Aparentemente, os dois temas em
título nada têm em comum – para além, claro, de haverem coincidido no tempo e
terem sido (e continuarem a ser) objecto de aturadas análises e pertinentes
explicações dos habituais comentadores de tudo e de nada. Dir-se-ia, pois,
apenas fruto do acaso e sem qualquer conexão, a associação aqui apresentada,
mas que ele há coincidências bem significativas, há.
Depois da dramática ‘experiência
BPN’ e da longa inquirição parlamentar a que deu lugar – em que
surpreendentemente a direita pretendeu atribuir à supervisão (BP de Vítor
Constâncio) a maior responsabilidade na trama montada pela clique cavaquista
que dominava o Banco – esperar-se-ia então que, corrigidas as falhas de regulação
detectadas, agora sob controle político da direita
disciplinadora, casos idênticos não voltassem a repetir-se. Não obstante todos
os avisos e precauções, surge precisamente agora o BES que, só em
dimensão do negócio bancário, representa mais de cinco BPN’s! Num ápice, os até agora mais competentes gestores, eticamente irrepreensíveis, pilares firmes de uma
propalada dinâmica empresarial, a base sólida em que era suposto assentar a
reconstrução da economia nacional, passaram a suspeitos de graves crimes contra
a... economia nacional!
O actual Governador do BP (Carlos
Costa), chamado a depor no Parlamento, enumerou uma bateria de filtros,
auditorias, inspecções e demais intervenções que, a julgar apenas pelo seu
enunciado, dir-se-ia ser impossível qualquer fuga às regras estabelecidas.
Acresce ainda o escrutínio rigoroso (era assim designado!) efectuado
pelos exigentes auditores da ‘troika’ em 11 avaliações sucessivas
(também) ao sistema bancário. Bastou, contudo, uma denúncia – como no BPN –
para tudo se precipitar! Não foi, pois, o ‘normal’ exercício do regulador
(através da função de supervisão) que detectou o problema e as alegadas fraudes
que vinham sendo cometidas a coberto da criatividade permitida no negócio
bancário.
Surpreendidos (ou não) pela
dimensão da fraude, de imediato os responsáveis políticos (bem acolitados e
protegidos pelos comentadores habituais) apressaram-se a separar a actividade
do Banco dos negócios da família: o problema está, dizem, no GES/grupo familiar
e não no BES/Banco! Este, garantem (?), está bem e recomenda-se! Contudo, todos
os dias novos factos acrescentam mais preocupação à propalada estabilidade do
Banco, a procissão parece ainda só ir no adro. E o que fica, para já, depois de
tudo analisado e conferido, é que, mesmo com toda a regulação bem afinada – e
executada por pessoas acima de qualquer suspeita (ao contrário do que parecia
ter acontecido aquando do BPN!) – afinal é possível passar nas malhas
regulatórias! Como? Através de redes societárias tão complexas quanto legais (e mesmo racionais, a isso obriga a eficiência fiscal –
lembram-se?), permitiu-se todas as habilidades jurídicas, pelo que se torna
impossível – é esse o objectivo! – evitar ‘fugas’ deliberadas, estejam dentro
ou fora da lei, a fronteira é quase imperceptível. Porque a regulação bancária,
em especial, está convenientemente impedida de ultrapassar os limites do que se designa por ‘perímetro
de supervisão’!
Enquanto decorria a revelação da
fraude em torno do Espírito Santo, eram divulgadas as conclusões de um relatório
sobre a natalidade em Portugal (encomendado pelo PSD), com proposta de
medidas para resolver o problema demográfico que a queda das taxas prenuncia.
Ora, numa altura em que todos os dias ocorre o fecho de empresas, se reduz
pessoal nas que resistem (em nome da ‘racional’ eficiência empresarial), se
promove a exclusão de tantos em nome do exclusivismo de uns poucos, milhares de
pessoas emigram por falta de ocupação,... escasseiam as condições para um
planeamento familiar adequado à indispensável renovação demográfica das
sociedades. E se aqui reside a origem da falência de quaisquer medidas
tendentes a repor o equilíbrio demográfico, importa neste contexto referir
ainda o desajuste, cada vez mais apercebido por todos, entre a tendência para a
redução do número de empregos e o aumento dos ritmos e dos tempos de trabalho
para os que permanecem nas empresas – apesar do crescente exército de
reserva laboral! O enorme desperdício de capacidades que implica a
exclusão de tanta gente da actividade produtiva (boa parte qualificada), bem
como a falta de motivação e insatisfação sentidas pela grande maioria das que
têm uma ocupação (causa de tantos distúrbios psíquicos e sociais), são bem o
sintoma de que alguma coisa vai mal na organização social que tal
permite. De que alguma coisa irá ter de mudar!
Tanto a desregulação financeira que permite a fraude no BES,
quanto a (des)organização empresarial (ou laboral) que conduz ao
desequilíbrio demográfico, são a essência de um sistema que se
mostra cada vez mais inepto perante as necessidades reais das pessoas. E quando
se percebe que não há regulação capaz de resistir ao apetite predador dos
interesses privados ou que uma natalidade sustentável só será possível num
ambiente económico que garanta condições estáveis de subsistência, então a
única alternativa decente passa pela alteração radical da organização
social vigente, indo da nacionalização da Banca (o descalabro é
tal que até insuspeitas figuras do ‘regime’ o admitem já!) à reorganização
do tempo de trabalho – pois a isso obriga a evolução tecnológica e o
aumento da produtividade – com vista ao melhor aproveitamento das capacidades
de todas as pessoas. Sem exclusões nem exclusivismos!