quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Reflexões antigas para o Novo Ano

Resisto a encarar 2009 com optimismo – não serei o único, eu sei, nestes tempos de crise e desorientação, quem se atreverá a tanto? Contudo, eu teria razões de sobra para isso: para além do convencionado lugar comum de que em cada ano se renova a esperança (tanto mais que 2008 foi, em termos pessoais, um ano para esquecer), resta sobretudo a consciência da importância em se adoptar uma atitude positiva para que as coisas não sejam ainda mais negras do que na realidade já são, o derrotismo é meio caminho andado para o fracasso.

De algum modo, este longo ‘atraso’ na escrita de um qualquer comentário aqui, no 'blog', parece instintivo, surge quase como tentativa de recusa em entrar no Novo Ano – onde afinal já estou, torna-se inelutável, mas sem novas ideias, disposto a prosseguir no rumo das que me ocuparam durante o Ano Velho. Sobretudo pelo seu final atribulado, mas previsível, que ameaça agravar-se nos próximos tempos (até quando? até onde?). Sou por isso assaltado pelos fantasmas do costume – a humilhação da miséria, a angústia do desemprego, a arrogância da injustiça e corrupção, a inconsciente cultura do desperdício,... – atormentado pela obsessão de sempre – a lógica mercantil a que tudo se subordina e que tudo consome – que nos consome. Afirmação excessiva?

É certo que o mercado não explica tudo – nada, aliás, explica tudo. Certo é que, sem ele, sem o recurso ao seu contributo, omnipresente e plenipotente, também não se consegue explicar nada! A lógica que o produz encontra-se de tal modo diluída e entranhada nos hábitos e atitudes do dia a dia, que, de forma subtil, quase inconsciente, as relações mercantis tomaram conta de nós, assumiram o controle absoluto das nossas vidas, impuseram a sua presença a toda a sociedade: tornam-se, pois, imprescindíveis (mas não suficientes, entendamo-nos) para a interpretação dos aspectos sociais mais vulgares e simples. Na verdade:

– Como explicar as escandalosas disparidades (e, por extensão, a miséria, a exclusão, a rejeição da diferença,...) – recusando enveredar pelos estereótipos sociais das falsas evidências, de pendor pseudo-científico (como a ‘lei natural da desigualdade social’), ou mesmo até de índole religiosa (‘pobres sempre os haverá’) – sem implicar o mercado na sua perpetuação?

– Ou até como entender devidamente os radicalismos (o fundamentalismo, o terrorismo, a intolerâcia, as teocracias,...) sem, na sequência da resposta à questão anterior, procurar nas relações estabelecidas com base no mercado, em especial nas suas extensões a nível internacional, o fundamento e alimento que as origina?

– Ou ainda como garantir a sustentabilidade do planeta (os vitais equilíbrios ecológicos, da questão da energia à biodiversidade,...) – emparedada nesse paradoxo mercantil constituído, por um lado, pelos limites impostos por recursos escassos e, por outro, pela ilimitada exigência de expansão contínua deste sistema – sem se questionar a lógica de mercado que a condiciona?

– Como, enfim, explicar a crise actual, resultado mais visível da desorganização do mercado – que, a aprofundar-se, como se prevê, ameaça resvalar para situações de convulsão ou mesmo de desagregação social? Ou como tentar resolvê-la e sair dela sem fazer intervir o Estado na economia, sem ‘mexer’, em suma, no intocável princípio (ou mito?) do mercado auto-regulável?

Hoje, em desespero de causa, o apelo à intervenção do Estado não distingue os críticos dos defensores do mercado. Porque é o próprio mercado que está em crise. Porque a crise confunde-se com o mercado. A crise é gerada pela própria dinâmica que alimenta o mercado, ou seja, pelo desenfreado consumismo (expressão colectiva da exigência de valorização constante da mercadoria, de que depende o equilíbrio do sistema). Quando este dá sinais de contracção, surge a crise. E, tal como hoje, o recurso ao Estado – suprema afronta ao sacrossanto dogma da regulação automática! – , o qual, em nome do equilíbrio ameaçado, injecta milhões na reanimação da economia, esperando assim recuperar... os níveis de consumo e a confiança da imprescindível ‘máquina consumista’. Obviamente, só até à próxima crise.

Curiosamente (?), todos, esquerda e direita, convergem (com nuances) neste propósito. É por isso que vencer ‘esta crise’ se apresenta tão difícil ou pouco provável de acontecer a curto prazo, dado que o mercado, através da lógica consumista, contamina toda a sociedade. Como, então, sair ‘disto’?
Definitivamente, 2009 não vai ser um ano fácil!

1 comentário:

Carlos Borges Sousa disse...

Caro Amigo,

Muito bem vindo à blogosfera e logo com mais uma excelente e reflectida postagem onde, claro e para não variar, lá "entra" o mercado ...
Quer queiramos e/ou não, lá voltamos sempre a mais do "mesmo".
Bom Ano e muitas e boas "postas".