Os limites do modelo exportador de crescimento – e desta globalização
Nos meses imediatos a Outubro de 2008, para evitar o risco sistémico de uma crise que ameaçava alastrar sem controle, foram lançados pela generalidade dos Estados programas de apoio financeiro de dimensão nunca vista. Ouviram-se então algumas vozes interrogar como reagiria a economia no momento da retirada desses apoios e quem afinal iria pagar todos aqueles milhares de milhões (!) que, de repente, surgiam do nada. Mais cedo do que se previra, sem surpresas como se esperava, aí está a resposta às duas questões, convergindo no sentido histórico de sempre: violento ‘ajustamento orçamental’, com sobrecarga nos mais desfavorecidos! Os efeitos esperados irão seguramente contribuir para evidenciar que as alternativas de solução propostas pelo sistema se encontram já fora de prazo!
Desde que se concluiu, sem margem para dúvidas – e também sem surpresas! – que as promessas feitas pelo G20 no calor da crise não eram mais do que isso, meras promessas, foram vários os alertas oriundos de diferentes lados a prever que o pior da crise financeira ainda estaria para vir. Sem necessidade de sair do quadro de referências do sistema, relembro os constantes ‘recados’ de Stiglitz sobre o curso do Euro e o (in)consequente rumo ‘desta’ UE; o já aqui abordado ensaio de Santiago Becerra – o premonitório ‘O crash de 2010’; ou as recentes declarações de Jaques Attali em entrevista à Euronews, onde afirma que ‘a crise está apenas a começar’, após observar que ‘os bancos continuam a especular como antes (...), nada mudou num sistema que está totalmente nas mãos do mercado financeiro internacional’.
Contrariando a tónica das políticas postas em prática na UE – de comprovados efeitos desastrosos, a nível económico e social, para todos os países que a integram – Attali, defensor de uma outra alternativa (curiosamente melhor ‘compreendida’ pelos EUA de Obama!), avança o que considera dever ser feito para atacar a turbulência na zona Euro, provocada pelo disparo das ‘dívidas soberanas’ (!), ao defender que ‘a única solução é a do crescimento para a redução da dívida'. Mas acrescenta que, para se evitar a catástrofe enquanto a retoma do crescimento não chega, é preciso ‘emprestar de modo credível’, adiantando ser a União Europeia a única a poder fazê-lo. E, já agora, sobre o efeito desta crise na construção do futuro da Europa: ‘Hoje vemos como uma evidência que a moeda única não pode existir sem uma política fiscal e orçamental. Não é possível.’
Contudo, também a solução para a crise através do incentivo ao crescimento económico parece seriamente comprometida, dadas as condições objectivas de funcionamento actual do modelo de desenvolvimento nas sociedades centradas no mercado – bem expresso no paradigma ‘subprime’ (‘engenharia financeira’ sobre crédito fácil e barato!). A não aplicação de algumas medidas essenciais – como é a ausência de uma política orçamental e fiscal europeia – pode vir a revelar-se fatal. Ou tão só a sua aplicação fora de tempo.
Mas pelo menos uma vantagem, para já, pode ter tido esta crise global, ela permitiu ver com maior clareza a natureza contraditória desta globalização, ao demonstrar os limites deste modelo de desenvolvimento que a suporta, baseado generalizadamente no crescimento do sector exportador. Porque assente na capacidade aquisitiva solvente algures no planeta – nos destinos dos produtos, ou seja, na capacidade de absorção/importação dos mercados consumidores – este modelo é posto em causa sempre que falha alguma das bases que sustenta essa capacidade – os rendimentos disponíveis das famílias ou o recurso ao crédito para os obter (ou as duas em simultâneo, como é agora o caso).
A enorme crise de confiança que se abateu sobre o crédito e as instituições que o gerem, não só fragiliza o sistema financeiro a nível global, como denota o esgotamento gradual desta via como forma de se compensar a crescente debilidade do poder aquisitivo dos consumidores – o suporte real deste modelo de desenvolvimento – por força da cada vez maior diferenciação na repartição dos rendimentos. Nestas condições, a impossibilidade do aumento do consumo pela via da expansão do crédito surge, pois, como limite objectivo à dinamização do tecido económico e ao crescimento, como forma de se sair da crise. E se esta era já, para muitos, a solução que se perfilava como derradeira (após a falência real da protagonizada pela UE)...
Ora, é precisamente na altura em que o recurso ao crédito se contrai ou até desaparece (seja pelo preço, seja pelo risco), que vai ser exigido um esforço suplementar ao orçamento das famílias pelos Estados (todos os Estados) para resolverem a crise... financeira!
É por isso que as palavras dos três autores citados (a par das de muitos outros) soam de forma tragicamente lúcida – ainda que pouco adiantem para a solução. Apenas um ‘isto promete acabar mal, mesmo’!
Porque a solução, essa, só mesmo fora de um sistema centrado no mercado – na Globalização dos mercados! – ‘substituído’ pela política como centro da organização social – o princípio para uma outra globalização. Mas isso já daria mesmo outra ‘história’.
E ainda isto, como se explica?
Há 3 horas
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