás de um neoliberalismo cada vez menos escondido nos seus propósitos, perdeu toda a vergonha e deixou de disfarçar. O objectivo é mesmo, já ninguém o contesta, a destruição do Estado Social! Prepara-se o ataque final ao que resta dos serviços públicos – pelo menos os que, explorados até ao cêntimo, garantam alguma margem de valor, algum lucro! Irá sobrar ainda alguma coisa? Ou, dito de outro modo, alguma coisa que gere valor consegue escapar às leis do mercado, à fúria do lucro?

segunda-feira, 7 de junho de 2010

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Isto promete acabar mal! – II

Os limites do modelo exportador de crescimento – e desta globalização

Nos meses imediatos a Outubro de 2008, para evitar o risco sistémico de uma crise que ameaçava alastrar sem controle, foram lançados pela generalidade dos Estados programas de apoio financeiro de dimensão nunca vista. Ouviram-se então algumas vozes interrogar como reagiria a economia no momento da retirada desses apoios e quem afinal iria pagar todos aqueles milhares de milhões (!) que, de repente, surgiam do nada. Mais cedo do que se previra, sem surpresas como se esperava, aí está a resposta às duas questões, convergindo no sentido histórico de sempre: violento ‘ajustamento orçamental’, com sobrecarga nos mais desfavorecidos! Os efeitos esperados irão seguramente contribuir para evidenciar que as alternativas de solução propostas pelo sistema se encontram já fora de prazo!

Desde que se concluiu, sem margem para dúvidas – e também sem surpresas! – que as promessas feitas pelo G20 no calor da crise não eram mais do que isso, meras promessas, foram vários os alertas oriundos de diferentes lados a prever que o pior da crise financeira ainda estaria para vir. Sem necessidade de sair do quadro de referências do sistema, relembro os constantes ‘recados’ de Stiglitz sobre o curso do Euro e o (in)consequente rumo ‘desta’ UE; o já aqui abordado ensaio de Santiago Becerra – o premonitório ‘O crash de 2010’; ou as recentes declarações de Jaques Attali em entrevista à Euronews, onde afirma que ‘a crise está apenas a começar’, após observar que ‘os bancos continuam a especular como antes (...), nada mudou num sistema que está totalmente nas mãos do mercado financeiro internacional’.

Contrariando a tónica das políticas postas em prática na UE – de comprovados efeitos desastrosos, a nível económico e social, para todos os países que a integram – Attali, defensor de uma outra alternativa (curiosamente melhor ‘compreendida’ pelos EUA de Obama!), avança o que considera dever ser feito para atacar a turbulência na zona Euro, provocada pelo disparo das ‘dívidas soberanas’ (!), ao defender que ‘a única solução é a do crescimento para a redução da dívida'. Mas acrescenta que, para se evitar a catástrofe enquanto a retoma do crescimento não chega, é preciso ‘emprestar de modo credível’, adiantando ser a União Europeia a única a poder fazê-lo. E, já agora, sobre o efeito desta crise na construção do futuro da Europa: ‘Hoje vemos como uma evidência que a moeda única não pode existir sem uma política fiscal e orçamental. Não é possível.’

Contudo, também a solução para a crise através do incentivo ao crescimento económico parece seriamente comprometida, dadas as condições objectivas de funcionamento actual do modelo de desenvolvimento nas sociedades centradas no mercado – bem expresso no paradigma ‘subprime’ (‘engenharia financeira’ sobre crédito fácil e barato!). A não aplicação de algumas medidas essenciais – como é a ausência de uma política orçamental e fiscal europeia – pode vir a revelar-se fatal. Ou tão só a sua aplicação fora de tempo.

Mas pelo menos uma vantagem, para já, pode ter tido esta crise global, ela permitiu ver com maior clareza a natureza contraditória desta globalização, ao demonstrar os limites deste modelo de desenvolvimento que a suporta, baseado generalizadamente no crescimento do sector exportador. Porque assente na capacidade aquisitiva solvente algures no planeta – nos destinos dos produtos, ou seja, na capacidade de absorção/importação dos mercados consumidores – este modelo é posto em causa sempre que falha alguma das bases que sustenta essa capacidade – os rendimentos disponíveis das famílias ou o recurso ao crédito para os obter (ou as duas em simultâneo, como é agora o caso).

A enorme crise de confiança que se abateu sobre o crédito e as instituições que o gerem, não só fragiliza o sistema financeiro a nível global, como denota o esgotamento gradual desta via como forma de se compensar a crescente debilidade do poder aquisitivo dos consumidores – o suporte real deste modelo de desenvolvimento – por força da cada vez maior diferenciação na repartição dos rendimentos. Nestas condições, a impossibilidade do aumento do consumo pela via da expansão do crédito surge, pois, como limite objectivo à dinamização do tecido económico e ao crescimento, como forma de se sair da crise. E se esta era já, para muitos, a solução que se perfilava como derradeira (após a falência real da protagonizada pela UE)...

Ora, é precisamente na altura em que o recurso ao crédito se contrai ou até desaparece (seja pelo preço, seja pelo risco), que vai ser exigido um esforço suplementar ao orçamento das famílias pelos Estados (todos os Estados) para resolverem a crise... financeira!

É por isso que as palavras dos três autores citados (a par das de muitos outros) soam de forma tragicamente lúcida – ainda que pouco adiantem para a solução. Apenas um ‘isto promete acabar mal, mesmo!

Porque a solução, essa, só mesmo fora de um sistema centrado no mercado – na Globalização dos mercados! – ‘substituído’ pela política como centro da organização social – o princípio para uma outra globalização. Mas isso já daria mesmo outra ‘história’.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Isto promete acabar mal! – I

Um modo de vida assente na extorsão

Primeiro foi a crise do sub-prime. Pelo menos a origem próxima, a que é mais fácil de responsabilizar pela maioria dos males de que a economia actualmente se queixa. De repente esta entidade abstracta, a economia – pela via do mercado – ganhou estatuto equivalente ao dos seres sensíveis, não só se queixa, como gosta e valoriza, não gosta e penaliza, tem aversão (!)... enfim, tem alma – ‘os mercados são sensíveis’, ouve-se constantemente!

Mas uma crise, como qualquer outra coisa da vida, não começa assim, de repente. Prepara-se, tem antecedentes, surge num determinado enquadramento, há (e houve) condições que a tornaram possível... e a prolongam. Porque se o discurso dominante do pensamento único (expresso de forma maquinal – quantas vezes, insuportavelmente enfatuada! – por um qualquer jovem acabado de formatar por uma qualquer escola de economia) foi fácil em diagnosticar as causas próximas da Crise e, não obstante a virulência dos seus inusitados efeitos, a augurar-lhe um fim mais ou menos próximo (os mais cautelosos aventuravam-se então até ao médio prazo), o certo é que ninguém já arrisca hoje uma previsão para o seu termo. Passado a euforia inicial que se seguiu à forma como reagiu à injecção dos apoios governamentais por todo o mundo, a persistência na orientação que a determinou e que, afirmam, a vai ultrapassar (?), apenas tem contribuído, como era fácil de prever, para a sua ampliação.

Certo é que o mal-estar social, durante muito tempo controlado, ameaça agora tornar-se insuportável – da Grécia a Portugal, por toda a Europa, de repente obrigada a pagar uma crise que cada vez se vai desenhando mais profunda e, ao mesmo tempo, mais perceptível nas suas causas, mas resistente à assunção das respectivas consequências. As informações constantes sobre as enormes disparidades de rendimento, contribuem para acentuar esta sensação. Por via dos média tradicionais (escritos e audiovisuais) ou da incontrolável internet, os cidadãos vão-se apercebendo da profundidade das dificuldades, mas, ao mesmo tempo, de quem as provoca e as pretende perpetuar..., daí retirando benefícios pessoais.

Já não é mais possível ignorar que o mundo se transformou, quase de repente – muito por obra das tecnologias da informação – num lugar onde se torna cada vez mais difícil passar despercebido (pessoas e factos), num imenso repositório de queixas contra abusos e percepcionadas injustiças, numa caixa de ressonância onde de forma contraditória mas gradual se vai refinando uma consciência colectiva dando mostras de um apurado sentido de equidade, num laboratório onde se reinventa a solidariedade e se experimenta a cidadania.

Multiplicam-se na Net as informações, petições, abaixo assinados e muitos comentários sobre as escandalosas práticas comerciais de empresas de referência (Instituições Financeiras, à cabeça), por confronto com as chorudas benesses auferidas pelo reduzidíssimo grupo de pessoas que as controla e se atribui, em nome do que designam por ‘criação de valor para o accionista’ (!), mas também em benefício próprio, o poder de extorsão sobre as pessoas – não há outro termo para designar a ‘legal’ imposição de condições aos consumidores, assim obrigados a alimentar esta cáfila, para além de toda a pretensa regulação – por via de um modo de vida assente no crédito fácil e barato, ‘imposto’ por sofisticadas técnicas de marketing e o apoio domesticado do poder dos média!

Este edifício ameaça agora ruir. Em Outubro de 2008, a direita conservadora não teve pruridos em aderir à filosofia do Estado intervencionista, contra todos os princípios até aí professados, para impedir a falência do sistema financeiro à escala global. Seja por razões ideológicas ou por defesa de interesses próprios, o pragmatismo revelado naquela situação de aperto depressa regrediu ao fundamentalismo na origem próxima da crise, deixando sobrepor-se a ganância à razão, com isso ameaçando ‘devorar’ a galinha dos ovos de ouro. O pagamento das dívidas contraídas para salvar os bancos em dificuldades, é agora exigido aos mesmos que têm alimentado a sua fortuna – mas os bolsos estão exauridos, o risco de crédito (do país e das pessoas) descontrolado! Enfim, a receita para o desastre!

(...)