terça-feira, 1 de junho de 2010

Isto promete acabar mal! – I

Um modo de vida assente na extorsão

Primeiro foi a crise do sub-prime. Pelo menos a origem próxima, a que é mais fácil de responsabilizar pela maioria dos males de que a economia actualmente se queixa. De repente esta entidade abstracta, a economia – pela via do mercado – ganhou estatuto equivalente ao dos seres sensíveis, não só se queixa, como gosta e valoriza, não gosta e penaliza, tem aversão (!)... enfim, tem alma – ‘os mercados são sensíveis’, ouve-se constantemente!

Mas uma crise, como qualquer outra coisa da vida, não começa assim, de repente. Prepara-se, tem antecedentes, surge num determinado enquadramento, há (e houve) condições que a tornaram possível... e a prolongam. Porque se o discurso dominante do pensamento único (expresso de forma maquinal – quantas vezes, insuportavelmente enfatuada! – por um qualquer jovem acabado de formatar por uma qualquer escola de economia) foi fácil em diagnosticar as causas próximas da Crise e, não obstante a virulência dos seus inusitados efeitos, a augurar-lhe um fim mais ou menos próximo (os mais cautelosos aventuravam-se então até ao médio prazo), o certo é que ninguém já arrisca hoje uma previsão para o seu termo. Passado a euforia inicial que se seguiu à forma como reagiu à injecção dos apoios governamentais por todo o mundo, a persistência na orientação que a determinou e que, afirmam, a vai ultrapassar (?), apenas tem contribuído, como era fácil de prever, para a sua ampliação.

Certo é que o mal-estar social, durante muito tempo controlado, ameaça agora tornar-se insuportável – da Grécia a Portugal, por toda a Europa, de repente obrigada a pagar uma crise que cada vez se vai desenhando mais profunda e, ao mesmo tempo, mais perceptível nas suas causas, mas resistente à assunção das respectivas consequências. As informações constantes sobre as enormes disparidades de rendimento, contribuem para acentuar esta sensação. Por via dos média tradicionais (escritos e audiovisuais) ou da incontrolável internet, os cidadãos vão-se apercebendo da profundidade das dificuldades, mas, ao mesmo tempo, de quem as provoca e as pretende perpetuar..., daí retirando benefícios pessoais.

Já não é mais possível ignorar que o mundo se transformou, quase de repente – muito por obra das tecnologias da informação – num lugar onde se torna cada vez mais difícil passar despercebido (pessoas e factos), num imenso repositório de queixas contra abusos e percepcionadas injustiças, numa caixa de ressonância onde de forma contraditória mas gradual se vai refinando uma consciência colectiva dando mostras de um apurado sentido de equidade, num laboratório onde se reinventa a solidariedade e se experimenta a cidadania.

Multiplicam-se na Net as informações, petições, abaixo assinados e muitos comentários sobre as escandalosas práticas comerciais de empresas de referência (Instituições Financeiras, à cabeça), por confronto com as chorudas benesses auferidas pelo reduzidíssimo grupo de pessoas que as controla e se atribui, em nome do que designam por ‘criação de valor para o accionista’ (!), mas também em benefício próprio, o poder de extorsão sobre as pessoas – não há outro termo para designar a ‘legal’ imposição de condições aos consumidores, assim obrigados a alimentar esta cáfila, para além de toda a pretensa regulação – por via de um modo de vida assente no crédito fácil e barato, ‘imposto’ por sofisticadas técnicas de marketing e o apoio domesticado do poder dos média!

Este edifício ameaça agora ruir. Em Outubro de 2008, a direita conservadora não teve pruridos em aderir à filosofia do Estado intervencionista, contra todos os princípios até aí professados, para impedir a falência do sistema financeiro à escala global. Seja por razões ideológicas ou por defesa de interesses próprios, o pragmatismo revelado naquela situação de aperto depressa regrediu ao fundamentalismo na origem próxima da crise, deixando sobrepor-se a ganância à razão, com isso ameaçando ‘devorar’ a galinha dos ovos de ouro. O pagamento das dívidas contraídas para salvar os bancos em dificuldades, é agora exigido aos mesmos que têm alimentado a sua fortuna – mas os bolsos estão exauridos, o risco de crédito (do país e das pessoas) descontrolado! Enfim, a receita para o desastre!

(...)

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