domingo, 18 de outubro de 2015

O medo – sempre o medo! – a arma da direita contra entendimentos à esquerda

Ainda mal refeitos da estupefacção que os atingiu assim que se soube das ‘conversas interessantes’ que o PS estabeleceu com o PCP e Bloco, a incredulidade começa a dar lugar à ira mal contida contra tamanho desaforo, à mistura com ameaças veladas e chantagens descaradas (na base de sentenças categóricas sobre os compromissos externos, sempre agitando os fantasmas da Grécia). A desonestidade com que se interpreta a intenção dos eleitores pretendendo que esta foi no sentido da ‘maioria europeia dos 70%’ (!) só tem paralelo com a igual desonestidade com que se pretendeu influenciar/manipular a sua opinião antes das eleições através do medo. Mas para além da profusão de opiniões que se vão ouvindo, sem surpresa na sua esmagadora maioria garantindo a interpretação autêntica dos resultados a partir de uma intuída genuína intenção dos eleitores, o que mais importa averiguar são os dados objectivos. E esses apontam, sem sofismas ou enviesamentos opinativos:

1.      A partir dos números apurados nas eleições:
  •    A maioria de que a coligação de direita dispõe para governar não lhe permite, por si só (como pretendia), um exercício estável. A única forma de o conseguir seria através de um acordo com o PS (excluindo desde logo os restantes dois maiores partidos parlamentares, por razões óbvias).
  •    Neste Parlamento é possível a constituição de uma outra maioria, integrando o PS, o BE e o PCP – uma coligação de esquerda – estável e tão legítima como qualquer outra, não obstante ser a primeira vez que tal hipótese é posta na democracia portuguesa e as resistências, culturais e outras, que arrasta.

2.      Com base nas declarações e promessas da campanha:

  •      Parece deliberadamente esquecida (e daí pouco referida) a afirmação de António Costa de jamais se aliar à Coligação de direita ou viabilizar-lhe um OE, talvez a declaração chave deste processo: todos os eleitores souberam, com antecedência, do projecto pós-eleitoral do PS, o que anula qualquer interpretação que aposte num outro propósito (utilizando linguagem cara à direita, os eleitores já ‘descontaram’, nas urnas, os votos socialistas que não aceitavam uma previsível aliança à esquerda, transferindo-os para a coligação, o que explicaria a sua ‘grande’ votação após anos de austeridade).
  •       Faz-se por ignorar o conteúdo das três propostas apresentadas por Catarina Martins no frente-a-frente com António Costa para viabilizar um Governo de esquerda liderado pelo PS (a ponto de se colocar o início deste processo de aproximação entre as esquerdas apenas quando Jerónimo de Sousa, já depois das eleições, se declarou disponível para viabilizar um tal Governo).
  •     Mas também o PCP, ainda antes das eleições, havia manifestado disponibilidade para viabilizar um governo de esquerda, pela prioridade atribuída à luta contra as actuais políticas de austeridade.

A partir daqui e com base na evolução de uma situação ainda longe de esclarecida, muito menos decidida, parecem legítimas algumas considerações, como as seguintes:
-        Foi a enorme pressão que resulta da grande votação no Bloco (e da consolidação da do PCP) que obrigou o PS a negociar à esquerda, pois de outro modo dificilmente o faria: a confirmar-se o que é público, um governo das esquerdas já só não existirá se o PS o não quiser! Daí as referências – e os apelos – à ‘tradição das negociatas’ por parte de uma direita despeitada.
-        Até que ponto a aparente sonsice das (não) respostas da coligação às questões postas pelo PS sobre a real situação do País não esconde dados negativos relevantes, daí resultando uma (arriscada) estratégia de recuo temporário, deixando o ‘problema’ nas mãos da esquerda (foi assim que Cavaco chegou ao poder: AD–>Bloco Central–>Cavaco), esperando voltarem reforçados lá mais para diante.
-        Em qualquer circunstância, seja em desespero seja por estratégia, a direita venderá cara a sua expulsão do poder: ameaças de desestabilização com recurso à UE, tentativa de (as)segurarem todos os lugares públicos possíveis (dentro ou fora da Administração) antes de serem ‘corridos’ (por ex., na Segurança Social)…

Aqui chegados, constituiria grave erro histórico (com a devida penalização dos responsáveis) desperdiçar a oportunidade de se constituir uma plataforma de esquerda subscrita pelas três principais forças que dela se reclamam, defraudando a enorme expectativa das pessoas por quem se diz que correm estas negociações – sem prejuízo de se reconhecerem enormes dificuldades na conciliação das posições de princípio dessas três esquerdas (descontada a caricatura com que a direita pretende desvalorizar o facto, por o Bloco ser contra a NATO ou o PCP pretender sair do Euro!). Uma plataforma de esquerda disposta a afirmar, em primeiro lugar, o primado da democracia sobre o poder dos mercados (sem ilusões, mas também sem ambiguidades).

Se prevalecesse o mero cálculo político, o avolumar de sinais que apontam para uma nova e mais violenta crise financeira ditaria especiais precauções na elaboração de um acordo de governo por parte dos diversos parceiros nas negociações – a capacidade da direita no controlo absoluto dos mecanismos do poder exime-a destes tão triviais cuidados! Mas seguramente tanto o PS como os partidos à sua esquerda não deixarão de acautelar todas as eventualidades previsíveis nos termos de um eventual acordo que venham a firmar. Tanto mais que parece cada vez mais forte a probabilidade de a crise vir a atingir, mais ou menos violentamente, os países do centro, com inevitáveis reflexos nas periferias até por via de eventuais (mas admissíveis) alterações na política europeia.

terça-feira, 13 de outubro de 2015

A ‘inteligência dos eleitores’ interpela a coerência dos comentadores!

Conhecidos os resultados das eleições legislativas de 4/Out. último e tal como no final de qualquer outra eleição, logo se falou também sobre a ‘inteligência dos eleitores’, a suprema sabedoria na manifestação da sua vontade na atribuição de responsabilidades aos eleitos – ainda que, como sempre, restringida aos resultados dos partidos ditos do ‘arco da governação’. A vitória apenas com maioria relativa da coligação no poder sinalizaria a vontade dos eleitores na manutenção do governo mas não na continuidade da sua política de austeridade (pelo menos nas doses aplicadas), o que explicaria, de igual modo, o papel de contrapeso a que o PS ficaria reduzido, penalizado por, em adesão à tese da coligação no poder, bem escorada numa intensa barragem mediática, ter sido ele o responsável pela crise actual. Desta sábia geometria ditada pela ‘inteligência dos eleitores’ – manter no poder o governo em funções, mas sem maioria para não lhe ser possível aplicar a austeridade pretendida – excluir-se-ia o significativo aumento de votos que os mesmos eleitores decidiram atribuir aos partidos ditos de protesto, pondo a descoberto a natureza das convicções dos que têm da democracia uma concepção ainda próxima da coutada medieval!

Acresce que esses resultados têm vindo a servir para testar e pôr à prova algumas das mais enraizadas certezas do panorama político nacional: desde logo, a divisão partidária entre partidos de poder (o famigerado ‘arco da governação’, com PS-PSD-CDS) e partidos de protesto (PCP e BE, nomeadamente); depois, a convicção de que, precisamente por opção própria, nunca os segundos aceitariam exercer (ou partilhar) o poder, mantendo-se sempre na confortável posição do protesto. Agora que os ditos partidos de protesto se demonstram disponíveis para viabilizarem uma fórmula de governo à esquerda (integrando ou tão só apoiando um Governo do PS), está a gerar-se uma imensa agitação por entre os habituais comentadores políticos (e os políticos do poder), receosos, afirmam, dos efeitos que isso pode vir a implicar sobre a ‘credibilidade externa’ do País! Impossível – apostrofam com o ar mais convicto e sábio perante tal desaforo – essa solução é completamente inviável dado não existir qualquer compatibilidade entre partidos que se afirmam contra a NATO, a UE e o Euro (PCP e Bloco) e as tradicionais forças políticas alinhadas com a denominada ‘democracia ocidental’ – as tais do exclusivo ‘arco da governação’.

Houve alguém que recordou haver no norte da Europa (Finlândia) uma coligação no poder que integra um partido que é contra a NATO, o Euro e até a integração europeia (Verdadeiros Finlandeses). Com uma notável diferença: trata-se de um partido da extrema-direita – ainda assim bem integrado no sistema. Afinal o que torna inadmissível a mera consideração dessa possibilidade é a ousadia de se pretender afrontar o primado do mercado (por enquanto mais a nível ideológico do que político, as condições a isso obrigam), pondo em causa algumas das suas bases essenciais (a defesa emblemática – e, a prazo, inevitável – do controlo público do sistema financeiro), com o risco imediato de a avaliação dos mercados poder vir a penalizar juros e ratings de que se faz actualmente a vida dos cidadãos. E porque é com esta que os ditos partidos de protesto estão mais preocupados, toda a prioridade na busca de consensos é posta na luta contra a austeridade e as desigualdades que ela arrasta – afinal a essência da mensagem transmitida pela larga maioria dos eleitores!

Não parece, pois, constituir entrave à viabilização de um ‘governo PSapoiado pelos partidos à sua esquerda questões de princípio programático, de repente tão enfaticamente destacadas por políticos e comentadores ansiosos, temerosos de um desfecho que não desejam, uns pelos interesses que representam, outros pelos serviços que cobram ou pelas carreiras que ambicionam. Curiosa a reacção do mundo político e do universo de comentadores que ainda sem ser certa – parecendo até pouco provável! – a constituição de um tal governo de esquerda os lançou em estado de ansiedade catatónica. Antecipam, sem hesitação, uma catástrofe nos mercados, agitam, sem embaraço e com total falta de pudor, o espectro da Grécia (como se esse exemplo lhes não devesse pesar nas consciências e não actuasse precisamente no acautelar dos passos a seguir).

Certo é que o PS, com António Costa, tem nas mãos a oportunidade de conseguir um consenso histórico à esquerda, de grande impacto nacional mas igualmente com repercussões a nível europeu. Depois da destruição social a que se assistiu sobretudo nos últimos 4 anos, a esquerda (BE e PCP) já se mostrou disponível para abdicar, no imediato, de algumas das suas mais emblemáticas bandeiras, em nome da recuperação da dignidade e da restituição da vida roubada das pessoas, em nome da defesa do Estado Social. Dessa sua decisão irá depender ou uma renovada afirmação do partido ou a sua progressiva irrelevância: o apoio à coligação da direita, acentuará a sua adesão às políticas de austeridade e ao neoliberalismo, definhando como tantos outros partidos social-democratas da Europa (‘pasokisação’); a opção pela esquerda, ao dividir o risco com os restantes partidos desta área, pode aspirar a reganhar uma liderança (que hoje parece prestes a desvanecer-se) no âmbito de um projecto capaz de aproximar mais a política das pessoas, as esquerdas da realidade actual e da correcta percepção dos seus interesses.


A grande prova advirá, em última análise, das profundas mutações em curso na realidade económica, social e política: os sinais evidentes de desagregação ética e dos valores em que era suposto a Europa ser fundada ameaçam abalar os poderes instituídos. A gigantesca fraude na Volkswagen, por um lado, o desconchavo de posições perante o drama dos refugiados, por outro, indiciam situações de impossível retorno ou recomposição, apontam à urgência da mudança. A sofreguidão de que dão mostras empresas que se supunham suportes basilares do sistema (‘não olhar a meios para atingir os fins’, é o seu lema), pondo em causa a lealdade das relações económicas em que era suposto dever basear-se a concorrência – o nervo do sistema – ou a constante violação das normas de solidariedade que fundaram a UE  – a razão de ser da integração – exigem alteração das regras, dos comportamentos e, até, de actores políticos. Este desafio não pode ser ignorado e deve ser bem interpretado. Por todos os intervenientes.

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

O meu voto

1. O que determina o meu voto no próximo domingo, 4 de Outubro, é poder contribuir para a obtenção de resultados eleitorais tendo em vista alcançar nomeadamente os seguintes objectivos políticos estratégicos:
  • Desde logo e à cabeça a rejeição inequívoca da actual política de austeridade expressa através de uma maioria clara de votos – e de mandatos parlamentares – á esquerda, com a consequente derrota da coligação de direita no poder;
  • Complementarmente, impedir a obtenção de qualquer maioria absoluta por um só partido, a fim de se prevenirem tentações e desmandos (gato escaldado…);
  • Por último, reforçar a representação parlamentar de Bloco e CDU por forma a pressionar o PS a uma política de esquerda (aguardando-se que a proliferação de siglas não interfira muito nesse propósito).

A dar crédito às sondagens que diariamente procuram entorpecer a opinião dos portugueses, a probabilidade destes três quesitos principais virem a concretizar-se é bastante forte – não obstante a negra contrapartida de todas elas destacarem uma previsível vitória, ainda que sem maioria, da direita no poder. Os resultados de domingo encarregar-se-ão, pois e antes de mais, de confirmar o grau de credibilidade deste tipo de sondagens – ou até que ponto, como tem acontecido noutras paragens, são manipuladas com o propósito de influenciar as intenções de voto dos eleitores.

Facto não despiciendo, neste contexto, o revigoramento do Bloco para além de todas as expectativas, despeitadamente dado já por múltiplos sectores (da direita à esquerda, diga-se) em adiantado estado de decomposição, a caminho da extinção, tornando-se já quase um lugar-comum atribuir tal efeito à acção determinada, competente e serena de Catarina Martins. Sem menosprezo pelo contributo devido a elementos cuja empenhada prestação política mereceu notório reconhecimento público (caso da Mariana Mortágua). Essencial para segurar um eleitorado que não se revê no PS nem no PCP, que de outro modo se absteria.

2. Mas o que realmente se encontra em jogo nestas eleições e espero mesmo que resulte do apuramento eleitoral é a criação de condições mais favoráveis à concretização a breve prazo de um programa político de mudança que inclua, como eixos fundamentais:
  • A revogação do Tratado Orçamental (TO) – em nome da democracia – e muito para além de quaisquer pretensas ‘leituras inteligentes’ que alguns queiram dele extrair;
  • A reestruturação da dívida – em nome da soberania do País e da vida de quantos nele habitam e trabalham;
  • O controlo público do sistema financeiro – em nome da decência, contra a corrupção institucionalizada. 

Já (quase) tudo foi dito e escrito sobre cada um dos temas enunciados. Do inviável TO, à inevitável reestruturação da dívida (data a marcar após as eleições em Portugal e Espanha). Não menos falado, talvez menos exigido (pela consciência da sua impossibilidade imediata face à envolvente política actual?), o controlo público do sistema financeiro assume papel nevrálgico num processo de transformação social. Daí tornar-se indispensável incluí-lo num programa político que vise alterar a insustentável situação que decorre do periódico (e aparentemente imperioso) resgate de Bancos a que a sociedade se vê compelida. E é bom relembrar, pela enésima vez, que a crise actual teve origem precisamente no descalabro financeiro de 2008 e que, de então para cá, a par desses impostos resgates, pouco ou nada foi feito em termos da instauração de novas regras que prevenissem a repetição sistemática deste ignóbil regabofe bancário. Aliás, se nada for entretanto feito (e nada aponta nesse sentido), o pior poderá estar ainda para vir!

O actual ‘escândalo Volkswagen’ ilustra bem, por contraponto, a importância sistémica do sector financeiro. Apesar da gigantesca dimensão do construtor alemão (a nível financeiro, VN ou emprego), imensamente superior à da maioria dos Bancos e ainda sem uma clara avaliação do seu real impacto na economia global, uma coisa parece, para já, adquirida: os danos causados pela comprovada fraude das emissões poluentes (por razões de concorrência, como sempre!) estão longe de provocar as ondas de choque sentidas em 2008, no auge da crise financeira, com a situação de descalabro então registada em algumas Instituições Bancárias (difícil de divisar onde a ‘criatividade’ permitida pela desregulação financeira dá lugar à fraude). Tal como já afirmei antes ‘cresce a percepção, até entre sectores liberais, de que a solução já só reside no controlo público do sector bancário: é que os bancos, pelo papel vital que detêm na sociedade, não devem ser deixados ao capricho de particulares!’.

3. Por fim e perante a devastação a que a actual política de austeridade sujeitou o País parece quase masoquismo o resultado para que tendem as sondagens: uma vitória da coligação da direita – os responsáveis pela ruína de tantas vidas e destruição imensa de recursos, sem visíveis contrapartidas – ainda que sem maioria! Não sendo de admitir que, depois de tamanha predação, subsista um tão elevado número de beneficiados (ou até só ilesos) pela política de austeridade, custa imaginar quão profunda terá sido a acção psicológica baseada no medo e suportada na manipulação de dados (sabê-lo-emos depois das eleições?) a que foram sujeitos quem lhes sofreu tais efeitos, a ponto de agora absolverem os seus carrascos. Uma nesga de coragem contra o medo ou uma réstia de bom senso ainda é, contudo, possível!