sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Impressões de uma viagem ao coração do ‘império’: lá como cá... (III)

Regeneração do capitalismo ou reconversão do sistema?

Sintoma claro do clima de intranquilidade e crescente ansiedade – bem perceptível nos inúmeros debates a propósito ou até em simples comentários mesmo que a despropósito – a notícia de que o Chase e o City, já na sequência da aprovação do ‘Plano Obama’, decidiam suspender os despejos no caso de incumprimento de contratos de empréstimo à habitação. Não se sabe o prazo desta moratória, mas conjuntamente com os milhões do ‘Plano’, a notícia contribui para aliviar a tensão (financeira e emocional) e certamente repor algum poder de compra. Anima-se a procura, as aspirinas, para já, cumprem o seu papel. Mas por quanto tempo?

Enquanto isso e um pouco por todo o mundo, sucedem-se as discussões e reuniões ao mais alto nível, formais ou não, com o intuito de se encontrarem soluções duradouras para a crise, apostando-se na retoma económica. Fala-se em ‘regeneração’ do capitalismo. Ou na sua‘refundação’. Poucos, porém, admitem a ‘reconversão’ do sistema. O capitalismo, afirmam, nunca esteve em causa, o modelo de mercado é para manter.

Sem pretender avançar para extrapolações simplistas, é possível perceber, por entre o emaranhado de medidas que constitui o actual processo de combate à crise, algumas tendências que, a desenvolverem-se, poderão vir a contribuir para a gradual construção de um outro paradigma económico e social. Permito-me destacar aqui três delas:
· A redistribuição do ‘trabalho disponível’, na sequência lógica da redução do ‘tempo de trabalho necessário’ resultante da automação, como aconteceu já em experiências localizadas que apenas começam agora a ser tentadas (várias na Europa e EUA; entre nós, na AutoEuropa), através de negociações laborais em que a posição sindical se pode resumir na fórmula “trocar salários por postos de trabalho” (sem dúvida uma área a que os sindicatos – e os Estados – deverão passar a dar maior atenção, com vista à recomposição de uma nova equação laboral, seguramente diferente da actual e, espera-se, mais equilibrada, no esforço e nos benefícios).
· As alterações tecnológicas e os investimentos na área da energia, pondo a tónica nas energias renováveis, mesmo que o objectivo principal seja, por enquanto, alcançar uma maior independência das energias fósseis, em acelerado processo de esgotamento, se bem que, subsidiariamente, surja também o argumento dos benefícios ambientais. O desenvolvimento desta tendência, só por si, pode vir a representar uma significativa alteração do modo de vida actual (dependendo das inovações que forem sendo obtidas), da casa ao automóvel, dos hábitos e padrões de consumo aos próprios comportamentos sociais,...
· Nova forma de encarar o sistema financeiro, face ao total descontrole e incapacidade demonstrada pelo modelo de regulação actual, levando para já à aceitação da necessidade de intervenção pública num sector em que, até aqui e de acordo com a doutrina sedimentada nos últimos anos (de claro domínio neo-liberal), isso era considerado intromissão intolerável na esfera privada e de todo improvável que tal pudesse acontecer. Falta saber até onde pode ir essa intervenção, mas ela será sobretudo ditada por uma realidade em constante mutação, que não pára de surpreender.
Regeneração’ do capitalismo ou ‘reconversão’ do sistema? Eis então a dúvida que começa a formar-se – e pairará ainda durante algum (muito?) tempo, dependente do vogar de uma crise que parece longe de ter atingido o seu pico – quanto ao futuro próximo das nossas sociedades.
(...)

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