A ‘cosmética’ da voz do dono
Não obstante o atraso relativamente à sua divulgação, vale bem a pena retomar aqui a entrevista de Mário Soares a Hugo Chavez, não só pelo seu próprio conteúdo, com muito por onde escolher, mas também por alguns comentários que suscitou, significativos do estado ‘canino’ – não há outro termo – a que desceu determinada comunicação social (ou os seus ‘ditos’ jornalistas), reduzida, nuns casos, de forma consciente, na maioria das vezes, admito, inconscientemente, à condição de ‘voz do dono’. Mesmo que este ‘dono’ se detecte apenas no enfeudamento acéfalo ao denominado ‘pensamento único’, forjado ao longo dos últimos trinta anos de domínio absoluto do neoliberalismo. Que foi, como se sabe, objecto de experimentação e ensaio, por parte dos ‘Chicago boys’, Friedman e C.ª, no dramático laboratório do Chile de Pinochet, de má memória.
De tal modo que, ultrapassado o sobressalto ‘Allende’, o sub-continente parecia ter entrado, definitivamente (estava-se no auge da tese do ‘Fim da História’, entretanto também já descartada), na normalidade da ‘pax americana’ sob tutela do imperial vizinho do Norte. Mas, de repente, a aparente serenidade deste equilíbrio viu-se abalada por acontecimentos que, não obstante a sua genuína origem democrática, ousaram pôr em causa essa hegemonia. Os sinos soaram a rebate logo com o Lula, no Brasil – afinal, a sua recuperação para o sistema até nem pareceu muito difícil. Mas depois veio o Chavez que, para além do discurso agressivo (por vezes mesmo, excessivo e de cultivar amizades pouco recomendáveis – a mais emblemática, com o ‘proscrito’ Fidel), decidiu utilizar o enorme potencial energético do seu país, como via para tornar a Venezuela menos dependente do ‘Império’. O mais grave, porém, é que a experiência venezuelana passou a ser produto de exportação, com as necessárias adaptações, para um crescente número de países vizinhos.
A entrevista do ‘bonacheirão’ Soares ao heterodoxo Chavez, surge, assim, como uma espécie de frete democrático a este ‘facínora’ anti-democrático, uma ‘operação de cosmética’ de acordo com a abalizada opinião do encartado jornalista Joel Neto, nome escarrapachado no DN, jornal de referência (?). Perante a manipulação da opinião pública a que tem sido sujeito o entrevistado, quem ousará duvidar do acerto desta tese, tanto mais que, em paralelo, corre essoutra da deriva esquerdista do solícito veículo que se prestou a tal frete? Soares terá mesmo começado a entrevista, imagine-se, “com uma pergunta cheia de pressupostos destinados a legitimar democraticamente o seu interlocutor”. Ora, pensava eu que o ‘homem’ tinha sido legitimado democraticamente através de sucessivas e disputadíssimas eleições e vem agora esta luminária esclarecer-me que ‘não senhor’, afinal quem o legitima são figuras sinistras como Soares e os seus nefandos pressupostos.
A menos que se trate apenas de uma questão de estilo, dado que o tom cordato do entrevistador Soares – este, de acordo com o encartado comentador, não terá feito “uma só pergunta incómoda” – de modo algum se coaduna com o estereótipo de jornalista agressivo, impertinente e presunçoso, tão em voga na comunicação social actual, tão ao gosto do espectáculo mediático nacional, tão ao jeito do pensamento único!
Pensamento único ou pensamento castrador?
Basta de pensadores castrados!
António José Seguro ou um Almirante?
Há 5 horas
1 comentário:
Excelente.
Aguardo, então e com expectativa, a parte II, III, etc; quantas as necessárias e suficientes...
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