domingo, 25 de novembro de 2012

Fé na troika, com os pés na fraude


A propósito da ‘refundação’ ( do Memorando? do Estado? da Democracia?...)

Está em curso uma gigantesca campanha de reabilitação da troika ou do que ela realmente representa. Reabilitação para uns, reforço de credibilidade para outros, pois a troika, como quase tudo, tem seguidores fiéis e tergiversadores de ocasião (conforme os ventos) – os Gomes Ferreiras e os Camilo Lourenços, não obstante algumas divergências, surgem unidos no propósito essencial de justificarem a existência dessa espúria tríade externa: suportar o programa político dito liberal até agora desenvolvido pela tríade partidária interna (onde, como se sabe – e se lamenta – tergiversa também o PS, uns dias ao lado do actual Governo PSD/CDS – em regra no essencial – noutros na oposição ao mesmo). 

O objectivo deste ‘novo’ surto de acrisolada fé nas virtudes terapêuticas (para consumo interno) da famigerada tríade é claro: desferir o golpe de misericórdia no raquítico Estado Social, acusado, ainda assim, de todos os males e vícios que se atribuem a um povo cada vez mais oprimido e definhado, uma vez que, dizem eles, as inúmeras penas e demais sevícias infligidas em nome de uma saudável e miraculosa ‘cura de emagrecimento’ (???) da despesa pública não surtiram o efeito previsto e desejado.

Aproxima-se o momento cumprida a etapa da punitiva e ‘pedagógica’ punção fiscal, essencial à sustentação da tese dos gastos excessivos do Estado  de terminar a tarefa principal que tem ocupado o poder político a pretexto da resolução da actual crise financeira: demolir o edifício de direitos sociais instituído nos últimos quarenta anos, rasgar o pouco mais que embrionário Contrato Social, dar a estocada final no massacrado Estado Social. Claro que, no final, restará sempre um seu arremedo – hoje já poucos arriscam contestar a necessidade de ‘um’ Estado Social – provavelmente reduzido a mero subsidiário de uma caridade institucionalizada.

Ora, nunca como hoje as possibilidades técnicas permitiram às pessoas tantas facilidades no acesso a uma vida digna, mas também nunca como hoje foram postos em causa tantos direitos básicos (de repente transformados em ‘meras’ regalias descartáveis) com o  argumento de que os recursos que existem não dão para todos, ou para tudo o que era suposto ser garantido por esses direitos. Certo é que nunca como hoje se foi tão longe na mistificação da realidade: desde logo patente na política económica do OE/2013 – não obstante reunir o mais largo consenso negativo de que há memória, mesmo na maioria que a aprovou; ou ao apresentar-se, como saída para a crise, uma pretensa Refundação do Estado – eufemismo que esconde o plano de destruição do Estado Social; ou ainda ao falar-se da necessidade de se reindustrializar o País – depois de sucessivas políticas 'social-democratas' (do PSD e do PS) terem destruído a sua modesta estrutura produtiva por troca com os Fundos Europeus de uma dita modernização, pondo-o completamente dependente do exterior e, agora, da voracidade da especulação interna e externa! 

Mas, sobretudo, nunca como hoje a fraude democrática de um Governo – que, antes de o ser, no ‘contrato eleitoral’ que estabeleceu com os cidadãos, prometia o contrário daquilo que está a executar –  foi tão ostensiva e tão profunda. Talvez porque nunca como hoje o poder político demonstrou tanta cobardia e tão descarada subserviência perante os interesses particulares (externos e internos), na defesa pública dos seus representados.

Escorado numa pretensa decisão da troika (urdida e ‘soprada’, como bem se sabe, pelos representantes do momento da tríade interna), este Governo delineou um programa – a dita ‘refundação do Estado’ (ou da própria democracia?); estabeleceu um calendário – até Fevereiro; definiu uma meta – pelo menos uma redução da despesa do Estado em 4 mil milhões de euros! Munido de tal propósito, importa agora aplanar o terreno, recorrer aos bons ofícios de prosélitos e serventuários reafirmando, mais uma vez, a estafada tese do inevitável, de revisitar (palavra bem do seu agrado), mui reverentemente, a famigerada TINA de Thatcher do ‘não há alternativade se resguardar, mais uma vez, no patrocínio dessa soturna tríade externa, a troika!

Com a crise do crescimento económico contínuo (e o desmoronar do sonho do progresso ilimitado, que se associa à sociedade de consumo), a falência da austeridade inevitável (a austeridade não é a terapia mais indicada para este sistema, que se alimenta sempre de mais consumo), resta, pois, a frágil democracia, cada vez mais identificada (ou acantonada?) ao conjunto de rituais que lhe dão forma, mas já quase despojada de conteúdo e, por isso mesmo, em crescente descrédito. Mesmo assim, se (ou quando?) esta falhar – ou se esgotar – qual a alternativa?

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

O que sobra do dia em que Merkel passou por Lisboa (com recurso às analogias)


No dia em que a imperatriz Merkel passou por Lisboa muita coisa foi dita, pouca coisa aconteceu – para além do aparato policial nas ruas. Mas uma frase de Passos Coelho, questionado no Forte em que ambos estiveram entrincheirados por receio da ‘populaça’, parece sintetizar bem toda a política que afanosamente prosseguem e tentam impor. Respondeu ele, confrontado com a persistência de uma política que vem apresentando resultados tão negativos e recorrendo à sempre útil analogia da saúde que “não podemos culpar o remédio (?) pelo estado do doente”!

À parte o destrambelho da frase, esta resposta é deveras paradigmática do estado de espírito destes perigosos fanáticos, a dúvida que subsiste é se tal sentença foi proferida com intenção ou se tratou de um descuido, daqueles em que, sem querer, foge a boca para a verdade. Seja como for, as convicções e os propósitos que animam a política deste (des)governo estão lá, do género ‘gato escondido com o rabo de fora’. Temos assim que, segundo Passos, a sua terapia para a crise (financeira, mas também económica, social e política) não é susceptível de contestação. Mas se a culpa do ‘calamitoso estado a que isto chegou’ não é da terapia, então só pode ser do doente, pois, pasme-se, ‘recusa’ curar-se... com esta terapia!

Como é óbvio, em dia de tantos discursos e sentenças, esta não foi a única afirmação digna de ser comentada. Retive ainda aquela de Passos de que a posição dos que contestam a política de austeridade em Portugal é minoritária – não obstante as claras indicações de rejeição sugeridas pelas sondagens (tão avassaladoras que não há margem de erro possível) e os esmagadores protestos de rua, a começar pelo de 15/Set.! Ou aquele mimo, tão sintomático do quão perigoso este (des)governo se está a tornar, de que aceitar a ideia da renegociação seria admitir o falhanço das suas políticas pelo que, perante a negação da existência de alternativas, isso significaria acentuar ainda mais a austeridade.

Nesta delirante sucessão de conceitos, o que mais sobressai é a desfaçatez como se transmite, sem pudor e até sem nexo, uma visão completamente invertida da realidade. À hora a que tinha lugar este pífio espectáculo de irrealismo ideológico (ainda que apresentado sob a capa de um irredutível pragmatismo) e não muito longe dali, no protesto que aguardava a dupla Merkel-Passos junto ao CCB, o músico e cantautor Carlos Mendes ilustrava para uma televisão o estado actual desta política recorrendo a uma outra analogia extraída da sua própria experiência em palco.  Disse ele que, quando o público não reage ou chega ao ponto de patear a actuação do artista, este apenas tem duas saídas: ou muda a música ou sai de cena!

Perante a pateada monumental com que este governo é recebido aonde quer que se desloque; perante a rejeição quase unânime da orientação política que nos desgoverna; perante o óbvio desastre económico e social para onde quer empurrar o País, Passos recusa mudar de ‘música’ – de política – ou sair de cena. Só resta mesmo uma saída: o País empurrá-lo daqui para fora – ou seja, cada um de nós! Antes que seja tarde demais para todos

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

A visita escoltada dos falsos amigos


A sra. Merkel, diz Passos e o seu (des)governo, faz parte daquele ‘grupo de amigos’ que, reunidos na troika, 'ajuda' Portugal no âmbito do designado ‘memorando de entendimento (!)’. A sra. Merkel é, pois, na opinião deles, ‘amiga’ de Portugal. A sra. Merkel, ‘amiga’ de Portugal ( na opinião deles, claro), deslocou-se esta segunda-feira, 12 de Novembro, ao País de que se diz, presumo (mas não tenho a certeza), também amiga. Para receber a ‘amiga’ Merkel, contudo, o Governo sentiu necessidade de montar uma das maiores operações de segurança de que há memória em Portugal.

Eu pensava, antes deste curioso mas bem simbólico episódio, que os amigos, precisamente porque o são, dispensavam qualquer protecção, quando muito uma discreta vigilância para prevenir eventuais actos tresloucados (que podem acontecer sob múltiplos pretextos e em qualquer lugar), nunca por nunca os enormes meios de segurança postos agora no terreno. Os amigos, quando o são verdadeiramente, são recebidos em festa e a manifestação dos afectos são a maior prova da sua segurança.

Dou comigo, confesso que pouco ou nada versado em questões de segurança, a colocar-me a questão: então se os amigos são acolhidos com tal aparato de segurança, quando se tratar de receber uma qualquer outra alta individualidade, porventura menos amiga – a diplomacia, por vezes, a isso obriga – qual será o nível de segurança que se estabelecerá? As Forças Armadas em peso, Exército, Armada e Força Aérea, terra, mar e ar em alerta máximo? É óbvio que não. O que este (des)governo conhece por experiência própria é o tratamento dado aos falsos amigos. Porque tem sentido na pele o que é ter-se apresentado nas eleições como ‘amigo’ e rapidamente desmascarado como falso, trapaceiro, perverso, nefasto. Porque pior que os inimigos, são os falsos amigos!

E sabe, sobretudo – sente-o sempre que tenta pôr o nariz de fora – que o povo destrinça bem onde estes se encontram, não perdendo uma oportunidade de o demonstrar. Por isso este (des)governo age em conformidade, rodeando-se da máxima cautela e de todas as seguranças. Nem era necessário o anúncio das diversas manifestações de protesto anunciadas para hoje para o alertar para o perigo que corre esta ‘sua amiga’, a quem servilmente se submetem, na expectativa de, através dela, melhor poderem aplicar as suas políticas de suporte à rede de interesses que representam. Perfilados, ela e eles, por trás dos enigmáticos homens de negro da troika, aprestam-se a impor a toda a Europa as regras de conduta mais favoráveis ao entrincheiramento desses interesses.

Em Merkel, bem ou mal, o povo vê personificada a política de que tem sido vítima inocente, os malefícios de uma austeridade que se demonstrou totalmente inútil – pelo menos na perspectiva dos objectivos que explicitamente visava. Porque, importa afirmá-lo sempre, a austeridade imposta como contrapartida do dito ‘apoio financeiro’ consubstanciado no famigerado ‘memorando de entendimento’, reduz-se a extorquir recursos do povo trabalhador e a transferi-los para misteriosos mercados (!), a pretexto de compromissos assumidos pelo País. A dita ‘ajuda’, afinal, mais não é que a forma encontrada pelo poder financeiro mundial (europeu em especial) de garantir, com significativo retorno de juros, a recomposição das suas posições abaladas na sequência da crise das dívidas, contraídas na maioria das vezes para aquisição de bens produzidos sob controle desse mesmo poder!