sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Gestão das emoções na estratégia eleitoral do medo

A estratégia eleitoral da coligação da direita no poder assenta em dois pilares interligados: medo e imagem. Agitação do medo à mudança, apelando à continuidade da política que promoveu; exibição de uma imagem redentora, valorizando feitos próprios à custa de méritos alheios (envolvente externa), propagando números talhados à medida para opor à realidade vivida, através da manipulação descarada ou da simples maquilhagem das estatísticas. Para isso tem contado com a sempre prestimosa e subserviente colaboração mediática encarregue de difundir/ampliar a mensagem principal da sua política de que ‘não há alternativa’. Qualquer destes temas tem sido abundantemente referido e analisado, ainda que não suficientemente valorizados na sua interligação, pois eles são, na prática, a face e a coroa do mesmo propósito: a renovação da imagem, através de hábil gestão das emoções, de uma direita ideologicamente moralista e punitiva, empenhada em se perpetuar no poder.

Perante o desastre a que conduziu a política da austeridade, com a destruição de vidas e recursos, agita-se o medo como forma de tolher as pessoas de qualquer pretensão de virem a equacionar a mudança da situação, pondo em causa a continuidade dessa política. O lema da direita parece, pois, esgotar-se na ‘estabilidade’ do ‘não há alternativa’ á política actual, considerando qualquer outra pior ou mesmo inexistente. Sabe-se qual o papel da evolução política grega no reforço dessa posição, tornando qualquer veleidade de se sair do ordoliberalismo alemão, plasmado no Tratado Orçamental (TO), uma miragem ainda mais longínqua. A lógica da defesa da estabilidade, nestas circunstâncias, levou mesmo Passos Coelho a declarar, em entrevista à CMTV, caso não lhe fosse concedida uma maioria estável para governar, preferir que ela fosse dada ao seu alternante Costa. Contudo, ao fazê-lo com um destinatário concreto demonstrou que a sua aposta afinal não é na estabilidade proporcionada por uma maioria qualquer, mas na continuidade desta política. Ao amarrar Costa à austeridade e aos compromissos do TO, Passos afirma que o PS não constitui alternativa à sua política, mas apenas uma variante.

Ao mesmo tempo e num frenesim mediático sem paralelo (que leva Passos Coelho várias vezes ao dia às TV bem como, numa escala programada, os seus ministros conforme a área a propagandear), assiste-se à promoção dos méritos da política do Governo, apresentada como a única alternativa viável. Baseados num intenso recurso a números moldados sempre sob a perspectiva mais favorável à orientação governamental (não hesitando nesse propósito em truncar e falsear a informação estatística), procuram neles esconder, ignorar ou até apagar (pelo menos da vista dos eleitores) os dramas das pessoas atingidas pela política da austeridade. Com cinismo e um ar pesaroso dirão que a isso foram obrigados em nome dos superiores interesses do País. Esta outra face do medo preocupa-se, pois, em apagar a imagem negra dos que protagonizaram, nos últimos quatro anos, uma política de destruição e rapina dos magros recursos da população sob pretexto desta ter ‘vivido acima das suas posses’.

Certo é que até há pouco tida como impossível, face á desgastada imagem junto da opinião pública, a recuperação eleitoral da coligação da direita parece agora capaz de acontecer. À parte o demérito das oposições – em especial do PS, enquanto maior partido da esquerda, incapaz de apresentar uma alternativa política consistente à imposta austeridade, seja pela indefinição quanto à reestruturação da dívida, seja pela completa submissão ao TO – a gestão das emoções baseadas no ‘medo de perder até o pouco que resta’ está a resultar. O maior impulso, já se referiu, veio do episódio da humilhação a que se sujeitou a Grécia, vergada ao poder espúrio da finança global – após afirmar um orgulhoso ‘OXI’ de quem já não tem nada a perder mesmo percebendo que o desfecho previsível seria a submissão ao ‘diktat’ germânico. Sabe-se, contudo, que o designado ‘exemplo grego’ tem um prazo limitado de validade com a garantia de até Novembro, altura das eleições em Espanha e já depois das portuguesas, a reestruturação da dívida grega não avançar. Depois essa reestruturação será apenas uma questão de calendário.

Dito isto, perante a evidência de que tal irá a acontecer a prazo curto (por pressão do FMI e… da realidade, logo após este período eleitoral), estranha-se que, até agora, este aspecto esteja a ser ignorado na campanha. Apesar da ambígua posição do PS sobre a reestruturação, seria de esperar que tanto o Bloco como o PC o fizessem, no sentido de desmontar aquilo que parece, por enquanto (e seguramente até às eleições), um argumento definitivo contra as pretensões de se apresentar uma alternativa à austeridade. Não obstante dever reconhecer-se que o tratamento do Bloco ao tema ‘Syriza’ (dadas as afinidades conhecidas) tem sido frontal, sóbrio e preciso, não parece descabido, em termos de estratégia eleitoral, sempre que o tema seja suscitado, ir um pouco mais além na argumentação e falar da inevitável próxima reestruturação da dívida grega (para já; outras virão a seguir, entre elas a portuguesa), só não tendo acontecido até agora por razões eleitorais. O risco de que tal possa vir mais tarde a ser cobrado é, neste caso, praticamente nulo.

P.S. Há um aspecto, na actual campanha, que gera alguma perplexidade: o facto de o Livre/Tempo de Avançar ser o único partido designado por ‘candidatura cidadã’! Será que as dos outros não são também ‘cidadãs’?