
Depois da desregulação financeira – que permitiu o regabofe liberal na origem da actual crise e que, pelos vistos, de nada aproveitou e assim vai continuar; da progressiva destruição do Estado Social – tido como prestador de regalias e não como garante de direitos, logo esbanjador do dinheiro dos contribuintes em inúteis e incompetentes; resta agora completar o modelo ultraliberal com a imposição da total precarização laboral – exclusão de quaisquer direitos de protecção sobre o trabalho, com o regresso à lei da selva contratual, expondo o trabalhador às arbitrariedades dos ‘empregadores’, os que detêm o poder efectivo nas sociedades actuais.
A extrema e cada vez mais generalizada degradação das condições de prestação do trabalho a prazo (o equivalente, na actualidade, à dependência gerada, no passado, pelos sistemas de escravatura), a par do aumento das disparidades de rendimentos, torna a situação social cada vez mais explosiva. Que irá contribuir, mais cedo ou mais tarde, para o recrudescer das ‘velhas’ lutas de classes, tão ‘velhas’ como as sociedades humanas organizadas. ‘Adormecidos’ durante décadas, por obra e graça da hegemonia das teorias keynesianas e do modelo social-democrata – que conseguiram anestesiar as vontades e retardar a mudança social – os conflitos ameaçam agora irromper com violência, não obstante as condições sociais serem muito diferentes das dos séc. XIX e XX, a nível da estrutura de classes, do modo de vida e das próprias formas de luta.
Por agora, empurrados pela necessidade ou tomados pela ousadia, retiram-se as máscaras, desvanecem-se os subterfúgios, surge com maior nitidez a divergência inconciliável dos interesses em presença. Sem pudor, os detentores do poder assumem pretender uma maior liberdade na gestão da precariedade do trabalho, um controle sem limites do ‘mercado laboral’ – peça estratégica desse mecanismo global imposto para dirigir as sociedades! Confiados em que o outro lado, sofrendo o grosso dos efeitos punitivos de uma crise que não provocou e, por enquanto, incapaz de se organizar para lhes fazer frente (receio de perder o pouco que lhe resta?...), permaneça numa ‘acomodada expectativa’.
No âmago de uma crise económica e social marcada pela incerteza e pela insegurança, que ameaça pôr tudo em causa, o que mais se sente e ganha relevo é a ausência de uma alternativa segura ao modelo que a ela conduziu. Mas para além de todos os jogos e manipulações partidárias de escasso ou nulo conteúdo político, pressente-se o desespero de quem descrê da capacidade do poder público (e dos seus representantes eleitos) em encontrar soluções práticas e viáveis, em centrar-se na regulação democrática da realidade social, por demasiado dependente da inevitabilidade do ‘poder soberano dos mercados’.
Pois é a altura de recordar que, por trás destas manifestações, destas expressões exteriores de força – mais ofensivas de um lado, ‘apenas’ (?) resistentes do outro – encontra-se uma realidade mais profunda. Capaz de a qualquer momento explodir e tudo alterar. É tempo de proclamar que, depois da economia, o que se encontra subjacente a esta crise... ‘é a luta de classes, estúpido!’
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