Batista Bastos, em recente artigo
no DN (13.11.13), referia-se ao ‘sorriso de Gioconda de trazer por casa’
do bem nutrido ministro Nuno Crato. BB bem podia ter pincelado a cores mais
incisivas a pintura do boneco ao referir-se a este personagem – tanto a nível
do seu enigmático riso permanente, como em termos da sua deletéria acção
política (numa área tão importante como a da Educação). Porventura vontade de o
vergastar não lhe faltaria, mas convenhamos que, desta vez, a expressão
utilizada no referido artigo fica aquém da sua cáustica e sempre bem temperada
prosa.
Não tenho a pretensão de colmatar
tal lacuna zurzindo forte e feio no avantesma, muito menos a veleidade de me
equiparar a este insigne cultor do sarcasmo mordaz, substituindo-o, mas lá que
o descarado maganão merecia tratamento aprimorado, mais que não seja pelo
petulante sorriso em tempo de contenção (não é só nas despesas impostas pelo
orçamento do Governo que se exige contenção!), lá disso não restam dúvidas.
Atrevo-me, pois, apenas por imposição ética e não estética, a emitir opinião.
Aonde quer que se desloque, Crato aparece a rir! O irritante sorriso permanente que o ministro exibe,
a denotar uma satisfação pessoal interior, por mais descabido do lugar e da
circunstância em que se encontre e por insultuoso contraste com quem sente
dificuldades, só é possível explicar por razões estritamente pessoais. Das duas
uma:
–
Ou vive de tal modo inebriado com a posição a que o elevaram,
que não consegue disfarçar a exaltação que lhe invade o íntimo,
distribuindo sorrisos com enorme prodigalidade (de tão inchado, ainda corre o
risco, como na história da rã, de rebentar se fizer um sorriso mais largo).
–
Ou, qual arrependido cristão-novo ou deslumbrado integrista da
causa liberal e seu assumido militante, ri provocantemente de satisfação
pelos êxitos da cruzada em que se tem empenhado de destruição da escola
pública em benefício dos interesses que a escola privada favorece.
O sorriso que lhe açaima o rosto, porém, torna-se ofensivo
perante a maior parte das pessoas, para quem a política que ele serve e de que
é executante privilegiado se tornou bem molesta e hostil. Para quem esse
alimento que lhe constrói o esgar se traduz na desgraça e sofrimento de muita
gente, se apresta, em nome de uma delirante utopia liberal – a sociedade
entregue ao arbítrio do mercado livre! – a destruir (literalmente) um País.
Adivinhava-se-lhe o jeito desde que, alegando rigor
matemático e em tom coloquial, quase displicente, emparceirava com Medina
Carreira num televisivo ritual semanal, ambos competindo em deletério exercício
teórico sobre como acentuar o declive, já então pronunciado, do frágil Estado
Social (muito em especial, na educação). A crise do ‘sub-prime’ e o subsequente
alastramento ao sector financeiro, com o estouro da bolha especulativa gerada
pela desregulação dos mercados, precipitou a prova que afanosamente Medina
vinha desejando, ao mesmo tempo que destapava as incongruências de uma UE
disforme e sem concerto – afinal a causa imediata do descalabro, bem mais
próxima da realidade.
Enquanto isso, ao ‘herói’ desta peça, é dada a
oportunidade de pôr em prática as longas dissertações mediáticas sobre a reforma
da Educação. Agora, investido em funções de responsabilidade governativa,
com capacidade para modificar tudo o que então apontava como reprovável,
percebe-se finalmente que os motivos que o moviam pouco ou nada tinham a ver
com a realidade social mas sobretudo com promoção pessoal ou fervor prosélito,
pois os resultados conseguidos pela sua acção apresentam-se de tal modo desastrosos
(qualquer que seja o critério de avaliação utilizado: financeiro, pedagógico,
social,...), que ultrapassam tudo o que então seria possível imaginar de mais
catastrófico.
Pondo de lado a luta dos professores em nome da sua
dignidade (pelos laivos corporativos que compreensivelmente envolve, embora o
tema, só por si, justifique tratamento bem destacado), assinale-se, para melhor
exemplo do desastre, uma recente reportagem da TVI sobre o apoio deste
Governo a escolas privadas, com claro prejuízo para as públicas, bem
esclarecedor dos propósitos que animam os nossos liberais domésticos (ou
domesticados?). Esclarecedor em definitivo é, sem dúvida, a ruptura com o
Governo assumida pelo Conselho de Reitores das Universidades sobre
financiamento do ensino superior, pelas naturais (e graves) implicações a nível
do retrocesso escolar e na área da investigação.
Crato é apenas mais um a juntar-se à galhofa a que os membros deste
Governo se entregam enquanto fingem gerir o País, inchados de satisfação por,
finalmente, verem a sua obra de transformação do Estado Social em Estado
Assistencial (o Estado mínimo) prestes a consumar-se. Apetece contrapor ao
riso cínico dos galhofeiros o aviso do velho aforismo: ‘o último a rir é
o que ri melhor’! É que os efeitos nefastos desta cruzada sobre a vida
de milhares de pessoas, pode bem dar lugar ao desespero e à violência. No afã
de implantarem o mais rápido possível a Lei da Selva do Mercado, pode
bem dar-se o caso de o feitiço se virar contra o feiticeiro. Mas que esse momento
tarda, lá isso tarda!