O debate político dos últimos tempos voltou a ser dominado
pelo crescimento económico (na realidade ele nunca deixou de estar
presente, com maior ou menor dominância é ele que alimenta a vitalidade do sistema),
considerado a panaceia para os males que atormentam o país e o mundo. Foram,
primeiro, os anémicos sinais de uma tendência imprecisa rapidamente
transformados em início de uma robusta retoma, quando não mesmo em milagre
económico (a excessiva euforia do ministro Pires de Lima deu lugar, entretanto,
a uma mais contida exaltação e até a desculpas pelo exagerado entusiasmo).
Mas logo depois vieram os avisos, sob a forma de
relatórios, dos (in)suspeitos do costume: afinal, tanto o FMI como a Comissão
Europeia consideram frágil o crescimento e, por isso mesmo, pouco sustentáveis
os sinais dessa ansiada retoma. O que não os inibe, contudo, aparentemente de
forma incongruente, de convergirem no sucesso do programa de austeridade,
a causa próxima da actual crise de crescimento! É claro que para sustentarem
esta conclusão – e assegurarem a continuidade da austeridade, como é do
interesse do capital financeiro e de todos os que gravitam à sua volta,
políticos e comentadores políticos incluídos! – necessitam de construir
cenários na base de pressupostos que, por mais irrealistas que se apresentem,
suportem a tese de uma recuperação económica que permita pagar a dívida sem
reestruturação. E, daí, o retorno em força do tema do crescimento económico.
A estabilidade social e política das sociedades actuais, é
bem sabido, depende do crescimento. Sem ele a coesão social corre riscos de
desagregação, os conflitos sociais, inerentes a qualquer sociedade organizada,
tendem para uma maior violência. Acresce que o ADN do sistema capitalista
assenta no crescimento contínuo, toda a organização social
fundada nele depende da verificação desse pressuposto. Quando tal não acontece
ou quando qualquer acto ou facto o põe em causa, irrompe a crise, sob múltiplas
formas e dimensões. Foi precisamente o que aconteceu com a enorme dívida
acumulada, a que o poder político respondeu através da austeridade e a
asfixia do Estado Social. A tese largamente veiculada de que o
sobreendividamento que arrastou a crise foi provocado pelo excesso de
benefícios sociais e o financiamento dos direitos democráticos, não se coaduna
com a constatação do aumento generalizado das desigualdades precisamente no
período em que a dívida pública mais cresceu.
Enquanto foi possível ao poder político manter o discurso
do ‘não há alternativa’, pouco sobrou às pessoas para além da resignação
ao ‘inevitável’ – apresentado sob a forma de programa de austeridade,
embora matizado pela promessa de se tratar de uma medida provisória. Mas
a partir da altura em que esta ameaçou tornar-se definitiva, muitos
foram obrigados a admitir e a considerar possíveis outros cenários e desfechos.
A reestruturação da dívida, há muito constante das propostas ditas
radicais, entrou em força na ordem do dia com o objectivo de a conciliar com a
vida! De a tornar mais suportável, pelo menos.
A demonstração final de que a dívida actual é
insustentável (e que a via da austeridade se esgotou) foi produzida (a
contragosto, diga-se) em exercício puramente académico pelo ‘apolítico’ Cavaco
que, não obstante o optimismo lírico dos dados em que o baseou (a generalidade
dos comentadores considerou-os irrealistas!), ainda assim conclui que serão
necessários entre 20 a 30 anos (!) para a estabilizar em níveis sustentáveis
(os famosos 60% do PIB). Outras contas concluíram, entretanto, que
tal cálculo está errado e os anos de penitência estarão mais perto do dobro
desse número. Enfim, uma eternidade! Por esta andar Cavaco ainda irá reivindicar ter sido ele o
primeiro a suscitar a necessidade da reestruturação da dívida!
Certo é que aumenta a consciência social de que a alternativa à
reestruturação da dívida é a austeridade permanente (e
crescente), o que envolve em última análise, a opção entre democracia ou
mercado (a subordinação aos especuladores que implica ‘honrar’ todos os
compromissos da dívida). Só mesmo uma renegociação que inclua o perdão de pelo
menos boa parte dos juros especulativos passados, poderá ainda evitar cair-se
na insustentável situação do empobrecimento progressivo até limites socialmente
insuportáveis: velhos sem passado, jovens sem futuro, por conta de um presente
sequestrado pelos compromissos de uma dívida, em parte com origem
ilegítima, dada a forma abusiva como foi contraída.
Sabe-se, entretanto, que o crescimento económico tem vindo a desacelerar
desde a década de 60 (Marc Ferro, O regresso da História), por efeito da
persistente redução da procura global induzida pela destruição de
empregos (e consequente baixa de salários) provocada pela crescente
automação. Os diversos expedientes a que o sistema lançou mão para colmatar
esse efeito, nomeadamente através da expansão do crédito, tiveram como
resultados por um lado a enorme concentração de riqueza e o aumento das
desigualdades (contribuindo para a gradual quebra da procura), por outro o
disparo do endividamento (das famílias, das empresas e do Estado) para níveis
que se veio a constatar serem insuportáveis. A retoma económica (filiada na crença
do crescimento contínuo) aparece assim como a solução universal para se
sair da crise. Contudo, a incapacidade de se substituírem os empregos
destruídos pela avalanche da automação e a persistência de um elevado
desemprego, abala em definitivo essa crença no crescimento contínuo. A retoma
reduz-se então ao início de mais um ciclo sem saída, com final já anunciado.