Ainda (muito) a tempo de aqui trazer, dada a pertinência do assunto e o mérito da abordagem, extractos de uma longa e notável entrevista – tanto pelo entrevistado, José Saramago, como pela entrevistadora, Pilar del Rio – saída no Expresso (revista Única) de 11 de Out.08. Ela, Pilar, que fez questão, logo no início, de deixar claro que não se resumiria a pôr questões, mas que opinaria também, o que tornou esta entrevista mais numa análise ou comentário de ambos sobre alguns dos temas mais em evidência na actualidade. Numa estrutura em que Pilar avançava com as deixas, deixando para Saramago mais o respectivo desenvolvimento, por vezes num motivador confronto das ideias expostas por cada um.
Como aconteceu, por exemplo, a propósito da crise mundial, que começou por financeira e agora cada vez mais se mostra geral e abrangendo o conjunto dos aspectos sociais. Apenas, pois, alguns excertos, pela oportunidade da reflexão e sempre pela lucidez e clareza da exposição. Com maior destaque, apesar de tudo, para as deixas que para os seus desenvolvimentos...
A aparente insensibilidade das opiniões públicas perante os enormes contrastes produzidos pela globalização liberal, que pouco ou nada reage ao aprofundamento das desigualdades e das situações de miséria extrema, dá o mote para a análise do tema. E o início de uma explicação surge através da pergunta que já inquietava Almeida Garrett: “quantos pobres são precisos para fazer um rico?”. Pilar esboça uma resposta ao afiançar que “(...) as pessoas não sabem (que a riqueza se alimenta da pobreza). Se os mestres do pensamento, se os partidos políticos de esquerda não o dizem, não sabem que são necessários muitos milhões de pobres para que haja um rico, simplesmente olham para os ricos com admiração, sem pensar que essa riqueza está construída sobre a pobreza de milhões de pessoas”.
Em nova deixa, Pilar desvenda um pouco da lógica que sustenta este sistema: “Se vivemos numa sociedade de mercado, se o mercado regula a democracia, parece que os governos têm de ser disciplinados segundo os interesses dos grupos económicos, e devem socorrê-los, chegado o caso, como nesta crise, para que o sistema não entre em quebra”.
E acrescenta: “Dizem grandes economistas que os bancos centrais são as entidades que permitiram os fenómenos que deram lugar à crise e, apesar disso, os analistas convencionais calam-se. O seu silêncio cúmplice frente aos paraísos fiscais, a sua pretensa independência, eram pretextos para gerir a economia a favor dos poderosos, coisa já evidente. Parece que é necessário revelar a natureza dos bancos centrais, assim como a cumplicidade das páginas económicas dos jornais”.
A conclusão vem de Saramago e é, só por si, todo um programa político: “As causas são conhecidas, as consequências não o são tanto, mas são sofridas por milhões e milhões de pessoas. Portanto, a questão está sobre a mesa com uma urgência que todos nós sentimos: é preciso pensar, propor, actuar... Muita coisa se resolveu, no passado, com a participação dos cidadãos”.
Um parágrafo, dois gráficos, algumas palavras.
Há 20 horas
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