sábado, 28 de março de 2009

Os Tempos da Crise

Tempo de mudança – III

Perante a realidade que a crise actual tornou ainda mais evidente, parece hoje largamente consensual admitir-se que o processo de adaptação laboral às exigências tecnológicas, em pouco ou nada tem beneficiado os detentores e vendedores da força de trabalho. Os seus ganhos, como se referiu, têm sido sistematicamente apropriados pelos detentores do capital – contrariando até o carácter eminentemente social da inovação tecnológica – aqui residindo, aliás, uma das principais razões da eclosão da actual crise, pelas suas óbvias repercussões na debilidade da procura, permitindo, em contrapartida, uma excepcional acumulação de capital.

Parece assim exigir-se uma mudança de paradigma na própria ocupação do tempo, sobretudo numa mais justa redistribuição do tempo de trabalho, mas que não pode ficar apenas dependente da solidariedade entre os trabalhadores (trocar salários, por postos de trabalho), ela tem de ser feita sobretudo à custa de uma melhor distribuição dos benefícios da tecnologia (reflectidos na automação e nos aumentos constantes da produtividade).

Este objectivo, porém, não parece possível de alcançar no quadro do actual paradigma económico que rege as sociedades – expresso na ideologia do crescimento contínuo – o que significa dever encarar-se, como indispensável, a sua alteração radical, substituindo-o por outro onde a política domine a economia (e não o contrário, como agora sucede) e as escolhas democráticas se sobreponham às das do livre curso das forças do mercado. Sobretudo torna-se cada vez mais evidente que, enquanto não for quebrada a lógica produtivista que alimenta toda a engrenagem e alteradas as regras essenciais do funcionamento actual das sociedades – o crescimento contínuo por uma distribuição mais equitativa do rendimento, as ‘normas’ do mercado pelos princípios democráticos, a intransigente defesa dos interesses privados pelo controle público das áreas estratégicas, a destruição dos recursos naturais pela preservação do ambiente,... – dificilmente se obterão condições para se sair da actual crise e se suster a destruição de empregos (ou a criação de um saldo positivo em postos de trabalho).

Já aqui havia referido há uns meses (Jul.-Ag./08) que, para além dos ‘ajustamentos estruturais’, iniciados ainda nos anos 90 e que a economia tem vindo a acomodar, importa que os efeitos positivos da revolução tecnológica se não reduzam a ganhos de natureza económica, com os incríveis aumentos na produtividade e na riqueza – repito, ‘ganhos’ até agora quase exclusivamente apropriados pelo capital – mas que se concretizem igualmente a nível social, com a redução do tempo de trabalho por ela proporcionada (já hoje praticada de muitas maneiras) e a consequente transformação do trabalho assalariado (o emprego) em diversificadas e inovadoras formas de ocupação – processo lento, experimental, por vezes dramático, mas persistente e inevitável.

Isso significa ir além das tradicionais e bem justificadas reivindicações sindicais por um Trabalho Digno – direitos no trabalho, emprego, protecção social e diálogo social (na acepção da própria OIT): torna-se indispensável assumir, com toda a clareza, a exigência política de um novo paradigma social – composto por muitas ‘mudanças’ – aqui baseado sobretudo na redistribuição dos benefícios da tecnologia e do tempo de trabalho. Nem mais ampla, nem mais justa – longe de falsos moralismos, portanto – apenas mais conforme às condições e necessidades das sociedades actuais!

Ou, como afirmava Viviane Forrester (então largamente citada) no ‘longínquo’ ano de 1996: “o trabalho da máquina tem hoje um tal peso na produção que não pode continuar exclusivamente em mãos privadas” .

Dito isto, e atentos aos actos eleitorais que se aproximam (PE à cabeça), seria interessante analisar como os partidos políticos portugueses encaram (se é que encaram...) o desafio que esta inevitável reorganização do trabalho vem colocar às sociedades, e comparar as políticas ou medidas concretas que propõem ou têm em vista desenvolver para o enfrentar.

Também aí – sobretudo aí, no domínio da reorganização do trabalho – se constróem as diferenças que irão traçar o futuro! Rompendo algumas certezas tidas por imutáveis!

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