segunda-feira, 5 de julho de 2010

A globalização sem política

Talvez o maior mérito do recente episódio em torno da operação de compra da Vivo brasileira, com o Estado português a inviabilizar o negócio pela utilização da ‘golden share’, tenha sido alertar (mais uma vez) para a debilidade do poder político perante o domínio absoluto do mercado. As opiniões domésticas dos ‘inevitáveis’ especialistas e dos ‘inefáveis’ comentadores, foram praticamente unânimes (com ligeiras dissonâncias): o Estado fez bem em intervir, mas tratou-se de um gesto votado ao fracasso, pouco mais que simbólico e quase quixotesco, perante o ‘diktat’ de Bruxelas (desta feita apoiado no ‘isento’ Tribunal do Luxemburgo) sobre o inviolável princípio comunitário da livre circulação de capitais.

No fundo, o que se pretende traduzir, é que a lógica do mercado não pode ser contrariada por qualquer interferência externa, política ou outra, no seu normal desenvolvimento, sob pena das mais terríveis consequências – de que as eventuais penalizações por incumprimento ou transgressão das normas comunitárias sobre a concorrência constituirão o menor dos males. Aparentemente, pois, nada mudou com a crise, nem o susto de uma derrocada do sistema parece ter amedrontado o poder económico e político, o qual, logo que ultrapassados os apertos financeiros, se apressou a retomar – e a aprofundar! – o sentido de uma mais completa desregulação/ liberalização dos mercados. Na lógica deste contexto, a intervenção do Estado é tida como essencial para salvar os mercados da derrocada por eles provocada, mas considerada prejudicial quando lhes exige a correspondente responsabilidade social!

Na realidade, porém, a actual crise (permanente?) surge na sequência e em resultado da tentativa de aplicação, ao longo dos últimos trinta anos, do princípio da auto-regulação dos mercados e da exclusão do Estado – e da política – da vida económica, tornando-se cada vez mais evidentes dois aspectos essenciais que lhe estão associados.

O primeiro diz respeito ao declínio da hegemonia do capital financeiro – ou da financeirização da economia – de que o ‘sub-prime’ foi apenas a manifestação exterior de uma crise há muito anunciada. Não obstante na aparência tudo sugerir o reforço dessa hegemonia, com o sistema a procurar no aprofundamento da desregulação margem de manobra para se perpetuar, o certo é que os sintomas de degradação acentuam-se e as crises sucedem-se umas às outras: à crise financeira (e de confiança no sistema bancário) sobrevem a crise económica (falências em cadeia, desemprego,...), a crise social, a crise da dívida,...

O segundo reporta-se ao esgotamento do actual modo de produção, com a formação e o desenvolvimento de vários impasses sistémicos, de natureza económica, tecnológica e até sociológica. O principal efeito revela-se ao nível da actividade ocupacional, com o sistema cada vez mais manietado e impotente para resolver a grande questão do mundo actual: como gerir a ocupação laboral e aproveitar o tempo das pessoas. Ao enorme incremento da produtividade (fruto do progresso técnico), responde, não com melhor distribuição dos benefícios daí resultantes, mas com a compressão salarial e a imposição da desregulação laboral – condição para a sua sobrevivência. Recua assim aos seus próprios primórdios: a lei da força substitui, de novo, a força da lei!

Ainda não é possível vislumbrar, no quadro do sistema ou fora dele, uma alternativa ao actual estado de coisas e ao desmoronamento social que ameaça ampliar-se e progredir. O ‘antecipado’ epílogo do caso ‘PT-Vivo-Telefonica’ reveste apenas um carácter simbólico mas bem elucidativo da natureza da política europeia e das expectativas em torno ‘desta’ democracia. A mais que previsível condenação do Tribunal do Luxemburgo às ‘golden shares’ virá tão só confirmar que a UE, não obstante todas as declarações em contrário, se mantém fiel à lógica que conduziu às crises sucessivas – crise permanente? – em que o mundo dito desenvolvido mergulhou desde há pelo menos dois anos – e de que, tão cedo, não sairá delas!

Não parece despropositado, então, voltar agora a relembrar o ‘Crash de 2010’, um curioso título já antes aqui citado. Para além da premonição de que o pior da crise acontecerá precisamente no Verão de 2010 (!), o mais importante é a chamada de atenção do seu autor, o catalão Santiago Becerra, para a crise sistémica instalada e para algumas das possíveis soluções, num mundo onde a prioridade se deve centrar em ajustar as necessidades aos recursos disponíveiso que exige a crescente mediação da política na vida social, com a subordinação do mercado à democracia!

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