segunda-feira, 11 de julho de 2016

Portugal 1 – França 0: o futebol também é política!

...improváveis?


E agora Merkel? E agora Schauble?

Será socialmente conveniente, será politicamente correcto, será até só simplesmente oportuno aplicar sanções políticas (arbitrárias e tecnicamente indefensáveis!) logo precisamente no dia seguinte a um país se sagrar Campeão Europeu, com a sua identidade nacional reforçada pelo frémito da vitória? Mesmo que as tais ‘sanções políticas’ sejam cinicamente apresentadas apenas como neutrais ‘sanções técnicas’, perante ‘esta trivial circunstância desportiva’ que ditará o ‘sôfrego faro político destas alimárias’ na hora de decidirem o que fazer?


E agora Hollande?

Descontando desde logo a agora vergada arrogância gaulesa – a desportiva e a que sustenta todo o presunçoso arreganho chauvinista que os emigrantes portugueses em França são obrigados a aturar (mas, por isso mesmo, sem esquecer o desagravo assim alcançado) – como será lidar com um eventual agudizar do movimento social/sindical francês que actualmente se ergue em defesa de direitos laborais ameaçados pela globalizante onda neoliberal (na sua versão interna ‘socialista’) sob efeito da frustração provocada por tão humilhante afronta?


E agora Passos Coelho? E agora Marilú e restante tropa fandanga (neoliberais, ordoliberais e outros que tais)?

Até nisto António Costa, o ‘optimista irritante’ (segundo Marcelo), parece levar-lhes a palma: depois de ter sido dos poucos a acreditar na vitória da selecção (associando a sua ‘crença laica’ à ‘crença religiosa’ do seleccionador), saberá extrair algum efeito político da euforia gerada por esta vitória junto desta (des)União Europeia? Tal como a improvável vitória de Portugal, tal como o improvável herói da Final, na lógica até da improvável celebração das afinidades com a Grécia (aqui trazidas pelo inesperado gesto de agradecimento do seleccionador), conseguirá Costa transformar uma quase punição num improvável sucesso político? Mesmo que apenas através de mais um adiamento da decisão (o que já seria revelador do estofo destes me(r)d(r)osos líderes europeus)?


Amanhã se verá então se sobra ainda alguma réstia de senso na esclerosada e impudente burocracia de Bruxelas – ou se, como até aqui, a natureza das ‘crenças ideológicas’ no Euro da finança anula a das ‘crenças’ no Euro desportivo. Até lá celebremos o feito desta saborosa vitória desportiva sobre a petulância. Porque não há vencedores antecipados em futebol. No futebol e na política!

terça-feira, 5 de julho de 2016

Sabedoria popular

Por estes dias não há cão nem gato que não se tenha já pronunciado (ou sinta a necessidade de ainda o fazer) sobre os terríveis malefícios que a simples ideia de referendo à Europa suscita. Seja qual for o seu conteúdo e motivação – questionar o Tratado Orçamental, como propõe o BE, apenas no caso de Bruxelas decidir aplicar sanções a Portugal pelo déficit excessivo de 2015; até à saída do RU da UE por força do Brexit – só falar em referendo convoca as sete pragas do Egipto, acorda todos os demónios e prenuncia as piores catástrofes. O bastante até para, por uma vez, congregar ‘felinos e caninos’ no sentimento único de que invocar o referendo é um disparate, um erro, um despropósito, até uma ilegalidade (versão PCP), nada justifica tal extremismo, os britânicos que o digam, já arrependidos (?) do irresponsável Brexit! Um vitupério que assim se abate sobre os portugueses, só explicável vindo de quem vem, uma corja de irresponsáveis, é o que este Bloco é. Mesmo os que até aqui o admitiam e pugnavam pela sua realização parecem submetidos à histérica onda de unanimismo que perpassa indignada pela opinião pública, com o argumento de que, referendo sim, mas não agora, que falta de sentido de oportunidade, logo depois do Brexit – reduzido às componentes xenófoba, racista e fascista!

Ao mesmo tempo, é certo, rasgam as vestes em protesto contra as declarações ‘imperiais’ (?) de eminentes responsáveis germânicos, porventura os mais representativos dos seus interesses. Haja o que houver, dizem estes, as regras são para cumprir, mas os portugueses pós-Passos Coelho parecem tê-lo esquecido! Tanto que até as principais preocupações do Sr. Schauble não se prendem com a situação do ‘seu’ Deustche Bank (apenas o banco mais exposto às dívidas, quase um ano de PIB mundial!), mas antes com a posição do actual Governo português, relutante em seguir as regras impostas pela UE/Berlim. Quanto as do seu patrício Regling, para quem a maior preocupação não advém dos efeitos do Brexit, mas sim de Portugal ousar reverter as ‘reformas’ (!) de Passos, onde tais regras se encontravam plasmadas – mas onde já se viu tal descoco? A onda de emigração, a prostração em que agoniza a Grécia, a ascensão dos fascismos na Europa, o anúncio de mais referendos sobre a UE (checos e húngaros já se adiantaram…), a catástrofe financeira eminente (o DB que se cuide)…, nada disto perturba o sossego destas arrogantes figuras da mais pura estirpe teutónica, hoje vertida na disciplina ordoliberal que pretendem impor na Europa. O que os preocupa mesmo são, para já (eles antecipam (!) pior no futuro), as duas décimas do déficit português em 2015!
 
É possível que a palavra pouco diga à esmagadora maioria das pessoas (ou nem sequer tenham ouvido falar dela), mas o importante seria adoptar-se uma filosofia do género do ordoliberalismo alemão, ‘ponham os olhos nos resultados’, não há como um povo disciplinado e de trabalho. Apesar de excomungada pelas revelações do pós-guerra sobre os campos de extermínio nazi, mantém-se incólume a convicção de que só ‘o trabalho liberta’, só o estrito cumprimento da ‘disciplina germânica’, aplicada à economia sem interferências políticas (a disciplina do mercado, pois claro), dá bons resultados. Se a democracia atrapalha os resultados há que disciplinar a democracia, estabelecer-lhe limites orçamentais, se necessário – e quando possível! – constitucionais até. Só assim se garante plena liberdade ao ‘mercado livre’, liberto até das desagradáveis surpresas que sempre acarretam as consultas populares decorrentes de mesquinhas veleidades democráticas. Quem não tem dinheiro não tem vícios – e o vício da democracia pode ser considerado prejudicial à saúde… dos mercados.

Mesmo descontando a sobranceria dos dois emproados germânicos – meros títeres do mercado nesta conjuntura – resta, no entanto, em aberto a resposta à ameaça das sanções antes que elas se concretizem. Que não passa de pressão política, habitual em tais casos – vai-se ouvindo por aí na senda do argumento ‘marcelista’, logo desenvolvido por alguns para proclamarem estar eminente o famigerado Plano B da austeridade. Para uns (à direita) deve atender-se mais ao conteúdo da mensagem – a insustentável situação financeira portuguesa, a caminho da bancarrota, afiançam – em detrimento dos mensageiros – que não deviam ter dito o que disseram (ao fazê-lo, podem ter desvalorizado tal conteúdo, reduziram até o poder da oposição interna, levando a que os olhares se desviassem do essencial). Para outros (à esquerda), é preciso argumentar junto de Bruxelas e da Comissão com a irracionalidade da medida, por ela mesma (afinal foi-se além da troika e o resultado pode ser um castigo?), mas também por inoportuna (perante o Brexit, a crise dos emigrantes, o ascenso dos nacionalismos e mil e um argumentos possíveis de invocar, que sentido fazem as duas décimas a mais no déficit de 2015?).

A estes, em especial, é bom recordar que, precisamente há um ano, os negociadores gregos também apareceram em Bruxelas munidos da razão para fazerem vingar as suas posições. Sabe-se qual foi a resposta, impiedosa e brutal, não sem antes o cinismo dos interlocutores europeus ter vindo em forma de um tão absurdo quanto monstruoso diktat: ‘você (Varoufakis) até tem razão no que está a dizer, mas vamos esmagar-vos à mesma’. O germânico ordoliberalismo imperante não se compadece com argumentos racionais nem olha a meios para atingir os seus objectivos, o que importa é induzir na imensa maioria, através de uma subserviente comunicação social, a realidade virtual e fantasiosa da alternativa única (TINA) que a leve a aceitar como inevitável a contínua degradação das suas condições de vida (quebra de rendimentos e de direitos) em troca de um mirífico e cada vez mais longínquo nirvana faustoso de uma União imperial feita extensão da Alemanha, não tolerando quaisquer dissonâncias por forma a evitar perigosos precedentes que possam pôr em risco o controle social pelas leis do mercado. Beliscar, em última análise e como sempre, os interesses dos 0,5% – cada vez mais longe dos já escandalosos 1% de 2008! – que detêm a riqueza e o poder político mundial.

Não sei se a ameaça do referendo é a melhor resposta à ameaça das sanções. Mas sei, pela sabedoria popular, que ‘enquanto está quente é que se deve malhar o ferro’, justamente agora que a efervescência provocada pelo Brexit mais acentua as fragilidades de quem se arroga um poder absoluto. E sei que, pior que tudo, é permanecer parado, com medo das consequências (‘olha a Grécia’, gritam), couraçado na indómita fé nas Instituições (!), esgrimindo apenas os argumentos racionais e acreditando que as sanções nunca serão aplicadas. Porque sei também que, no final prevalece a mensagem bem conhecida dos gregos e para a qual eles não se tinham preparado: ‘vocês podem ter muita razão, mas mesmo assim nós vamos esmagar-vos’. É que a maior ameaça ao projecto hegemónico dos mercados por ora protagonizado pelo ordoliberalismo alemão (que vai muito para além dos meros aspectos nacionalistas), não é o brexit, não são as migrações, o ascenso do fascismo… A maior ameaça é mesmo o eventual sucesso da alternativa constituída pela ‘geringonça’ portuguesa!

quinta-feira, 3 de março de 2016

Recuperar a dignidade, reduzir a desigualdade

(Con)Sequências do OE/16

Da negociação, discussão e aprovação na generalidade do OE/2016, para além de todos os comentários, análises, posições partidárias…, sobram ainda impressões pessoais e múltiplas consequências sociais e políticas a extrair. Retenha-se, então, desde logo, a grande demonstração de coesão por parte das esquerdas na hora da votação (para grande espanto de inúmeros comentadores!), não obstante a demarcação que todas elas fizeram questão de afirmar das diferenças que as separam; por parte das direitas, uma indisfarçada irritação apregoada numa hiperactiva agitação mediática com a conivência da sempre subserviente comunicação social, denunciando uma despeitada afronta de quem sente que lhe foge o poder que tinha por adquirido (directa ou indirectamente, através do pretenso contracto de exclusividade designado por ‘arco da governação’, agora violado de forma infame, clamam!). Estas duas manifestações, aliás, não podem ser interpretadas de forma separada, antes se influenciam mutuamente.

Para já parece ter sido dado um passo decisivo – o mais importante sobre todas as questiúnculas – na inversão de uma tendência que se apresentava irreversível, a austeridade permanente, através da mera reposição de direitos e rendimentos, mas onde a sua indelével ‘marca comunitária’ permanecerá como… ameaça permanente a essa pretendida reversão! Que provavelmente só não se impôs até agora dada a periclitante conjuntura comunitária (imigrantes, ‘brexit’…). Da inevitável austeridade infligida como disfarce da brutal transferência de riqueza do trabalho para o capital, expressa na salvação dos bancos privados através das ajudas públicas directas, do súbito aumento das denominadas ‘dívidas soberanas’ com origem em dívidas públicas contraídas junto do mui sofisticado sistema financeiro (o negócio das PPPs e dos ‘swaps’, dos ‘passivos contingentes’ das empresas públicas gerando enormes deficits ocultos…); expressa ainda, a outro nível, na insaciável precariedade das relações do trabalho…

Aliás, a melhor forma da UE concretizar no imediato os seus planos de manter esta ameaça permanente para impor a ‘sua’ austeridade permanente e comprometer os propósitos das esquerdas, é impedir ou protelar o mais possível uma solução atempada para as duas condições que permitirão à esquerda, no seu conjunto, manter coerência e coesão (mesmo que os temas não sejam consensuais entre as suas diferentes componentes). Trata-se, por um lado, da renegociação da dívida e, por outro, do controlo público da Banca. Ambas presas nas teias de uma crise financeira (económica? política? social?) cujo desenrolar ameaça só por si subverter todos os planos de todos os intervenientes, o protelamento de uma solução na situação portuguesa poderá bem ditar o destino desta experiência governativa, de contornos inéditos na Europa (após soçobrar a também inédita ‘experiência grega’). A libertação de fundos para os projectos que constituem as premissas em que assenta o sucesso da experiência (em boa medida dependente da renegociação da dívida) e a frágil situação do instável sistema financeiro nacional (apenas viável se encarado o seu controlo público), exigem solução urgente, sob pena de irreparável degradação.

Sobretudo importa aqui reafirmar que os sucessivos colapsos bancários (BPN, BPP, BES, BANIF) não tiveram origem apenas nem sequer principalmente em situações de corrupção ou na falta (ou falhas) de regulação, antes são o resultado inevitável da própria configuração do sistema financeiro, tanto doméstico como internacional – onde as dificuldades dos maiores bancos europeus, com destaque para o alemão DB, se avaliam pelas perdas sofridas em bolsa ao longo dos últimos seis meses (entre 40 a 60% da sua capitalização bolsista). Fora o que se antecipa venha a conhecer-se em breve, numa escalada que muitos prevêem poder acabar num colapso ainda mais violento que o de 2008 – consequência lógica de se deixar nas mãos dos privados funções que pertencem, por natureza, ao soberano do País, como é a emissão de moeda, através do crédito bancário (o conhecido mecanismo das ‘reservas fraccionadas’). Acresce a hermética engenharia financeira dos esconsos derivados e afins a que um desregulado sistema financeiro internacional se vem dedicando sobretudo nos últimos anos e sem fim à vista; ou da regulação que nada regula, antes serve de biombo legal a todas as falcatruas e malabarismos… Dando lugar a um grotesco ‘socialismo dos ricos’ (!), pois são estes que mais recebem os apoios públicos quando em dificuldades!
 
Percebeu-se, entretanto, pelo caso BANIF, que Bruxelas tem um plano ideado para o ‘sistema bancário europeu’. Nele cabe apenas um reduzido número de bancos globais de porte mundial supostamente melhor habilitados na óptica academista do poder de uma tecnocracia dominada pela ideologia do mercado, a enfrentar os grandes desafios mundiais. Nesse plano não entra, sabe-se já, qualquer banco português, tornando a já débil capacidade de decisão nacional ainda mais vulnerável. A defesa do interesse nacional e a lógica da racionalidade económica bastariam então para impor, neste contexto, a nacionalização do Novo Banco (sugerida por Vitor Bento, proposta pelo PCP, subscrita pelo BE e não excluída pelo PS), tendo em conta os capitais públicos nele investidos e as perdas previstas em caso de venda (Ricardo Cabral estima as perdas actuais acima dos 17 mil M€!). Por outro lado, a afirmação de Jorge Tomé, ex-PCA do BANIF, de que o infindável processo de reestruturação deste banco sofreu um ‘importante impacto’ (negativo, claro) com a substituição dos comissários europeus em Dez/14, faz supor que a tecnocracia que domina os corredores do poder na UE (à semelhança de Sir Humphrey do bem conhecido ‘Yes Minister’) assume rédea solta em momentos de transição ou quando vislumbra mais fraco o poder político.

Depois de Varoufakis ficou a saber-se que, perante a UE, de pouco vale a racionalidade dos argumentos técnicos contrários à ideologia dominante na tecnocracia que a comanda, por hoje o principal esteio de uma política pacientemente preparada ao longo de décadas (Societé du Mont-Pellerin, lembram-se?) na expectativa de se atingir a utopia do ‘mercado perfeito’. Na conhecida e bem documentada tese de Picketty (O capital do Séc.XXI), mercado perfeito identifica-se com máxima desigualdade de rendimentos, nas suas próprias palavras ‘quanto mais perfeito for o mercado, no sentido dos economistas, mais hipóteses tem a desigualdade’ de emergir. Ou, sem sofismas, quanto mais mercado (capitalismo) menos democracia. É esse o grande desafio com que os europeus de todos os países hoje se confrontam. Com que Portugal terá de lidar – e será forçado a enfrentar. Resta saber com que capacidade política para o afrontar, quando for necessário fazê-lo. Sem ‘ficar de joelhos’ como a Grécia.

Portugal, os portugueses e o seu Governo. A sanha da oposição de direita, que se desdobra em aparições na sempre ‘solícita e servil’ comunicação social, seja em constantes diatribes contra todas as esquerdas, seja anunciando todos os dias novas iniciativas, antecipando já o seu futuro governo (!), é de momento a melhor garantia da solidez de uma governação pela primeira vez apoiada à esquerda, pois dificilmente algum dos partidos nela envolvida arriscará quebrar o pacto estabelecido, escancarando assim as portas ao regresso dessa direita. Mesmo conscientes dos inúmeros e graves problemas que este OE ignora ou cuja análise propositadamente evita – o que se explica pelas prioridades políticas estabelecidas: repor rendimentos, reduzir desigualdades… Como é o que respeita à sustentabilidade das sociedades assente no crescimento contínuo: mais cedo do que tarde (para evitar o colapso da democracia e da própria economia), será forçoso fazer essa discussão, mudar esta política e este modo de vida.

domingo, 14 de fevereiro de 2016

Já chega!

O slogan ‘enough is enough’ da campanha de Bernie Sanders, rumo à eleição presidencial de Novembro próximo, nos EUA, parece particularmente ajustado à situação global da política mundial. Onde quer que seja, qualquer que seja o motivo, seja qual for o momento ou como quer que a ocasião se proporcione, uma raiva contida ecoa cada vez mais neste grito de revolta do candidato democrata. Com a paciência a esgotar-se por toda a parte perante a violação constante e impune dos limites da decência (aumento da desigualdade, corrupção institucionalizada, a mentira como programa político…), já nem os esforços da propaganda mediática – sempre pressurosa na explicação, justificação e defesa dos patronos que a sustentam – parecem capazes de suster ou ludibriar aquilo que se afigura a torrente imparável de uma crescente exigência social.

Este grito surgido quase em jeito de desabafo afigura-se sobretudo bem apropriado ao momento da actual UE, onde a realidade é apresentada/ transfigurada em função dos interesses financeiros regionais, de matriz teutónica, que a controlam. À medida que se foi percebendo que o OE/16 iria passar em Bruxelas apenas com alguns ajustamentos (habituais na circunstância), a frente interna dos interesses (próprios e alheios) agitou-se nervosa e, receosa de perder a oportunidade de voltar quanto antes ao poder perdido, decidiu jogar alto. Ao fazê-lo, porém, expôs as suas motivações e objectivos, desmascarou-se (se é que era necessário). É tempo, pois, de juntar a voz à de muitos democratas do outro lado do Atlântico e gritar com Bernie Sanders: já chega
 
Já chega de mentiras proclamadas sem pudor nem temor, ‘apenas’ porque quem as profere sabe que detém o poder real que comanda as decisões que contam – e em boa medida as vontades e consciências: das já ‘quase’ esquecidas promessas eleitorais não cumpridas, aos cortes temporários para consumo interno (até por força constitucional) mas apresentados em Bruxelas como definitivos e incluídos no designado ‘défice estrutural’, às nunca explicadas 'novas' medidas tendentes ao corte permanente (estrutural) de 600M€ nas pensões (que a dupla Coelho/Portas se preparava para concretizar, caso fosse poder)...

Já chega de mistificar a realidade ajustando os factos e as situações ao interesse ou objectivo do momento: a campanha da direita sobre um ‘enorme’ aumento da carga fiscal no OE/16 parece mais uma tentativa serôdia para justificar o ‘colossal aumento de impostos’ de V. Gaspar no OE/13 e só razões de má consciência dos seus autores pode explicar tal despautério, já que pouco ou nada tem a ver com a substância do orçamento em análise (como o demonstra a conclusão tirada pela própria UTAO).

Já chega de manipulação mediática e da pantomina do jornalismo isento – e dos jornalistas imparciais, sempre couraçados num tão epidérmico quanto descabido corporativismo – ou do comentário objectivo – seja de economistas, politólogos e demais ‘cientistas’ afins! De insistirem na ladainha TINA, desvalorizando a democracia (termo utilizado a cada passo nas frases que debitam nos órgãos de comunicação que os alimentam) e a inteligência dos interlocutores que ainda têm paciência para os aturar.

Já chega de aceitar como normal ou tão só tolerar as pressões da direita, dentro e fora do País, sobre as instituições europeias, as agências de rating, os mercados… Aparentemente apenas motivadas pelo objectivo de recentrar a prioridade da política actual na redução do défice público (como exigem os especuladores, perdão, credores), ao invés da actual reposição de rendimentos e da luta contra as desigualdades, o resultado, em última análise, cifra-se no agravamento das condições financeiras impostas a Portugal por via da… especulação! Esta atitude, mesquinha e traiçoeira, visando justificar apenas opções partidárias (ou a defesa inconfessável de interesses delegados), só pode suscitar em gente decente a maior repulsa por tão insidiosa perfídia!

Já chega, pois, de chantagem sobre a democracia (reduzida a mero formalismo eleitoral), sobre os países, sobre a soberania dos povos, sobre a democracia de Portugal soberano, atiçando os mercados e os especuladores, ameaçando com a subida de ratings ou a suspensão de apoios, quase apelando às instâncias europeias para uma intervenção impiedosa – e tudo dentro dos cânones de uma doutrina que já mostrou não resultar.

Já chega da despudorada ditadura dos mercados, da total submissão do poder político ao poder económico: por uma vez – desta vez – foi visível o despeito, dir-se-ia o ciúme, manifestado pelo patronato por o PS, em lugar de chegar a acordo, como de costume, com a direita para uma solução governativa, o ter feito – pasme-se! – com os ‘grupos esquerdistas’ (!!!) do Parlamento! Essa pode ter sido, talvez, a maior vitória a que se assistiu neste ainda muito embrionário processo e é esse novo ambiente político que melhor explica a afirmação de António Costa de que ‘o OE/16 ficou pior depois das exigências de Bruxelas’.
   
Já chega, enfim, de humilhação produzida pela globalização da indiferença (Papa Francisco dixit); do aumento constante das desigualdades e até da insultuosa promoção de políticas para empobrecer (!); de se viver pendurado na corda bamba da especulação financeira (e ao sabor dos seus volúveis humores); da impunidade perante a obscena ‘optimização fiscal’ – com suporte legal na ‘concorrência fiscal’ entre países, até mesmo dentro da UE – permitindo aos mais ricos (e só a eles) a fuga de milhares de milhões de euros às suas responsabilidades sociais…

Já chega, em especial, de condescendência/ reverência/ subserviência perante o pesporrente Schauble, ao que parece apostado em impor à Europa um novo jugo feudal sob tutela germânica, agora que a enorme exposição aos mercados por parte do Deutsche Bank ameaça rebentar-lhe na boca – e é pela boca que morre o peixe! Perante as malfeitorias já praticadas (a destruição da Grécia é apenas o exemplo mais paradigmático), não é de todo desapropriado, atribuir-lhe o epíteto que à época representava a origem de todos os males: a besta! 

Mas já agora, à esquerda – importa afirmá-lo, também – já chega de demonstrações sectárias ou de excesso de zelo, as mais das vezes inúteis ou de nulo efeito prático, apenas esgrimindo ou alardeando sucessos colectivos como feitos próprios, ou reivindicando mais do que aquilo que se sabe ser possível obter, nas actuais circunstâncias, numa tão inoportuna quanto contraproducente concorrência partidária, sem nexo mas perigosa.
 
Já chega... 

BASTA!!!