Os ‘trabalhos’ do mercado
Sucedem-se, ultimamente, vindos das mais variadas proveniências, os alertas e as considerações sobre a crise económica e social implantada. Enquanto aos políticos da ‘situação’ cabe o papel de nos ‘entreter’ com frases repletas de um optimismo cínico (na esperança, admito, de tentarem contrariar o seu aprofundamento), os da oposição alternante apostam no papel contrário (na expectativa de, por essa via, surripiarem o poder aos da ‘situação’). Os mais descomprometidos, contudo, arriscam comentários menos alinhados com este tipo de estratégias, talvez por isso porventura mais próximos da realidade. Foi o caso recente do multimilionário (entre muitos outros epítetos) Georges Soros, ao afirmar que ‘esta’ crise ainda apenas começou, pelo que o pior estará ainda para vir.
Mas não era necessário tão proeminente figura dar-se a essa maçada, retirando tempo às suas muito rentáveis actividades especulativas, apenas para nos elucidar de uma coisa que, a pouco e pouco, todos vão acabando por sentir. É certo que ninguém arrisca pronunciar-se ou estabelecer estimativas fiáveis sobre a evolução da economia ou do emprego no curto prazo, escaldados com as sucessivas revisões dos agregados macro-económicos a que os Institutos especializados têm sido obrigados nos últimos meses. Do que certamente todos estão à espera é do regresso aos gloriosos anos dourados de um capitalismo de crescimento ilimitado, porventura com alguns acertos na sua estrutura – de acordo, aliás, com os cânones clássicos – a desequilíbrios temporários, que a regulação do mercado se encarregará de corrigir, mais cedo ou mais tarde, com mais ou menos dificuldades.
Desta vez, porém, os mais lúcidos dentre os ideólogos do sistema, Soros incluído, parecem não acreditar completamente numa recuperação ‘sem sangue’. Admitem mesmo que ‘os fundamentalistas do mercado’ (a expressão é do próprio Soros) foram longe de mais na crença ilimitada de um capitalismo auto-regulado, como base imprescindível para a organização de uma sociedade perfeita (o fim da história?). É o que sugere aquele guru financeiro no seu mais recente título no ‘mercado’ editorial português (‘O novo paradigma para os mercados financeiros – a crise de crédito de 2008 e as suas implicações’):
“Estamos no meio de uma crise financeira como não se via desde a Grande Depressão (...)”, que “não se pode comparar às crises periódicas (...)” que vêm ocorrendo “desde a década de 80 (...). Esta crise não se limita a uma empresa, ou segmento em particular do sistema financeiro; colocou todo o sistema à beira de um colapso e está a ser contida com grande dificuldade. Isto terá consequências abrangentes. Não é uma crise como as outras, mas o fim de uma era.” Para a tentar caracterizar, distinguindo-a da bolha imobiliária que a originou, fala mesmo de uma ‘super-bolha de longo prazo’, produzida por “uma confiança excessiva no mecanismo do mercado” – o ‘laissez-faire’ da versão clássica, ‘a magia do mercado’ da versão artística (do actor Reagan), o ‘fundamentalismo’ da versão do próprio Soros (irritado, porventura, por a crendice de alguns dos seus correligionários, poder vir a pôr em risco todo o sistema, nele baseado).
A questão está então só em saber se estas ‘bolhas’ traduzem apenas excessos do modelo (como pretende e advoga a doutrina oficial), ou se é da própria natureza da ‘coisa’ esta tendência para o abismo (sem receio nem pudor pelos falsos alarmismos), ameaçando arrastar-nos com ela. Por mim, não tenho dúvidas: há muito que venho insistindo na tese de que a ‘coisa’ é mesmo assim – e só admite uma solução, removê-la!
Descarada aldrabice
Há 40 minutos
1 comentário:
Caríssimo,
Oportuna e excelente reflexão.
Eu, pela minha parte, e parafraseando : «...não tenho dúvidas: há muito que venho insistindo na tese de que a ‘coisa’ é mesmo assim – e só admite uma solução, removê-la!
CBS
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