Nunca como agora a situação política foi tão propícia à explicação do que realmente é o mercado e, em geral, todo o sistema capitalista. Sem recurso a elaboradas e complexas explanações económicas, do teor das que serviram à teoria tradicional para enredar a opinião pública, sob pretexto de serem apenas acessíveis a especialistas, por forma a melhor poder apoderar-se dos mecanismos de controle social, a nível económico e político. Daí a necessidade de uma afirmação clara dos objectivos e das políticas para os atingir, num momento de manifesta fragilidade ideológica do sistema, onde por isso mesmo é mais fácil passar a explicação objectiva do que está acontecer e das consequências para a sociedade se não forem adoptadas, a tempo, as medidas adequadas. Como, aliás, penso que foi feito de forma bem expressiva na 2ª das intervenções do Louçã a que me referi antes.
Tenho alguma dificuldade em aceitar que as alternativas propostas pela esquerda ao modelo de sociedade que produziu esta crise se resumam a pouco mais que enfileirar na exigência de uma maior regulação do mercado por parte do Estado. Tarda em os seus representantes mais coerentes (entre os quais naturalmente o Louçã), conseguirem libertar-se do peso do condicionamento mental imposto por 30 anos de domínio liberal absoluto e pela falência do ‘socialismo real’ (apesar de criticado há muito por uma boa parte deles). Mesmo depois de profundamente desacreditado (ou ferido de morte?) pela actual crise, o modelo liberal assente num mercado pretensamente auto-regulado parece manter-se praticamente incólume, dos responsáveis e restantes actores aos propósitos e prática política, onde os discursos e todas as diligências vão no sentido de lhe introduzir as correcções que, dizem, eliminarão as falhas que originaram tudo isto. Agora, como sempre, o sistema prepara-se para, através de algumas mudanças, conseguir que, no final, tudo fique na mesma.
Mas que o não seja com a complacência (no mínimo) da esquerda. Que parece manietada pelo entrelaçado nó górdio em que se transformou o actual descalabro económico, muito por efeito das depreciativas suspeitas tecidas em torno da intervenção pública (tida como serôdia, quase arqueológica), pelo que, até agora, nem sequer ousou avançar com uma medida tão óbvia como a do controle político do sistema financeiro a nível mundial, porventura por pudor ou receio de tal medida ser apodada de filiada no tão negregado e já por demais eviscerado ‘socialismo real’. Certo é que esse controle está já a acontecer, não por proposta inserida em qualquer modelo alternativo, antes sob pressão da própria realidade que todos os dias parece superar os cenários mais sombrios da véspera. Correndo-se o risco, claro, de vir a ser recuperado e integrado no sistema, a seu devido tempo.
Tal como eu o entendo (e, penso, corresponde à sua matriz), o Bloco não é um partido no sentido leninista do conceito, mas um projecto onde convergem diferentes sensibilidades unidas por um propósito comum, a construção de uma sociedade socialista – ele próprio, é certo, rodeado de grandes incertezas sobre a natureza dessa alternativa e, portanto, de difícil conciliação na prática. Mas tem sabido conjugar a intransigente defesa deste ideário com a luta contra todos os sectarismos, o que lhe atribui especiais responsabilidades no conjunto das forças políticas de esquerda. Por isso mesmo os seus objectivos, sobretudo nesta fase histórica, não podem dissociar o trabalho pedagógico de consciencialização crítica, do trabalho político propriamente dito, incluindo o de índole mais eleitoral.
Até porque, em minha opinião, o Bloco não pode resumir-se a pretender ser apenas o refúgio dos episódicos descontentes do PS. Porque se arrisca a ser constituído por um núcleo, pequeno, de militantes fiéis e uma massa, mais ou menos significativa (conforme as conjunturas), de simpatizantes (e eleitores) flutuantes. E a diferença para um projecto mais consistente, capaz de suscitar uma maior fidelização, pode bem residir na clareza da alternativa proposta ao actual modelo social assente no mercado, que não deve pretender ser constituída em torno da ‘velha’ pretensão liberalizante de expurgar os aspectos negativos desse modelo (que tem sido, afinal, a ‘missão histórica’ dos partidos socialistas tradicionais), antes afirmar-se claramente anti-capitalista e de ruptura com o sistema.
Hoje, como nunca, a discussão sobre o conteúdo dessa alternativa impõe-se com urgência.
Os números que Marques Mendes não mostrou
Há 12 horas
3 comentários:
Caro Amigo,
Excelente e pertinente reflexão que contribui, decisiva e naturalmente para que,e tal como diz/escreve :
"Hoje, como nunca, a discussão sobre o conteúdo dessa alternativa impõe-se com urgência"
Suponho que há uma obsessão do Bloco e do seu coordenador que compreendo por razões de ordem interna ao Bloco, mas que, a meu ver, prejudica a capacidade do Bloco de propor essa alternativa e de alargar o seu prestígio e credibilidade. A pressa de bater no Governo e em Sócrates (vide crónica de Clara Ferreira Alves no Expresso de 18/10) impede o Bloco de fazer a tal pedagogia. O Bloco não devia ter pressa em ter razão no imediato, devia sim antecipar problemas e soluções para esses problemas. Seja sobre a crise financeira, a crise do ambiente, os acontecimentos vieram/virão a dar-lhe razão. No entanto, parece não estar a tirar o devido partido politicamente falando, na minha opinião.
Junto outro nome, também feminino, aos que notam a incapacidade da esquerda em apresentar uma alternativa consistente e global à actual crise. Ana Sá Lopes, num número do DN do fim-de-semana de 11-12 de Out. (não consigo precisar o dia) não esconde alguma frustração por constatar essa incapacidade!
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