sábado, 21 de fevereiro de 2009

Impressões de uma viagem ao coração do ‘império’: lá como cá... (I)

A grande esperança da América – e do mundo? – chama-se Obama

Nada melhor que a distância – espacial ou temporal – para se conseguir relativizar a importância atribuída ao papel de certos personagens ou actores políticos, sociais e outros, ou para aferir a actualidade, senão mesmo a validade, de determinados factos, ideias e concepções. Ao longo das duas últimas semanas, geograficamente ‘longe’ da realidade portuguesa, procurei acompanhar, na medida do possível (em função, desde logo, do escasso tempo disponível para dedicar à informação e do que mo permitia o fraco domínio da língua), o que se passava nos ‘States’.

Adiante-se desde já que, por esta altura, nos EUA vive-se uma obsessiva (pelo menos aos olhos de um observador externo), ainda que compreensível, ‘obamania’, bem visível quer no tempo dedicado ao novo presidente americano nos ‘media’ (com relevo para as televisões, todas as televisões, diga-se), quer nas camisolas e inúmeros pechisbeques que inundam o comércio, para venda a nacionais ou a turistas, em Chinatown ou na Times Square, nos grandes armazéns Macy’s (os maiores do mundo, de acordo com o meu guia turístico) ou nas inúmeras bancas de rua, em plena Wall Street ou às portas da Abyssinian Church, em Harlem.

É certo que, neste período, ocorreram dois episódios (pelo menos) que podem justificar este estado de espírito. Na verdade, para além da novidade (a CNN dispõe mesmo de uma rubrica ‘Os 100 primeiros dias de Obama’!), o acompanhamento solícito do dia a dia do presidente explica-se, antes de mais, pela interminável discussão em torno do ‘stimulus plan’ com que Barack Obama pretende relançar a economia e enfrentar a crise no seu país; mas também pelo propósito do paralelo estabelecido com Abraão Lincoln, a pretexto da celebração do bicentenário do 16º presidente norte-americano, por muitos considerado o mais carismático inquilino da Casa Branca.

As comemorações dos ‘200 anos’ de Lincoln, sob o lema “De Lincoln a Obama’, deram azo aos mais diversos comentários a destacar o legado do primeiro e a estabelecer as eventuais similitudes presidenciais, no propósito óbvio de se explorar o estado de graça do segundo, pela enorme esperança que concita na maioria dos americanos (depois do descalabro da ‘era Bush’!). E a colagem só não foi mais evidente e mais destacada, porque de imediato surgiram documentários e análises a tentar repor alguma verdade histórica sobre o pensamento do talvez maior ícon político norte-americano de sempre (tanto ou mais que Washington, o primeiro dos ‘pais fundadores’).

Afinal, no início da sua carreira política, o republicano Lincoln declarava-se convicto segregacionista e adepto da supremacia branca, tendo-se até envolvido em polémica com um destacado abolicionista negro, Frederick Douglas, com nome de Avenida em Harlem (na continuação da Oitava). A guerra da secessão que teve de enfrentar obrigou-o, mais por razões bélicas e económicas que por motivos ideológicos, pois, a ter de defender a liberdade dos escravos, assim passando à História pelos dois grandes feitos por que é conhecido: constituição de uma união federal (vitória sobre a confederação sulista) e abolição da escravatura.

Dois aspectos a reter – e a sublinhar – para já. Antes de mais, o de que, com mais ou menos vicissitudes, continua a saber preservar-se a tradição de independência na comunicação social norte-americana; por outro, a confirmação, aqui como sempre, de que a realidade continua a impor-se às convicções, quando estas surgem desfasadas da existência e da vida.

Sobre o outro aspecto que concentrou, neste período, uma tão obsidiante atenção dos ‘media’ sobre Obama’ – o ‘Programa de estímulo’ à economialá como cá, uma enorme discussão sobre se as medidas mais aconselháveis para se sair da crise, ainda que apenas centradas nas de dentro do sistema, deverão ser sobretudo por acção indirecta da intervenção do Estado (de natureza fiscal) – como propõem as correntes mais liberais – ou de apoio público directo (investimento) – de acordo com as tendências mais keynesianas.

Eis um assunto que, pela sua extrema actualidade e universalidade, merece tratamento mais desenvolvido. Como tentarei fazer em próximo comentário.

1 comentário:

Carlos Borges Sousa disse...

Seja, então, bem regressado do "império" e logo com uma boa postagem; aguarda-se, agora, pelos próximos capítulos...