A estratégia eleitoral da
coligação da direita no poder assenta em dois pilares interligados: medo
e imagem.
Agitação do medo à mudança, apelando
à continuidade
da política que promoveu; exibição de uma imagem
redentora, valorizando feitos próprios à custa de méritos alheios (envolvente
externa), propagando números talhados à medida para opor à realidade vivida, através
da manipulação descarada ou da simples maquilhagem das estatísticas. Para isso
tem contado com a sempre prestimosa e subserviente colaboração mediática
encarregue de difundir/ampliar a mensagem principal da sua política de que ‘não há alternativa’. Qualquer destes
temas tem sido abundantemente referido e analisado, ainda que não suficientemente
valorizados na sua interligação, pois eles são, na prática, a face e a coroa do
mesmo propósito: a renovação da imagem,
através de hábil gestão das emoções, de uma direita ideologicamente moralista e
punitiva, empenhada em se perpetuar no poder.
Perante o desastre a que conduziu
a política da austeridade, com a destruição de vidas e recursos, agita-se
o medo como forma de tolher as pessoas de qualquer pretensão de virem a
equacionar a mudança da situação, pondo em causa a continuidade dessa política.
O lema da direita parece, pois, esgotar-se na ‘estabilidade’ do ‘não há alternativa’ á política actual,
considerando qualquer outra pior ou mesmo inexistente. Sabe-se qual o papel da
evolução política grega no reforço dessa posição, tornando qualquer veleidade
de se sair do ordoliberalismo alemão, plasmado no Tratado Orçamental (TO), uma
miragem ainda mais longínqua. A lógica da defesa da estabilidade, nestas
circunstâncias, levou mesmo Passos Coelho a declarar, em entrevista à CMTV,
caso não lhe fosse concedida uma maioria estável para governar, preferir que
ela fosse dada ao seu alternante Costa. Contudo, ao fazê-lo com um destinatário
concreto demonstrou que a sua aposta afinal não é na estabilidade proporcionada
por uma maioria qualquer, mas na continuidade desta política. Ao amarrar Costa
à austeridade e aos compromissos do TO, Passos afirma que o PS não constitui
alternativa à sua política, mas apenas uma variante.
Ao mesmo tempo e num frenesim
mediático sem paralelo (que leva Passos Coelho várias vezes ao dia às TV bem
como, numa escala programada, os seus ministros conforme a área a propagandear),
assiste-se à promoção dos méritos da
política do Governo, apresentada como a única alternativa viável.
Baseados num intenso recurso a números moldados sempre sob a perspectiva mais
favorável à orientação governamental (não hesitando nesse propósito em truncar
e falsear a informação estatística), procuram neles esconder, ignorar ou até
apagar (pelo menos da vista dos eleitores) os dramas das pessoas atingidas pela
política
da austeridade. Com cinismo e um ar pesaroso dirão que a isso foram
obrigados em nome dos superiores interesses do País. Esta outra face do medo preocupa-se,
pois, em apagar a imagem negra dos que protagonizaram, nos últimos quatro anos,
uma política de destruição e rapina dos magros recursos da população sob
pretexto desta ter ‘vivido acima das suas posses’.
Certo é que até há pouco tida
como impossível, face á desgastada imagem junto da opinião pública, a recuperação
eleitoral da coligação da direita parece agora capaz de acontecer. À parte o
demérito das oposições – em especial do PS, enquanto maior partido da esquerda,
incapaz de apresentar uma alternativa política consistente à imposta
austeridade, seja pela indefinição quanto à reestruturação da dívida, seja pela
completa submissão ao TO – a gestão das emoções baseadas no ‘medo
de perder até o pouco que resta’ está a resultar. O maior impulso, já
se referiu, veio do episódio da humilhação a que se sujeitou a Grécia, vergada
ao poder espúrio da finança global – após afirmar um orgulhoso ‘OXI’ de quem já não tem nada a perder mesmo percebendo que o desfecho previsível seria
a submissão ao ‘diktat’ germânico. Sabe-se, contudo, que o designado ‘exemplo grego’ tem um prazo
limitado de validade com a garantia de até Novembro, altura das
eleições em Espanha e já depois das portuguesas, a reestruturação da dívida
grega não avançar. Depois essa reestruturação será apenas uma questão de
calendário.
Dito isto, perante a evidência de
que tal irá a acontecer a prazo curto (por pressão do FMI e… da realidade, logo
após este período eleitoral), estranha-se que, até agora, este aspecto esteja a
ser ignorado na campanha. Apesar da ambígua posição do PS sobre a
reestruturação, seria de esperar que tanto o Bloco como o PC o fizessem, no
sentido de desmontar aquilo que parece, por enquanto (e seguramente até às
eleições), um argumento definitivo contra as pretensões de se apresentar uma
alternativa à austeridade. Não obstante dever reconhecer-se que o tratamento do
Bloco ao tema ‘Syriza’ (dadas as afinidades conhecidas) tem sido frontal,
sóbrio e preciso, não parece descabido, em termos de estratégia eleitoral,
sempre que o tema seja suscitado, ir um pouco mais além na argumentação e falar
da inevitável próxima reestruturação da
dívida grega (para já; outras virão a seguir, entre elas a portuguesa), só
não tendo acontecido até agora por razões eleitorais. O risco de que tal possa
vir mais tarde a ser cobrado é, neste caso, praticamente nulo.
P.S. Há um aspecto, na actual campanha, que gera alguma
perplexidade: o facto de o Livre/Tempo de Avançar ser o único partido designado
por ‘candidatura cidadã’! Será que as dos outros não são também ‘cidadãs’?