terça-feira, 25 de setembro de 2012

As Perversidades e as Alternativas


Começa a ser consensual a percepção de um ‘antes’ e um ‘depois’ do 15 de Setembro passado, que as enormes manifestações ocorridas nesse sábado introduziram um corte decisivo na política portuguesa. É cedo ainda para se perceber, no entanto, todo o alcance desses acontecimentos, até porque nada ainda de substancial se alterou indo de encontro aos objectivos visados por essas manifestações – essencialmente apontados à actual política de austeridade e ao propósito explícito de levar as pessoas a empobrecer, sob pretexto do cumprimento dos compromissos financeiros externos – para além de difusas intenções políticas e da referida percepção geral. A situação parece longe da estabilidade, os acontecimentos sucedem-se de forma ainda pouco perceptível ao observador comum.

Mas uma conclusão parece desde já possível extrair, sobretudo a avaliar pelos resultados de recente sondagem, posterior ao 15 de Setembro: é manifesto o divórcio dos portugueses com os seus políticos e desponta o risco de a própria democracia poder ser posta em causa (87% dos inquiridos revelam-se desiludidos com ela!). Não sendo de admirar tal divórcio, nas actuais circunstâncias, assusta a dimensão radical do fenómeno. E apela a uma reflexão séria não só por parte dos agentes políticos mas de todas as pessoas minimamente empenhadas.

E a primeira conclusão, hoje quase unânime (excepção aos talibãs neoliberais!), é a de que a via seguida até aqui se encontra esgotada: a via da austeridade – e das ditas reformas estruturais, visando essencialmente a desvalorização do trabalho – imposta como alternativa única e inevitável para se reduzirem os elevados défices externos e se recuperar a credibilidade financeira perdida, tendo em vista o acesso, em condições normais e tão rápido quanto possível, aos famigerados ‘mercados’.

Os resultados obtidos, após dois anos de políticas centradas na obsessão austeritária, são bem conhecidos (e, na surpreendente perspectiva neoliberal, ‘imprevistos’!): para além da inevitável depressão económica, da consequente destruição de empregos e da contínua – e insuportável – degradação dos níveis de vida, o efeito perverso de tais medidas estende-se – pasme-se! – ao seu objectivo central, a redução dos défices, que não foi atingido. Perversidade que atinge até o seu maior êxito: o alardeado equilíbrio da Balança Comercial é conseguido sobretudo, do lado das importações, à custa do esmagamento do consumo – do nível de vida das pessoas; do lado das exportações, pelo aumento extraordinário das vendas de ouro – a que as famílias recorrem para sobreviver!

Já em desespero, o poder talibã preparava-se para agravar ainda mais a austeridade – incluindo uma obscena transferência directa de recursos do trabalho para o capital, através da TSU – quando o povo decidiu dizer: BASTA! O poder tremeu, mas não caiu. Preso aos seus compromissos externos (troika) e internos (a rede de interesses servida pela ideologia neoliberal), ensaia agora um atabalhoado recuo, ciente de que se o não fizer, alienará definitivamente todo o suporte popular. A alternativa da austeridade aparecerá maquilhada, mas seguramente irá procurar manter o essencial: o programa de reformas estruturais visando a desvalorização do trabalho e a destruição do Estado Social.

É neste contexto que, não por acaso, surge uma oportuna iniciativa, programada muito antes do 15 de Setembro, mas cujo calendário foi fixado para coincidir com um Outono que há muito se adivinhava quente: o Congresso Democrático das Alternativas que, tal como o nome indica, busca alternativas ao caos instalado. Que vão da ‘simples’ renegociação do memorando de entendimento, ao rompimento com a troika, até à mais radical saída do Euro. Mas importa ter presente, neste processo, que a discussão e proposta de modelos a apresentar não pode, não deve, confinar-se ao domínio económico, arrastados ou não pela crítica às alternativas ditadas pelo poder, pois a solução da crise actual é antes de mais política, tanto ao nível do envolvimento democrático das pessoas quanto das áreas de actuação, nomeadamente a da urgente reorganização social do trabalho, como já por diversas vezes aqui se chamou a atenção. À austeridade para empobrecer não pode corresponder apenas o crescimento pelo consumo – ao neoliberalismo não pode suceder um novo keynesianismo – porque se ‘esta austeridade’ se tornou insuportável e ineficaz, ‘este consumismo’ demonstra-se insustentável.

Mesmo admitindo no imediato o recurso a medidas de carácter expansionista, como forma de ocorrer às extremas necessidades actuais das pessoas (desemprego, em especial), não deve perder-se de vista que a solução passa, antes de mais, por se encontrar uma alternativa política global ao instalado domínio absoluto dos mercados (mais ou menos autorregulados). Sintomática a perversa apropriação do termo ‘austeridade’ como suporte à política para ‘empobrecer’: o sentido de frugalidade e recato, avesso ao desperdício e à ostentação, que normalmente se lhe associa e lhe dá conteúdo, visa aqui, sob a capa de virtude incontestável, a aceitação acrítica das políticas contra o trabalho e o Estado Social.

sábado, 8 de setembro de 2012

Os cobradores sem fraque


Não fora o óbvio significado por trás da pose hirta e muda, tornar-se-ia deveras caricato, porventura até hilariante, o ritual que por estes dias e a todas as horas as televisões nos impõem de um bando de pessoas, a que se convencionou chamar ‘troika’, movimentando-se de um lado para o outro, aparentemente apenas para, através dos ecrãs, nos recordarem a missão que cumprem. Não se apresentam de fraque, mas tudo o resto condiz com o estereótipo construído em torno dessa indumentária, no caso actuando em nome dos credores externos de que são meros mandatários. E, sobretudo, em nome dos que a nível interno, por conta de uma ideologia que ameaça a sustentabilidade do planeta e escondidos atrás de tão sinistras figuras, de forma explícita se propõem, sem olhar a meios (custe o que custar) nem a métodos (não há alternativa), empobrecer o país (pois, dizem, vive acima das suas possibilidades) e destruir a vida das pessoas – na expectativa pessoal de garantirem, no imediato, o conforto das suas e a prosperidade dos seus!

Certo é que à sombra das ditas ‘imposições da troika’, avança e implanta-se o programa neoliberal. É hoje mais que evidente (confirmado por notícias vindas a público há alguns meses) que o conteúdo do famoso memorando de entendimento foi preparado pelo ‘think tank’ neoliberal local, constituído essencialmente pelos respectivos núcleos da U. Nova e da U. Católica, que terão feito chegar à troika as medidas que, em seu entender, importava aí incluir. Afinal o famigerado plano de reformas que alguns dos habituais comentadores se apressaram a atribuir à agilidade mental dos senhores da troika – por haverem conseguido gizar em apenas cerca de um mês documento tão minucioso, revelando um conhecimento específico notável! – fica a dever-se (o seu a seu dono), não à inspiração divina da entidade externa, mas à pindérica (mas bem nutrida) ‘intectualite’ neoliberal interna e à sua agarotada versão política no PSD de Passos.

A realidade, porém, teima em destoar dos bem elaborados modelos teóricos, as políticas de austeridade têm-se saldado por resultados desastrosos a todos os níveis. A lógica desumanizada das estatísticas – usada como instrumento de propaganda pelos Governos na defesa das suas opções políticas – ameaça transformar-se, ela própria, na via sacra de um longo martírio. Antes de mais, é certo, para as vítimas reais de tais elucubrações, os desempregados, mas agora a manipulação dos números parece querer voltar-se também contra os seus próprios fautores. Perante a dimensão, estatística e sobretudo humana, do descalabro a que conduziu tal política e à medida que se vai percebendo que até a meta central do déficit público ficará muito longe do objectivo, cresce, um pouco por todo o lado, a exigência em se conhecerem os responsáveis pelo rotundo falhanço. Para o PS falhou o Governo, para o Governo a culpa ainda é do passado (reduzindo este ao ‘desaparecido’ Sócrates). Já o PR responsabiliza a troika por não saber fazer contas! E até esta obscura entidade desta vez não aguentou ficar calada e clama que a responsabilidade não é sua, é do Governo.

Este bizarro exercício de passa-culpas, contudo, não pode iludir o dado que mais importa realçar: a famigerada agenda liberal, há muito programada, finalmente encontrou as condições ideais para ser executada e está a concretizar-se de forma célere e eficaz. E sob os escombros do destruído Estado social e do liberalizado mercado do trabalho pretende erguer-se a utopia de uma sociedade liberta da opressão do Estado – a teoria do Estado mínimo – seja da opressão totalitária (política) ou da simplesmente burocrática (no vão pressuposto de assim acabarem os gastos supérfluos!). Porque é o Estado mínimo o garante do ambiente propício à expansão dos seus interesses e negociatas.

A irracionalidade do modelo vai ao ponto de, perante a ‘rigidez’ dos resultados obtidos (ou a dificuldade da realidade em se ajustar à teoria), ter sido sugerido à Grécia pela respectiva troika, o aumento do tempo de trabalho para seis dias por semana – numa altura em que o desemprego já ronda os 25% (1/4 da pop. activa grega!). Mais que a ignóbil provocação, o que a formulação de tal proposta indica é o desnorte destes políticos liberais, pois a concretização deste modelo não parece estar a resultar como os seus teóricos o terão idealizado e ardentemente desejado.

Daí o desesperado recurso à imposição de medidas que representam um retrocesso histórico monstruoso. Ao arrepio até da única que poderia inverter, de forma racional e sustentável, a tendência crescente de desemprego – a redução do tempo de trabalho – mas que, nas condições actuais, envolve uma impossibilidade, pois isso implicaria desviar os recursos que alimentam o exclusivismo dos seus requintados modos de vida, de que voluntariamente nunca irão prescindir.

Em Lisboa passeiam-se, sem fraque e sem vergonha, os cobradores de promessas. De promessas feitas em nome da fé na austeridade redentora, desfeitas pela infiel realidade. 

Depressão ou revolução?


O dia de ontem desencadeou uma tempestade de emoções. O anúncio daquelas medidas por parte do rapazola e em tom padreca (mas com pose de estadista) a ninguém deixou indiferente. Após o anúncio, o desânimo. Seguiu-se a indignação. Por fim, a revolta. Nunca antes tinha acontecido, de forma tão ostensiva e provocatória, tirar aos pobres para dar aos ricos!!! Ainda a habilidade manhosa de acontecer mesmo antes do jogo de futebol. A provocação atinge, em particular, os juízes do Tribunal Constitucional.

Agora, resta ver se os portugueses se resignam a cair na dupla depressão, económica e psicológica, ou se admitem enveredar por outras vias, incluindo – porque não? – a da revolução. Os próximos dias, não sendo ainda decisivos, irão ser com certeza bem elucidativos. Nas reacções e nas tomadas de posição. Por parte de todos os intervenientes (incluindo, a seu tempo, o Tribunal Constitucional), mas sobretudo pelos que mais lhe vão sofrer os efeitos.