terça-feira, 24 de março de 2009

Os Tempos da Crise

Tempo de medo – I

Já não há volta a dar! O medo tomou conta das pessoas, instalou-se nas empresas, desceu às ruas, manifesta-se e agita-se! Mas afinal, medo de quê?

Desde logo, da continuada e assustadora perda de empregos, mas sobretudo ‘medo do futuro’ – de não haver futuro para o emprego! – pois cresce a convicção que este atribulado presente se encontra refém das soluções do passado. Soluções que, no entanto, começam a evidenciar sinais de esgotamento, demonstrando não serem as adequadas ou não terem suficiente capacidade para superarem os impasses presentes e enfrentarem os desafios futuros.

Nem a certeza de que existe capacidade tecnológica para se poder inverter esta situação, para dotar as sociedades dos meios que lhes permitissem ser sustentáveis – e, do mesmo ponto, ‘sustentar’ os indivíduos que as constituem – torna as pessoas mais optimistas. Seguramente, impacientes pela demora, mas ainda assim, optimistas. Contudo, não é isso que se verifica. Porquê, então?

A resposta é conhecida, mas nem por isso se torna mais fácil dar-lhe a sequência devida: a organização económica, formal e informal, das modernas sociedades democráticas traduz-se, na prática, pela defesa, preservação e promoção de uma poderosa teia de interesses particulares – baseada no sacrossanto princípio da propriedade privada, regulada pela ‘mão-invisível’ do mercado e consolidada por uma ideologia consumista e produtivista, que lhe garante a áurea de ardente objecto de desejo, mas que, inalcançável, a todos consome numa permanente insatisfação. E ainda a percepção de imutabilidade, de que é praticamente impossível alterar ou pôr em causa a lógica de que se alimenta, substituindo-a por um outro paradigma social.

Pelo menos neste aspecto, as crises têm o mérito de abalar as convicções mais arreigadas e de pôr em causa até as certezas tidas como invioláveis e eternas. As crises, em geral, apelam à mudança como forma de resolver impasses e ultrapassar dificuldades. E a presente, porventura até mais que em qualquer outra, pelas próprias condições económicas, sociais e técnicas em que tem vindo a desenvolver-se, parece apostada em afirmar a mudança.

Há poucos dias referi-me aqui a algumas das mudanças que, de forma mais ou menos ampla, irão ocorrer em resultado desta crise – reorganização do trabalho, reconversão energética, maior controle público do sistema financeiro – só não sendo ainda muito perceptível o sentido exacto que cada uma destas irá tomar. De entre as tendências que parecem então poder emergir do nebuloso emaranhado de forças que nela se chocam, as expectativas, até agora, têm-se concentrado sobretudo nas soluções que começam a esboçar-se para as duas últimas, porventura por a sua percepção ser mais evidente ou se considerarem de aceitação pacífica, porque mais fáceis de acomodar ao nosso estilo de vida. Já relativamente à primeira (reorganização do trabalho), prevalece a ideia de que, passada a crise, tudo irá voltar ao que era dantes, continuando a apostar-se, quase exclusivamente – como se tal decorresse da natureza das coisas – no modelo tradicional de empresa baseado no empresário/empregador e no assalariado/empregado.

À parte os optimistas inconscientes e os liberais empedernidos, que continuam convictos de que tudo isto não passa de mais uma crise económica cíclica (para os mais radicais, até exacerbada pela indevida intervenção do Estado, que devia deixar o mercado actuar espontaneamente, seleccionando os mais capazes), a maioria das pessoas, mesmo as que até agora não foram beliscadas pelos seus efeitos negativos, não esconde uma crescente apreensão em relação ao futuro. Paira no ar uma impressão difusa de que alguma coisa não bate certo, que tende a expressar-se numa crescente agitação social dirigida a destinatários pouco definidos (muito embora os alvos fáceis sejam, agora e sempre, os governos, no mínimo cúmplices, é certo, do estado da situação!) – uma espécie de ‘acção contra incertos’.

O que não é possível esconder é que a principal preocupação da maioria das pessoas perante a crise centra-se na insegurança que resulta de uma eventual perda de emprego.
(...)

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