segunda-feira, 8 de abril de 2013

Para além do Euro – A crise global


A avaliar pela natureza dos temas que têm dominado a actualidade política, até pelo dramatismo colocado na sua análise pela generalidade dos comentadores – a inconstitucionalidade do OE/13 não passa de mais um episódio neste contexto – dir-se-ia que a causa e remédio de todos os problemas nacionais (e boa parte dos internacionais) têm origem e fim no Euro: dos problemas congénitos que o impedem de se afirmar como verdadeira moeda única, às questões mais pragmáticas e imediatas de se saber se o País vai ou não conseguir manter-se no seu seio ou se, face às dificuldades e ao esforço exigido para as superar – a política da austeridade inevitável – não se afigura já mais sensato uma saída programada antes que seja obrigado a isso.

Não obstante a relevância deste tema, sobretudo pelas suas consequências imediatas sobre a vida das pessoas (e desde logo a austeridade imposta em seu nome), a realidade, contudo, apresenta-se bem mais complexa e exigente, pelo que a concentração da atenção política sobre as vicissitudes do Euro, ao esconder (ou ao não manifestar, o que dá no mesmo) as causas profundas da crise actual, contribui para desviar as preocupações do essencial para a sua forma exterior mais visível, com óbvias consequências para o futuro.

E o essencial deve ser procurado, antes de mais (como já por inúmeras vezes aqui foi referido), na própria evolução das estruturas sociais, na aceleração recente do desenvolvimento económico, no enorme incremento registado pela produtividade do trabalho a nível global, em resultado dos acentuados avanços da técnica, seja a nível do processamento da informação ou das aplicações tecnológicas, da mecânica à biogenética, nanotecnologia e todas as outras. Sobretudo, na desigual repartição dos ganhos conseguidos por esse exponencial aumento da produção, permitidos pela automação que cada vez domina mais a designada sociedade informacional, mas esmagadoramente retidos por quem nela controla o poder económico.

É por demais conhecida a história desta indevida apropriação. Ela acentua-se nos idos anos 70, quando os principais pilares económicos do sistema (a nível de países e de empresas), confrontados com uma acentuada queda de lucros provocada pela enorme transferência de recursos para os países produtores de petróleo (na sequência das denominadas ‘crises energéticas’), procuram, com o imprescindível (‘nesta democracia’!) patrocínio do poder político, contrariar essa tendência recorrendo à tradicional estratégia assente na desvalorização do trabalho, directa e indirectamente, dando então início ao progressivo desmantelamento do Estado Social, justamente tido como responsável, em boa medida, pela prosperidade ocidental.

Este processo, conjuntamente com uma global desregulação financeira e a total liberalização do comércio mundial (após a criação da OMC, por transformação do extinto GATT), constituem a concretização prática da ideologia do mercado auto-regulado, que assim impõe, na base do princípio do livre comércio, o actual modelo de globalização, nomeadamente: a constituição dos paraísos fiscais (‘off-shores’) – em nome da livre circulação de capitais; a destruição das estruturas produtivas nacionais – em nome da liberdade das trocas externas (e de um pretenso imediato benefício para o consumo); a redução dos direitos laborais e das normas ambientais – em nome (ou com receio) da deslocalização das empresas;...

A dramática situação, económica e social (desemprego, exclusão,...), a que conduziu tal modelo, justifica que se retome aqui a ideia já bastas vezes aflorada neste ‘blog’ (como em 3/Nov./2011): “É, pois, no elevado nível de produtividade alcançado pelas sociedades actuais que deverão centrar-se os esforços na elaboração das respostas globais mais adequadas para se enfrentar, de forma coerente, a crise actual. De se procurar fazer corresponder a organização social ao estado de desenvolvimento da economia. Muito para além do modelo financeiro a que se reduz o plano de ‘reformas estruturais’ (pela via da austeridade) – sequestrado pela especulação, contrário à realidade da vida e a toda a racionalidade, avesso à própria democracia. (...) E a primeira medida, imposta pela lógica da produtividade, é a reformulação da ocupação do tempo – a começar pela redistribuição do tempo de trabalho – retornando à senda dos direitos e da democracia, ao arrepio do que se pretende impor agora, o seu aumento.”

Impõe-se – é urgente – um novo paradigma na organização social que permita uma melhor repartição dos benefícios da produtividade pelo conjunto da sociedade. Que traduza a inversão da orientação vertida nos famigerados planos de austeridade, transferindo boa parte do esforço que tem sido exigido ao trabalho para a redução/eliminação das regalias rentistas e especulativas. Em nome de uma estrita racionalidade económica – perante o alastrar incontrolável do desemprego... – já que, no contexto dos poderes actuais, de nada adianta apelar à decência política