domingo, 18 de janeiro de 2009

A reforma ‘capitalista’ do capitalismo – II

Um processo atribulado para salvar o capitalismo?

Entre a reunião dos G20 (o G8 alargado, face à dimensão da crise internacional) em Outubro passado e a reunião dos G20 agendada para Abril próximo, ocorre um facto estratégico de capital relevância na cena mundial que se espera venha a ter profundos reflexos sobre a construção do futuro próximo, desde logo na resolução da crise económica, que toda a gente agora afanosamente procura. Trata-se, como se depreende, da substituição de Bush por Obama na Presidência dos EUA. O certo é que, com ou sem fundamento, o mundo encontra-se suspenso do que o novo inquilino da Casa Branca venha efectivamente a dizer e a fazer, sobre o que pensa das alternativas para sair da crise e como pretende concretizar as suas ideias.

Enquanto isso, por todo o mundo os líderes locais distribuem milhões e lançam planos de milhões para tentarem minimizar os efeitos das respectivas crises. Ao mesmo tempo, outros protagonistas a nível internacional, não menos importantes neste processo – com destaque para o irrequieto e por vezes surpreendente presidente francês Nicolas Sarkozy – multiplicam-se em iniciativas tendentes a desbravar caminho no que pretendem venha a ser a reforma do capitalismo actual, através da reformulação de algumas das suas regras. Enquanto o ‘vazio’ nas cúpulas dos G20 não é preenchido, tem lugar, sensivelmente a meio entre as reuniões de Outubro passado e de Abril próximo, uma dessas iniciativas, que pode vir a revelar-se importante pelos temas aí tratados e tendências nela reveladas.

Em Paris reuniu, na semana passada, uma conferência internacional, co-presidida pelo anfitrião Sarkozy e por Tony Blair, subordinada ao tema ‘Novo Mundo, novo capitalismo’. O propósito expresso dos seus promotores e intervenientes foi a apresentação de propostas para salvar o capitalismo. Colaboraram ainda nesta empreitada, entre outros, a chanceler alemã Merkel, o director da OMC, Pascal Lamy e o presidente do Banco Central Europeu (BCE), Jean-Claude Trichet. Para todos estes importantes responsáveis do funcionamento do sistema a nível mundial, a saída da crise passará “por uma nova arquitectura institucional e por uma reformulação do capitalismo”.

Isto mesmo foi sublinhado logo nos discursos da abertura, com nuances que denotam mais complementaridade que diferentes pontos de vista (ou eventuais alternativas), pelos três principais líderes políticos.

Blair, institucional (já em tirocínio para novos altos cargos?), preferiu destacar a necessidade de se proceder à reestruturação das organizações internacionais como o FMI ou o BM, produzidos em Bretton Woods na eminência da vitória dos aliados na II Grande Guerra, destacando, como argumento, o facto de vivermos no séc. XXI ainda com as instituições de meados do séc. XX.

Sarkozy, moralista, puxa do principal argumento que os neoliberais vêm esgrimindo para explicar a crise, a falha moral dos decisores, para reafirmar a validade do sistema capitalista que, segundo ele, necessita de ser ‘refundado’, com base na mudança de regras (desde logo mais regulação) e numa nova ética de valores, do trabalho ao espírito empreendedor. Para isso defende o regresso da intervenção do Estado empreendedor para ‘animar um capitalismo de empreendedores e não de gente que vive de rendas’.

Merkel, pragmática, para além de corroborar os aspectos anteriores, lançou a ideia de um "Conselho Económico" mundial, do mesmo tipo que o Conselho de Segurança da ONU (com um papel diferente do Conselho Económico e Social das NU), encarregado de fixar uma nova regulamentação dos mercados e adaptar a arquitectura institucional às necessidades e desafios do século XXI; e uma Carta Mundial "para uma economia sustentável a longo prazo", tal como a Carta da ONU sobre os direitos humanos.

Como se afirmou antes, mais que as intenções que agora começam a manifestar-se, o que irá determinar a profundidade desta pré-anunciada reconfiguração do capitalismo, será a dimensão da própria crise, sobretudo no que respeita aos seus efeitos sobre a economia real, pois de acordo com vozes insuspeitas de dentro do próprio sistema (a mais recente vem da OCDE), ‘o pior está ainda para vir’.

1 comentário:

Carlos Borges Sousa disse...

Meu caro,
Para não variar, excelente a abordagem ...
Agora,feito/postado o II capítulo, só nos resta aguardar pelos III e próximos capítulos ...
CBS