quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

A reforma ‘capitalista’ do capitalismo – III

Os limites da auto-reforma para um ‘novo capitalismo’

Não se questionam as vantagens de algumas das medidas propostas na Conferência de Paris face à situação actual, mas o seu grande problema, não obstante o horizonte pretendido, é, hoje e sempre, o da perspectiva: elas são pensadas apenas para o imediato, quando muito para o curto ou médio prazo, raramente se tem em conta o longo prazo (a própria origem da crise tem a ver com 'esta' perspectiva!). Nas actuais circunstâncias, perante a aflição e o sério risco de o próprio sistema soçobrar, até é natural que assim seja, compreende-se a urgência em acorrer às situações mais prementes.

Só que esta é uma das características do capitalismo, a sua preocupação não vai além do curto prazo, pois assim o determina o grande objectivo por que se rege, em torno do qual tudo se move e pelo qual é avaliado, o lucro: por imposição da concorrência, ele será tanto mais eficaz quanto mais rápida a sua obtenção, tornando-se, por definição, tendencialmente imediato (o que se reflecte na tradicional aversão ao ‘plano’, como alternativa ou mesmo apenas como complemento ao ‘mercado’)! Daí as Bolsas de Valores (e a especulação bolsista que lhes anda associada) corresponderem, de algum modo, ao supremo patamar de desenvolvimento do sistema capitalista, transformando-se mesmo no seu principal centro de decisões, pois nelas se proporciona a melhor forma de conseguir lucros instantâneos!

É por isso que esta fixação no imediato, esta total ausência de perspectiva histórica que caracteriza o capitalismo (daí a tese do ‘fim da história’!), prolonga-se depois e naturalmente, na formulação de falsas alternativas para a resolução da crise, ao insistir na manutenção de um sistema que perdeu o controle das dinâmicas sociais que mais podem influenciar o futuro.
Destas, a mais relevante é, com certeza, a que resulta do desfasamento crescente entre a exigência do sistema no crescimento ilimitado, perante a contingência natural de recursos limitados – produzindo políticas ‘ditas’ de desenvolvimento... insustentáveis. Expressas através apenas de projectos parcelares (energia, sector financeiro,...), elas demonstram-se incapazes de corresponder às exigências deste tempo histórico, não indo além, portanto, dos horizontes restritos definidos pelos interesses presentes, em suma, revelam a incapacidade do sistema em formular um projecto social global, coerente e sustentável.

Mesmo a proposta de Merkel para a elaboração de uma Carta Mundial "para uma economia sustentável a longo prazo", se traduz a percepção cada vez mais generalizada de que é impossível manter indefinidamente os actuais ritmos de consumo ocidentais, pouco adiantará para além das boas intenções, à semelhança, afinal, do que acontece com o modelo apresentado para traduzir essa ideia, a Carta da ONU sobre os direitos humanos – documento notável, mas que se revela de aplicação muito restrita (a nível de conteúdo e âmbito geográfico).

Ainda que não directamente relacionada com esta questão (se bem que indirectamente faça todo o sentido, pois trata-se de uma das áreas sistematicamente em risco de crise), a discussão sobre a sustentabilidade da segurança social é, sobre este ponto de vista e no quadro das sociedades capitalistas, bem elucidativa. A grande medida que todos consideram capaz de garantir uma segurança social sustentável é de natureza demográfica, e passa pelo aumento da população jovem (incentivos à natalidade,...), por forma a garantir-se a necessária solidariedade geracional em que se tem baseado o financiamento destes sistemas, sem se perceber que, deste modo, a prazo, agravam-se os problemas com a sustentação do planeta.

Ou seja, perante as tensões provocadas pela chegada de um cada vez maior número de jovens ao mercado do trabalho, numa altura em que este é posto em causa e a sua dimensão tende a reduzir-se (pressionado, desde logo, pelo factor tecnológico e consequente aumento da automação), o incremento da natalidade (e não o seu controle fisiológico) pode não resolver nada e ainda agravar outros problemas. Entretanto, transfere-se para diante, algures no futuro, porventura então com outro grau de dificuldade, uma solução mais consistente, duradoura e até justa, como seria a que resultaria da sua inserção como política social (à semelhança do que se passa com o desemprego, a saúde, o ensino,...).

Mas esta discussão parece não caber já no âmbito do título deste texto, dado que a solução proposta só teria viabilidade ‘fora’ do sistema. Não obstante o consenso cada vez mais alargado de que está em curso a mudança do paradigma social actual para um outro que ainda ninguém consegue identificar, contudo, realisticamente o que se pode esperar do futuro imediato do capitalismo será ditado sobretudo pelo enquadramento que vier a ser dado, por um lado ao sistema financeiro – em especial o tratamento dos ‘off-shores’; por outro ao sistema monetário internacional – com relevo para o papel que nele for atribuído ao dólar. A menos que a realidade, mais uma vez, decida ultrapassar todos os vaticínios...

Talvez então se torne oportuno avaliar, de novo, ‘Uma alternativa política à crise actual’, já aqui apresentada. Ou talvez mesmo, um dia destes, volte ao assunto, mais que não seja, para o actualizar.
Mas até lá...

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