terça-feira, 20 de setembro de 2011

A falência da Grécia – ou de toda a Europa?



Sarkozy e Merkel – ou melhor, Merkel e Sarkozy (e não, não é por cavalheirismo) – parecem viver ‘juntos’ há um ror de tempo. Quando aparece um, o outro está sempre por perto, ou a chegar de algum lado. Para onde vai um, vai o outro, como até no caso da Líbia (?). E não é devido à gravidez da Bruna ou a qualquer pretensa infidelidade de ambos, porque a aparência que transmitem, não obstante tão íntimo e desavergonhado conúbio, é de se tratar de dois seres assexuados, não creio que qualquer deles suscite, deste ponto de vista, mais que um suspiro de enfado e passe adiante.

A razão da aparição frequente do ‘casal’ mais badalado do momento e a constante novela mediática em torno dos seus encontros, deste permanente ‘tête-à-tête’, bisonho e de mau augúrio, prende-se, aparentemente, com algo que diz respeito a todos os países da União Europeia: encontrar os meios de ultrapassar a crise financeira das denominadas ‘dívidas soberanas’! Mas a forma como estes assumidos donos da Europa passeiam a sua dominação, à revelia desde logo das próprias instituições comunitárias, torna-se humilhante para os restantes membros da UE. E é sintomático o silêncio cúmplice da generalidade de todos eles, submetidos ao estranho temor de caírem desamparados na vertigem financeira desencadeada pelas referidas dívidas.

A frequência destes encontros, contudo, vai de par com a total inutilidade dos mesmos, está na razão inversa da sua importância para o futuro real da Europa e dos europeus. Pelo menos até agora, às portas da já inadiável reestruturação da dívida grega. O resultado de tais encontros manifesta-se sobretudo no sobe e desce das Bolsas, numa reacção reflexa dos ‘histéricos’ mercados, sedentos de notícias inócuas para, sobre elas, justificarem os movimentos financeiros que melhor garantam os seus interesses.

Já se percebeu que a Merkel multiplica as declarações de apoio à Grécia, não pelo acrisolado amor ao ‘povo helénico’ ou à sua história, mas pelo especial desvelo que lhe merece a saúde periclitante dos bancos alemães, empenhados até ao tutano na dívida grega. Se a Grécia falir arrastará na queda muito mais do que apenas os flagelados (e descartáveis) interesses gregos, os efeitos da hecatombe repercutir-se-ão na Alemanha de forma estrondosa e no colapso de toda a Europa (e por arrastamento no mundo globalizado, resta ver em que medida)[1].

Entretanto, o Governo, qual moço de recados, viaja de Berlim a Paris (com escalas ‘menores’ noutros destinos, para disfarçar), busca o assentimento de Merkel, implora o apoio de Sarkozy, em pose submissa e reverente, regressando com propósitos contrários dos que levara. O volte-face é o triste sintoma da desorientação política de um Governo cheio de certezas e de receitas milagrosas na oposição – em busca de razões plausíveis para calar o protesto contra a austeridade e a trapacice logo que chegou ao poder!

Sente-se a desorientação até por entre a afanosa plêiade de analistas e comentadores, correndo pressurosos a tentar tapar os inúmeros buracos que a ortodoxa política oficial vai provocando, saltando da explicação/justificação da ‘inevitável’ austeridade para a desculpabilização da trapacice dos processos jardinistas na Madeira; da exaltação do produtivismo germânico para a expiação da suposta inépcia grega; da maior eficiência na gestão pública para a apologia das privatizações ‘sob pressão’ (!); das virtudes da liberalização desestatizante para o reforço do Estado securitário,...

Nada disto, aliás, pode surpreender: a insistência nas políticas de austeridade não paga dívidas e só pode conduzir ao desastre, a mais rudimentar matemática (tão ao gosto da teoria neoliberal) aplicada ao caso grego acaba de o comprovar – só falta conhecer a data para a reestruturação da sua dívida! Quem é que se segue?


[1] Se o Euro desaparecer, estima a UBS, os efeitos sobre o PIB dos países europeus no 1º ano será devastador, não só nos periféricos, sem dúvida os mais afectados (40 a 50% de queda), mas igualmente na Alemanha (25%), por via da quebra nas exportações face à consequente hipervalorização da sua moeda.

domingo, 18 de setembro de 2011

Basta de gozo: independência para a Madeira, já!


Ninguém acredita que vão ser os madeirenses – os principais ‘beneficiados’ pelo regabofe financeiro agora declarado, mas há muito adivinhado – a punir, por via política (nas eleições regionais), os desmandos dessa espécie repugnante alapada nas suas costas, que dá pelo nome de Jardim. A teia urdida pela criatura ao longo de mais de três décadas (!!!) criou um tal mimetismo de interesses com a base eleitoral que o tem sustentado, que não se perspectiva alteração significativa daí decorrente. Nem seria justo transferir tal responsabilidade para os eleitores madeirenses. E, sobretudo, tão pouco esta constituiria uma saída decente para a enorme trapalhada em que aquele acaba de colocar o país, já de si a braços com problemas de sobra para agora ter de suportar a chacota do mundo – e as inevitáveis penalizações de Bruxelas! – pela imagem de trapacice engendrada com a sonegação das dívidas.
 
De igual modo, ninguém está a ver o actual poder nacional, dominado pelo PSD, tomar qualquer medida radical, levando ao corte do apoio político partidário e entregando o farsante à sua própria sorte. E esta até era, na verdade, uma boa oportunidade para Passos Coelho se afirmar como político de visão, nem é necessário aqui invocar sequer a coragem. Poderia até ser o momento de se assumir como um político a sério, capaz de decidir com firmeza contra os seus aparentes interesses imediatos, de largar aquele ar agaetado de menino da escola que decorou a sebenta (a famosa cartilha neoliberal!). E granjear-lhe-ia, para o futuro, talvez o lastro de crédito que agora lhe falta, levaria até o PSD a redimir-se, de algum modo, do conluio tecido ao longo dos anos com a pantanosa situação da Madeira. Mas não é crível nem expectável que tal venha a acontecer.

Do lado da ‘oposição’, até agora as declarações proferidas indiciam encontrar-se mais empenhada em cavalgar a onda provocada pela trapacice agora descoberta, capitalizando o incómodo causado entre os próprios eleitores madeirenses e aproveitando eventuais deserções das fileiras do actual poder, do que em afirmar uma clara alternativa ao clima de impunidade instalado. Ou a repisar as mesmas estafadas frases e slogans de anteriores campanhas – agora exibindo o ar triunfante que o finalmente escancarado buraco financeiro lhes permite.

A verdade é que não sobram os meios de punição exemplar a causticar a contumaz calacice – de carácter penal ou mesmo cível, a multa aplicável de 25000€ é até ofensiva para o tamanho dos danos causados (económicos e sobretudo políticos) e a continuada desfaçatez deste avantesma – pelo que não pode excluir-se o recurso a processos mais radicais. Sem risco de eventuais efeitos nefastos colaterais virem a tornar ainda mais difícil a vida dos já de si muito penalizados madeirenses, a boa maioria deles desde sempre arredados das propaladas benesses do ‘jardinismo’.

Resta, pois, proclamar com indignação: basta de gozo! Pois se os madeirenses aceitam – porque lhes convém ou são incapazes de o sacudir – o jugo do Jardim, esgotadas as alternativas (e a paciência!), apenas resta a solução, tantas vezes por ele agitada como chantagem, de se encarar a ‘independência da Madeira’. Obviamente através de referendo nacional, com todos os ‘sacrificados’ a poderem pronunciar-se, não apenas os supostos ‘beneficiados’ autóctones. Se esta for a única forma de meter o Jardim da Madeira e a respectiva clique ‘jardinista’ (com os prolongamentos existentes no ‘contenente’) na ordem,... porque não?

Entretanto, haverá ainda certamente quem, à semelhança do que aconteceu com o BPN, procure desculpar o ‘ladrão’, culpando o ‘guarda’ de sentinela!

domingo, 11 de setembro de 2011

Uma agenda (liberal) de transformação estrutural do País!

Nos últimos dias, o Governo (e acólitos de serviço) tem vindo a reivindicar o papel de vítima. A pretexto de críticas sobre a ‘sua’ política de austeridade. Diz que não lhe está a ser concedido o habitual ‘período de graça’ a que teria direito, pois ao cabo de dois meses de governação chovem críticas, imagine-se, de dentro dos próprios partidos que o suportam. Destacadas figuras, tanto do PSD como do CDS – mais do primeiro, um ‘must’ da política caseira – têm verberado, com mais ou menos veemência e notório mal-estar, a pressa com que o ‘seu’ Governo pretende implementar o pacote de medidas acordado com a ‘troika’. O incómodo causado no visado é bem visível e de pronto se revelou em descabelados ataques à crítica e ao direito de manifestação!

Porque, valha a verdade, a contestação à austeridade imposta pouco ou nada se tem feito sentir, no Parlamento ou nas ruas, pois até agora ainda não passou das ameaças. Mas quem se pôs a jeito para as críticas começarem tão cedo foi o próprio Governo, a ‘rapaziada’ que o constitui e lhe dá lastro, dentro e fora das instâncias do poder. As suas mais destacadas figuras, Coelho, Portas ou Relvas, afirmavam, ao tempo do anterior, ter todas as medidas preparadas para avançarem e salvarem o País, disporem de uma alternativa à então considerada ruinosa gestão do PS (a única verdade em tudo isto?), sem desdenharem, desde logo, o ensejo de contribuírem, convictamente empenhados, para a farsa da inevitabilidade deste ‘memorando’... negociado pelo PS! De que se queixam, afinal?

E foi assim que, apanhados no poleiro, ansiosos de ‘levar a mão ao pote’ (nunca tal expressão foi tão bem empregue!), ei-los pressurosos a cumprir as exigências externas nele consagradas e, não contentes com as malvadezes aí impostas aos trabalhadores (quase exclusivamente), decidem ir bem mais além do acordado e disso fazerem alarde e doutrina.

Percebe-se a intenção. Deve malhar-se o ferro enquanto está quente. O que o Governo pretende – e não o esconde – é, à sombra da ‘troika’, fazer passar e aplicar uma completa ‘agenda de transformação estrutural’ do País. Como ainda recentemente o explicou, com todas as letras, o inefável ministro Gaspar, cada vez mais o regente destacado para concretizar as intenções dessa finalmente escancarada ‘agenda liberal’.

Se bem que o excesso de zelo que aparentemente transparece da fúria austeritária a que o Governo se entregou possa suscitar outras explicações. Para uns, trata-se apenas de mera prudência, um simples gesto de boa gestão: o Governo age deste modo por precaução, tendo em vista ganhar uma almofada de segurança para eventuais derrapagens, face aos riscos de um futuro que se apresenta muito incerto. Para outros, o Governo pretende transmitir aos mercados a sua determinação no saneamento financeiro das contas externas, afirmar uma ideia de eficácia e rapidez na política adoptada, por forma a readquirir-se, tão depressa quanto possível, a confiança perdida.

A verdadeira e cabal explicação, contudo, parece encontrar-se mesmo a outro nível, na assumida ‘agenda liberal’ que pretende impor ao País. Agora, com o aval da ‘troika’, tudo se tornou mais fácil. E até se prepara para, de caminho, encontrar a folga financeira de que precisa para avançar com uma das medidas mais emblemáticas dessa ‘agenda’, a redução da TSU, que assim poderá ser levada à prática sem recurso a nova medida específica ou adicional, poupando-se ao odioso de mais um qualquer corte, taxa ou imposto, em cima de tanta austeridade.

Uma agenda liberal com objectivos há muito definidos e que, a ser cumprida conforme pretendem os seus promotores, mudará radicalmente o País. Com base no critério exclusivo e universal do ‘valor económico’, é todo um programa de transformação social e cívica, dos valores ao modo de vida, das estruturas à mentalidade, que se pretende levar a cabo. Bem reflectido, desde logo, na destruição do Estado Social (e na adopção do ‘modelo assistencialista’), com os direitos sociais reduzidos a meros favores. É certo que o voluntarismo sobreleva a realidade, o academismo teórico de prosélitos inebriados o simples bom senso temperado de experiência. Mas os estragos políticos, com graves reflexos na vida das pessoas, estão garantidos. Resta saber em que dimensão.

Enquanto isso, a esquerda parece ainda aturdida, a recuperar do forte desaire eleitoral de Junho passado. Nem o tom de uma aparente viragem à esquerda que transparece do discurso de Seguro no Congresso do PS, em cura de oposição, pode sossegar quem quer que seja. A experiência histórica dita o contrário e, gato escaldado... Saúda-se a mudança no discurso, mas resta então ver até onde a prática política acompanha as intenções proclamadas, que contributo este PS estará em condições de dar para a construção de uma inadiável alternativa de esquerda a esta agenda liberal. Sem grandes expectativas, porém.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Histórias de encantar do ministro Gaspar

A pouco e pouco vai-se percebendo melhor a personalidade do Ministro das Finanças. E se a cada nova aparição sua equivale novo pacote de austeridade, com explicações pouco ou nada convincentes até para os seus mais fervorosos correligionários, a cada nova declaração esbate-se a áurea de técnico austero na palavra, rigoroso nas ideias. Aquilo que de início parecia apenas um estilo ‘português suave’, sobretudo por contraste com a truculência anterior, vai-se descobrindo ser a carapaça onde se acobertam obsessões ideológicas do mais fanático fundamentalismo. Profissão de fé idêntica à de Bush – fiéis da mesma religião – só nos faltava descobrir também tratar-se de predestinado com uma missão divina a cumprir.

O convencimento é de tal ordem que, nas múltiplas aparições e declarações a que já foi instado, o ministro Gaspar só responde, explicitamente o estabelece, àquilo que entende dever responder (não se trata, por regra, nem de revelar segredos de Estado, nem, as mais das vezes, de matéria a aprofundar, mas apenas porque... não lhe apetece). Ou então refugia-se em explicações banais que pouco mais traduzem e adiantam que o senso comum. Mera técnica para se esquivar aos temas incómodos, pois estes não são para debater em público, só mesmo entre predestinados em selectos ‘think thanks’, como a ‘misteriosa’ Societé Mont-Pèlerin ou o Fórum Económico de Davos (este, bem mais publicitado).

Episódio revelador aconteceu na denominada Universidade de Verão do PSD, onde o ministro se deslocou para leccionar. Tema, a crise, claro. E as explicações sobre a mesma. Apanhei a prelecção no exacto momento em que Sexa, munido daquele estilo arrastado e pose de académico ao jeito de quem conta uma história a um público infantil, iniciava a explicação da crise pelo... princípio da mesma. Segundo Gaspar, tal ocorreu nos EUA, com a crise do ‘sub-prime’, e apanhou toda a gente desprevenida. Pelos vistos tudo corria às mil maravilhas (!), ninguém contava com tal percalço (?), nem até a módica dimensão económica do que estava em causa prefigurava ou justificava o que veio a acontecer. Mas então de onde veio a ‘profunda e grave crise’ que se lhe seguiu?

A explicação, segundo o ministro, encontra-se em duas palavras apenas, que se prendem com a natureza do sistema financeiro: trata-se de um sistema muito complexo e que baseia a sua actividade na confiança. E com duas palavrinhas apenas se escreve a história desta crise, que parece não ter fim e vai colocando a cada dia que passa cada vez mais problemas. Com a complexidade tranca-se a oportunidade de se aprofundar a origem da coisa, com a falta de confiança arruma-se a questão. Como é que se chegou à complexidade e porque é que se perdeu a confiança, são pormenores que pouco interessam ao fio da história que traz Gaspar satisfeito e confiante nas suas inabaláveis convicções.

Dizer que o sistema financeiro é complexo e assenta na confiança é cair no vulgar, é descrever sem explicar, é tarefa de repórter não de cientista, não acrescenta nada à resolução dos problemas criados. Mas percebe-se porque o faz. Arriscar-se a explicar o que aconteceu, exigiria desmontar a ‘máquina’ – toda a ‘engenharia financeira’ – que produziu a crise. Coisa que provavelmente não sabe fazer (o que duvido), ou se o sabe (hipótese mais plausível), não se atreve, pois isso equivaleria a pôr em causa a sua ilimitada crença no ‘mercado livre’, precisamente a ideologia que engendrou tal máquina – e que, em última análise, é responsável pela crise.

Equivaleria sobretudo a clarificar o seu papel neste governo de fervorosos acólitos do mercado e a admitir o fracasso do carácter público das suas políticas (assim apresentadas por forma a merecerem a indispensável aceitação social). E a denunciá-las como meros veículos de recomposição do capital financeiro (posto à beira do colapso na sequência da crise), através da sistemática transferência de recursos extorquidos ao trabalho – seja por via fiscal ou política, com a destruição do Estado Social e consequente perda de direitos, exclusão...

Para isso conta com a prosélita liturgia da palavra que a seita neoliberal pratica em consagrados rituais destinados a exorcizar infiéis e a arregimentar descrentes, sem pejo de recorrer, sempre que lhe convém, a toda a litania de expressões inócuas para melhor esconder os verdadeiros propósitos da sua subordinada política aos interesses do capital.

sábado, 3 de setembro de 2011

A mudança - II

...e a alternativa

As teorias dominantes do pensamento económico corrente (e por onde passam os conceitos de crescimento e equilíbrio das contas) costumam alinhar-se em torno de duas principais: os que privilegiam o lado da oferta, afirmando que só os ajustamentos automáticos inerentes ao ‘mercado livre’ tornam possível garantir contas certas, a base para o crescimento (neoliberais); os que advogam a necessidade de impulsionar a procura por forma a quebrar-se o ciclo recessivo, condição essencial para se pagarem as dívidas e se obterem contas certas (keynesianos). (A oferta de) uns e (a procura dos) outros, porém, insistem no mesmo modelo de crescimento que nos trouxe até este enrodilhado novelo.

Daí que a terapia proposta por ambos recaia, com algumas variantes, na intensificação da produtividade (associada, se possível, a ‘vantagens comparativas’ que o país possua) como forma de se ganhar competitividade internacional – palavra mágica que, por estes tempos, parece suficiente para calar qualquer objecção. A resolução das denominadas ‘dívidas soberanas’ passaria então sobretudo pelo incremento das exportações (e, em menor escala, pela substituição das importações). Contudo, esta via tem os seus limites, mesmo se apenas no âmbito estrito da teoria (descontando aqui, pois, o impacto do crescimento ilimitado).

Por um lado, a aposta na tentativa de se explorarem habilidosamente as diferenças de produtividade entre países pretende ignorar que a globalização intensificou a lei da perequação tecnológica, ou seja, o avanço técnico que um país possa evidenciar num determinado momento tende a encurtar-se cada vez mais, levando à sua progressiva homogeneização, com a consequente redução, a prazo, dos ganhos obtidos.

Por outro, intensificar a produtividade pode atenuar os efeitos da crise localmente mas tende a agravá-la globalmente. Com efeito, ao contrário do que é comum pensar-se e se divulga, a presente crise surge precisamente do fosso criado entre o enorme incremento tecnológico alcançado pelo capitalismo (entretanto ‘globalizado’) – traduzido numa maior produtividade do trabalho – e a atrofia provocada na repartição dos ganhos daí resultantes, tanto em termos financeiros como sobretudo a nível da distribuição do próprio trabalho.

Já por aqui o referi diversas vezes – mas nunca é demais voltar ao tema sobretudo quando ele é ostensivamente ignorado, em prol da sua apropriação privada – o principal problema que importa resolver nas sociedades actuais é o que fazer com o nível de produtividade alcançado. Dito de outro modo, trata-se de encontrar solução para o tempo de trabalho libertado por esta via. Ou ainda, como (re)distribuir o acréscimo de valor gerado pela maior produtividade do trabalho. A orientação actual vai exclusivamente no sentido de apenas uma parte ínfima da sociedade beneficiar desses enormes ganhos sociais, seja através da apropriação da sua conversão financeira, seja pela exclusão de crescentes fatias da população do acesso ao trabalho e aos rendimentos por ele proporcionados. Com resultados devastadores, traduzidos na mais profunda e persistente crise do sistema – já não apenas mais uma crise periódica, a cada dia se revela mais o próprio sistema em crise!

O problema é então de organização social – e não das pretensas ‘leis’ da economia, como nos afiançam, marteladamente, encartados comentadores pagos para intoxicar/domesticar a opinião pública e iluminados políticos destacados para nos (des)governarem. Trata-se, pois, de inverter a tendência actual que impõe a intensificação dos ritmos de trabalho para os que o têm – enquanto um cada vez maior número de pessoas é dele excluído. Significa isso que a construção de uma alternativa à presente desordem social deverá forçosamente incidir na redução global do tempo de trabalho, proporcionando maior espaço para o lazer aos trabalhadores e abrindo espaço para o trabalho aos que dele actualmente não dispõem.

Enquanto se não verificar uma melhor correspondência entre os níveis de produtividade e a distribuição do tempo de trabalho disponível nas sociedades, todas as soluções encontradas para a crise, económica e social, não passarão de paliativos, à espera de uma próxima. Ultrapassar a crise actual de forma sustentada só será possível e acontecerá no quadro de uma reorganização social global do tempo de trabalho – afinal, até nos termos da própria formulação económica clássica, a forma mais simples (a única?) de a expansão da oferta (por via da maior produtividade) encontrar o seu equivalente numa procura alargada.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

A mudança - I

Entre a alternância...

Talvez a palavra mais usada por estes dias seja mesmo ‘mudança’. A filosofia assim o estabelece: ‘mudar é viver’, ou ‘a vida é feita de mudança’. Até a poesia glosou o tema e dele fez slogan: ‘todo o mundo é composto de mudança’. Mas as exigências de um quotidiano de incertezas e sem rumo, de contrastes ultrajantes (por vezes a rondar mesmo o absurdo), em desenfreada busca de soluções para a escalada de problemas que o confrontam, tornam este slogan mais directo e pragmático, voltado para a resolução dos problemas imediatos: ‘é preciso mudar, disse-se, porque a crise assim o impõe’.

A ‘crise’ nas suas múltiplas facetas e consequências, desde a crise das agora denominadas ‘dívidas soberanas’ – aparentemente a ‘mãe de todas as crises’ – ao, sobretudo, extenso role de consequências que dela parecem resultar: a incapacidade das famílias solverem os seus compromissos financeiros (assumidos, boa parte das vezes, por insistência dolosa das instituições credoras), o galopante desemprego consequente ao fecho das empresas insolventes, a austeridade imposta (diz-se) pela solvência das contas públicas para garantir (afirma-se) que o país não caia na bancarrota (!), a eminência de uma crise social mais ampla, a vergonha da miséria em tempo de faustosa abundância...

Neste cenário, contudo, se a necessidade da mudança parece reunir consenso, já o rumo que ela deve seguir está longe de o conseguir, pois assume a orientação mais adequada aos interesses de cada um (ou melhor, à percepção desses interesses). Aparentemente, é possível vislumbrar alguma sintonia em torno de um objectivo: a mudança deve ter em vista o crescimento económico – parece cada vez mais fora de agenda o contraponto, aqui e agora, com o mais abrangente conceito de desenvolvimento, não obstante ouvir-se falar com relativa insistência e proveniências muito diversas, em desenvolvimento sustentável!

Tendo em conta a causa próxima da crise actual – o endividamento excessivo (das famílias, das empresas, dos países) – a tónica é posta no acerto das contas: de acordo com a teoria, um crescimento económico saudável (e o próprio desenvolvimento sustentável) só terão condições de acontecer desde que baseados em contas certas. Adiantam, por isso, que a primeira condição para a melhoria de vida das pessoas é, antes de mais, pôr as contas em ordem, recorrendo à prática da imposição (aos outros) dos ‘planos de austeridade’. Teoria e prática a que se têm entregado, com tanto desvelo quanto parcos os resultados, sucessivos governos de siglas várias e acólitos mediáticos de bem nutridas figuras.

Já se percebeu (para quem ainda alimentasse dúvidas) que a mudança proposta por este governo relativamente à prática política do anterior não é de natureza, mas de ritmo, visa essencialmente acelerar (não vá o diabo tecê-las!) a liberalização da economia, ou seja, garantir ao capital condições de exploração do trabalho sem grandes entraves, facilitando a sua acumulação. Sob pretexto de gastos públicos excessivos, o objectivo é, invariavelmente, o mesmo: privatizar o que resta do sector público, desmantelar o Estado Social, fragilizar as relações de trabalho,... em suma, transferir valor do trabalho para o capital! A mudança é, sob múltiplos pontos de vista, para pior! Esta não é, certamente, a mudança que a esmagadora maioria das pessoas esperava e o mundo precisa!

Mas esta é, na realidade, a via da alternância do poder nas denominadas democracias ocidentais. Com mais ou menos acentuação, o cenário não varia muito: as mesmas políticas com novos figurantes, os mesmos carros de luxo com novos ocupantes, uma maior austeridade para os mesmos de sempre pagarem a crise que alguns provocaram e de que largamente benefici(ar)am! Acrescem ainda as explicações/justificações do costume por costumeiros anafados analistas, com a opinião pública vergada ao peso dos grandes números, exibidos por malabaristas travestidos de ‘cientistas’ e bem pagos pela pantomina das percentagens.... No caso doméstico, a descarada singularidade de uma ‘troika’ incumbida de salvar a pele dos subservientes e mal-amanhados decisores nacionais. Porque não lhes bastava – sabiam-no bem – escudarem-se no academismo de teorias construídas – sabe-se há muito – para justificar o anormal esbulho social dos últimos 30 anos!

Alternativa, precisa-se, pois – e com urgência!
(...)