quarta-feira, 28 de julho de 2010

Tempos inquietantes - III

A História sem futuro

A polémica em torno das propostas saídas do bornal de ideias feitas do PSD, pode ter pelo menos o mérito de estimular a discussão sobre alguns dos temas que mais contribuem para a comprovada e cada vez mais profunda insatisfação dos portugueses pela política. Sobretudo aqueles temas que mais se prendem com essas propostas, em especial os que respeitam aos direitos sociais, à segurança no trabalho e ao emprego em geral. A questão está em saber se devemos insistir nas mesmas fórmulas e receitas que conduziram o mundo até aqui – incluindo à crise actual – ou se, por outro lado, convirá antes parar, reflectir e inflectir o rumo e tentar outro sentido, outras saídas.

Que não haja ilusões: a discussão em torno das saídas para a crise irá centrar-se, no imediato, entre os que, maioritários (pelo menos ao nível dos governos europeus) advogam o aprofundamento das tendências liberalizantes, persistindo, por isso mesmo, na via da desregulamentação da economia (na utopia de um encontro com a ‘pureza’ do sistema!) e as propostas mais realistas de pendor keynesiano (já salvaram ‘esse’ sistema do colapso uma vez), apostando no esforço financeiro do sector público como forma de compensar as denominadas ‘debilidades dos privados’ (!) em tempo de crise aguda.

Utopia liberal ou realismo keynesiano, contudo, configuram uma falsa alternativa, pois ambos apostam no esgotado paradigma do crescimento contínuo. Não obstante, a disputa entre as duas principais vias baseadas no mercado arrastar-se-á seguramente ainda por algumas décadas, as necessárias até o ânimo das pessoas sucumbir à dura realidade. Entretanto manter-se-á, incólume, a aplicação das receitas por eles advogadas, em doses que variarão conforme se forem alternando no poder.

Curiosamente, é da mui liberal América que surgem as críticas mais contundentes às liberais políticas dos governos europeus na condução da economia em tempo de crise. Em recente entrevista à Visão (15Jul2010), James K. Galbraith, keynesiano convicto, veio recordar que a crise é ‘o resultado da desregulamentação e da falta de supervisão do sector financeiro’, no âmbito de ‘uma política assumida e deliberada para promover uma mais rápida expansão do crédito e maior crescimento económico de curto prazo’. E por isso lamenta que, para enfrentar a crise, os governos estejam a ‘retomar o caminho da desregulamentação e diminuição do peso do Estado’, como é exemplo ‘o ataque ao Estado-Providência em curso na Europa’. Como no caso, afinal, da proposta de revisão constitucional apresentada pelo PSD.

No fim de contas, a tónica, em ambos – liberais ou keynesianos – manter-se-á, inabalável, na discussão das vias para o crescimento – e no modo de o atingir mais rapidamente. À margem, pois, da que mais importaria promover, a das alternativas a este modelo de desenvolvimento que arrasta o mundo para um irreversível esgotamento de recursos. No sentido da construção de um modelo global alternativo, naturalmente a partir da ponderação das diferentes áreas e sectores sociais.

No domínio do trabalho, por exemplo, valerá a pena insistir nas políticas que se sabe esgotadas e incapazes de relançar o emprego, não obstante as promessas nunca cumpridas dos actores principais da alternância na gestão do mercado (de uns e outros, indistintamente) – porque centradas no também já esgotado modelo do crescimento económico?

Ou, pelo contrário, procurar perceber a razão da actual destruição de postos de trabalho, para além mesmo da crise, ela própria também parte deste problema – para se tentarem novas fórmulas, porventura até novos princípios de organização social, que permitam a inclusão de todos e não apenas de uma parte que se assume como privilegiada por ‘apenas’ ter acesso... a um trabalho cada vez mais residual?

Transformar a inquietação dos tempos em ‘tempos interessantes’ – eis, pois, o desafio!

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Tempos inquietantes - II

A ideologia do relativismo

O enquadramento ideológico que produz a proposta do PSD de revisão constitucional, origina e explica, igualmente, outras manifestações perturbadoras e bem sintomáticas do estado actual do debate das ideias, dominado mais pelo relativismo ético (a base do pragmatismo), que pelo individualismo liberal (não obstante o papel deste no discurso mediático). Porque é da conjugação destes dois elementos – relativismo/pragmatismo e liberalismo – que se constrói o ambiente ideológico propício ao domínio absoluto do mercado: a ausência de qualquer ideologia ou, o que dá no mesmo, o liberalismo reduzido à sua componente económica – o clássico ‘laissez-faire’.

É sabido que em tempos de crise florescem as mais diversas tendências, desvios e confusões. O desespero impede o discernimento e, nestas circunstâncias, facilmente o obscurantismo substitui o realismo, afinal é possível até encontrar a solução para a crise nas causas que a determinaram!!! Difícil é, por vezes, distinguir em que campo elas se situam ou a que grupo elas pertencem, as tradicionais referências de esquerda e direita manifestam-se insuficientes ou mesmo inadequadas ao seu correcto enquadramento. Destrinçar as falsas críticas – cujo objectivo é sobretudo o de camuflar os verdadeiros propósitos dos seus fautores – das que relevam da reflexão sobre a experiência e a vida; distinguir os consensos impostos – como é o caso do ‘mercado livre’ – dos que buscam na diversidade soluções alternativas, não se afigura tarefa simples.

A par da atenção redobrada que se exige nesta permanente demarcação entre o cálculo político (ou ideológico) e os factos concretos, impõe-se a denúncia das situações mais ofensivas da realidade (presente e histórica). Tanto nos ‘media’ tradicionais como nos diferentes locais da internet, amiúde deparamos com casos inquietantes. Onde se detectam velhos fantasmas, à mistura com novas ameaças. Das mais perigosas incursões – porque implicam a quebra de valores universais – às pouco mais que inúteis ou de efeitos estéreis – porque desfasadas da realidade. Longe de ajudarem a construir alternativas, contribuem para o adensamento da confusão das ideias, em benefício exclusivo da ‘ideologia do mercado’. Como é o caso dos dois exemplos seguintes.

De forma recorrente desponta a tese de que ‘o Holocausto nunca existiu’, com base na discussão de que os 6 milhões de judeus que se diz terem sido mortos pelos nazis são manifestamente exagerados. Da discussão do número parte-se para a negação do facto. Ora o Holocausto não se define pela quantidade de mortos que provocou, mas pela natureza do programa posto em marcha com vista ao extermínio – ao genocídio – de um povo, no caso o judeu, idêntico a outros, é certo, que ocorreram ao longo do séc. XX, ainda que sem idêntico mediatismo. O que os judeus do Estado de Israel depois fizeram com o capital de apoio ganho junto da opinião pública pelo então ocorrido, isso já é outra história que de modo algum justifica a tese do ‘negacionismo’.

O outro exemplo é mais complexo porque mais obscuro nos seus propósitos. Reporta-se a uma cada vez mais insistente crítica ao sistema bancário, tido (e bem) como o centro de decisão que conduziu à Crise, qualificado, enfim, de intermediário financeiro parasita – o que já representa um juízo limitado sobre a natureza tanto da função bancária como do próprio mercado. Se, por um lado, a Banca exerce o papel charneira nas relações entre todos os agentes que operam no mercado (determinante, pois, no processo de valorização da mercadoria), contudo é ao modelo social que organiza essas relações e ao seu paradigma de desenvolvimento que importa assacar as maiores responsabilidades: o modelo baseado no mercado e o paradigma do crescimento económico contínuo.

Apontar a actividade de intermediação bancária como a única (ou mesmo a principal) causa da Crise actual (e, note-se, sem qualquer referência à desregulação financeira...), torna-se um exercício inútil, porque desfasado da realidade, mas perigoso, ao desfocar a atenção do essencial: a urgência na mudança do paradigma de desenvolvimento que impõe o crescimento contínuo, suporte do mercado. É, de algum modo, descortinar um bode expiatório destinado à expiação para sossego dos espíritos dependentes de liturgias laicas. É, enfim, culpar o instrumento, poupando o artista que o toca. Como há 70 anos, num gesto repetido ao longo de séculos, os nazis fizeram com os judeus para justificarem, perante a sociedade alemã da época, as suas próprias insuficiências. Com os resultados que se conhecem.

No fim de contas, a quem interessa uma ideologia assente na mistificação dos factos? Quem mais aproveita com a aparente (?) distorção da realidade?
(...)

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Tempos inquietantes - I

A política das aparências

Já aqui me referi a ‘Tempos Interessantes’, um ainda recente livro do talvez maior historiador vivo, Eric Hobsbawm, com o subtítulo de ‘Uma vida no Século XX’, situando a época a que se referem estas suas notáveis memórias. De um tempo em que sobravam referências para identificar as lutas e os ideais que as motivavam, em que as ideologias enquadravam a acção dos homens – e o seu empenho não era movido apenas pelo cálculo dos interesses imediatos.

A propósito de alguns episódios e indícios equívocos, senão mesmo perigosos, tomo então de empréstimo, adaptada, a fórmula utilizada no título de Hobsbawm. Para com ela tentar enquadrar e melhor compreender certos acontecimentos, aparentemente dispersos e sem ligação, no fundo, porém, comungando da mesma lógica que torna tão inquietantes estes tempos: a apregoada necessidade de aprofundamento da lógica do mercado, em plena crise... provocada pelo mercado – contra tudo, pois, o que racionalmente seria expectável.

A começar no episódio que ultimamente mais tem concentrado as atenções e os comentários políticos: a proposta social-democrata de revisão constitucional. Já se percebeu que a actual direcção do PSD, para além de um reforçado e muito generoso estado de graça que lhe foi proporcionado pelos condicionalismos existentes – crise global, governação PS, anteriores direcções do PSD,... – actua em dois planos: calculisticamente vai aguardando que o poder lhe caia nas mãos a partir do mero desgaste das diversas frentes, em especial a da desastrosa frente política interna; enquanto isso, vai procedendo a experimentalismos de vária ordem a ver como reagem os destinatários, políticos ou simples cidadãos.

A polémica em torno da revisão constitucional, numa altura em que, perante as óbvias prioridades ditadas pela crise, nada apontaria para a urgência de tal discussão, mais parece enquadrar-se em estratégias de distracção política para desvio de atenções de outros cenários mais comprometedores (viabilização dos PECs, discussão do próximo OE,...), talhada a jeito dos propósitos liberais que animam a actual liderança PSD. Por isso avança com uma espúria proposta de aumento dos poderes presidenciais – contra a história do seu próprio partido, lembrou Santana Lopes! – mas com os olhos postos no mais apetecido pacote social: privatização de serviços públicos e liberalização dos despedimentos!

Pode bem acontecer que essa seja a moeda de troca numa eventual futura negociação sobre as matérias a rever e que, chegado o momento de se ceder em alguma coisa, isso aconteça no acessório para que o essencial passe – e o essencial é, com toda a certeza, na óptica liberal, a alteração do actual conceito constitucional de direitos sociais (saúde, educação, trabalho,...) – pretendendo substituir direitos por regalias.

A opinião expressa por Ângelo Correia (criador, tutor, mentor,... do actual líder do PSD), em artigo assinado no CM de 20 de Jul., desfaz quaisquer dúvidas a este respeito, ao centrar toda a sua argumentação sobre revisão constitucional nas alterações em torno da componente social, afirmando, por exemplo, que ‘uma constituição democrática (...) reconhece a impossibilidade de manutenção de regras de gratuitidade’, que considera ‘uma quimera’. Sintomaticamente, nem por uma vez se refere à componente política da proposta sobre o tão propalado reforço dos poderes presidenciais!

A mera formulação de tal proposta é, só por si, inquietante e teve como efeito imediato uma generalizada rejeição nos mais diversos sectores da sociedade – incluindo no seio do próprio PSD. Mas também já se percebeu que esta direcção não joga apenas no imediato e as suas acções visam efeitos de mais longo prazo. É certamente calculada uma eventual perda de intenções de voto momentânea, os seus dirigentes afanam-se em semear agora, porque esperam colher no futuro.

Resta então saber até onde ‘este’ PS vai resistir e conter a dinâmica liberalizante que a suporta – para além da que ele próprio, a despeito das bravatas mediáticas, na prática há muito pôs em marcha!
(...)

segunda-feira, 5 de julho de 2010

A globalização sem política

Talvez o maior mérito do recente episódio em torno da operação de compra da Vivo brasileira, com o Estado português a inviabilizar o negócio pela utilização da ‘golden share’, tenha sido alertar (mais uma vez) para a debilidade do poder político perante o domínio absoluto do mercado. As opiniões domésticas dos ‘inevitáveis’ especialistas e dos ‘inefáveis’ comentadores, foram praticamente unânimes (com ligeiras dissonâncias): o Estado fez bem em intervir, mas tratou-se de um gesto votado ao fracasso, pouco mais que simbólico e quase quixotesco, perante o ‘diktat’ de Bruxelas (desta feita apoiado no ‘isento’ Tribunal do Luxemburgo) sobre o inviolável princípio comunitário da livre circulação de capitais.

No fundo, o que se pretende traduzir, é que a lógica do mercado não pode ser contrariada por qualquer interferência externa, política ou outra, no seu normal desenvolvimento, sob pena das mais terríveis consequências – de que as eventuais penalizações por incumprimento ou transgressão das normas comunitárias sobre a concorrência constituirão o menor dos males. Aparentemente, pois, nada mudou com a crise, nem o susto de uma derrocada do sistema parece ter amedrontado o poder económico e político, o qual, logo que ultrapassados os apertos financeiros, se apressou a retomar – e a aprofundar! – o sentido de uma mais completa desregulação/ liberalização dos mercados. Na lógica deste contexto, a intervenção do Estado é tida como essencial para salvar os mercados da derrocada por eles provocada, mas considerada prejudicial quando lhes exige a correspondente responsabilidade social!

Na realidade, porém, a actual crise (permanente?) surge na sequência e em resultado da tentativa de aplicação, ao longo dos últimos trinta anos, do princípio da auto-regulação dos mercados e da exclusão do Estado – e da política – da vida económica, tornando-se cada vez mais evidentes dois aspectos essenciais que lhe estão associados.

O primeiro diz respeito ao declínio da hegemonia do capital financeiro – ou da financeirização da economia – de que o ‘sub-prime’ foi apenas a manifestação exterior de uma crise há muito anunciada. Não obstante na aparência tudo sugerir o reforço dessa hegemonia, com o sistema a procurar no aprofundamento da desregulação margem de manobra para se perpetuar, o certo é que os sintomas de degradação acentuam-se e as crises sucedem-se umas às outras: à crise financeira (e de confiança no sistema bancário) sobrevem a crise económica (falências em cadeia, desemprego,...), a crise social, a crise da dívida,...

O segundo reporta-se ao esgotamento do actual modo de produção, com a formação e o desenvolvimento de vários impasses sistémicos, de natureza económica, tecnológica e até sociológica. O principal efeito revela-se ao nível da actividade ocupacional, com o sistema cada vez mais manietado e impotente para resolver a grande questão do mundo actual: como gerir a ocupação laboral e aproveitar o tempo das pessoas. Ao enorme incremento da produtividade (fruto do progresso técnico), responde, não com melhor distribuição dos benefícios daí resultantes, mas com a compressão salarial e a imposição da desregulação laboral – condição para a sua sobrevivência. Recua assim aos seus próprios primórdios: a lei da força substitui, de novo, a força da lei!

Ainda não é possível vislumbrar, no quadro do sistema ou fora dele, uma alternativa ao actual estado de coisas e ao desmoronamento social que ameaça ampliar-se e progredir. O ‘antecipado’ epílogo do caso ‘PT-Vivo-Telefonica’ reveste apenas um carácter simbólico mas bem elucidativo da natureza da política europeia e das expectativas em torno ‘desta’ democracia. A mais que previsível condenação do Tribunal do Luxemburgo às ‘golden shares’ virá tão só confirmar que a UE, não obstante todas as declarações em contrário, se mantém fiel à lógica que conduziu às crises sucessivas – crise permanente? – em que o mundo dito desenvolvido mergulhou desde há pelo menos dois anos – e de que, tão cedo, não sairá delas!

Não parece despropositado, então, voltar agora a relembrar o ‘Crash de 2010’, um curioso título já antes aqui citado. Para além da premonição de que o pior da crise acontecerá precisamente no Verão de 2010 (!), o mais importante é a chamada de atenção do seu autor, o catalão Santiago Becerra, para a crise sistémica instalada e para algumas das possíveis soluções, num mundo onde a prioridade se deve centrar em ajustar as necessidades aos recursos disponíveiso que exige a crescente mediação da política na vida social, com a subordinação do mercado à democracia!

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Uma questão de "relação" ...


Salvo seja a comparação, até parece a "relação" de Carlos Queirós enquanto e como treinador principal das equipas das quais tem sido "timoneiro" ... uma vez que, e enquanto treinador-adjunto, será provavelmente um dos melhores do mundo ...