Valha a verdade, não é o único, apenas talvez o mais encarniçado, o mais convicto, o mais obsessivamente empenhado na dita cruzada (reminiscências subliminares do passado histórico d‘expansão da fé e do império’, que ecoa nele ainda com estranha nostalgia!). Acabo de ouvir Helena Roseta (?) invocar o ‘sublime’ exemplo de Alan Greenspan, afirmando que este ex-Presidente do FED teve a humildade de vir dizer que se enganou, coisa que ainda não viu fazer a nenhum dos responsáveis indígenas.
Mas então o exemplo que se contrapõe a Constâncio é o do Greenspan? Este, ao afirmar ter-se enganado, pretendia dizer exactamente o quê? Que passava a considerar o modelo assente no mercado o principal responsável pela onda devastadora actual (com as imprevisíveis consequências que se lhe seguirão), decidindo-se, em consequência, por um modelo alternativo? Ou, pelo contrário, que se tivesse oportunidade de voltar ao cargo que ocupou teria alterado alguns dos seus mecanismos para que o sistema não soçobrasse – como agora parece em vias de acontecer? E, nesse caso, com que consequências, mais uma vez? Qual a sustentabilidade de um modo de vida cuja essência se baseia no desperdício, onde até as actividades com mais futuro são precisamente as que se dedicam (e ainda bem, mas o que isso traduz?) à reciclagem?
Ou ainda, bastará pedir desculpas pelos erros cometidos (quais erros?) para passarmos ‘todos’ a ser outra vez ‘bons rapazes’? Fazendo jus, enfim, à velha máxima de que se for preciso ‘sacrifique-se o mensageiro, mas salve-se a mensagem’. O importante, já se percebeu, é mesmo salvar este modo de vida. Por quanto tempo mais?
É completamente desajustado recorrer aqui ao argumento pedagógico de sacrificar alguns para exemplo dos demais, pois a origem e causa última da crise está no intocável princípio mercantil em que assenta toda a organização social: tudo afinal se reduz a dinheiro. É esse princípio que, como um vírus, contamina toda a vida social e, por via da acelerada predação – e consequente esgotamento – dos recursos, ameaça seriamente a estabilidade do nosso estilo de vida, o designado ‘modo de vida ocidental’. Em bom rigor, os efeitos visíveis dessa ameaça fazem-se já sentir sob a forma das inúmeras manifestações de violência que atravessam o mundo, reflexo de um mal-estar larvar que vai alastrando e assumindo as mais diferentes configurações e a que os poderes públicos respondem apenas com o tradicional recurso à força e a medidas policiais.
Neste sentido, a crise funciona como um aviso que importa saber interpretar, para se poderem encontrar as respostas adequadas para a ultrapassar. Todos somos, afinal, um pouco responsáveis pela situação, todos fomos coniventes com o sistema (e com os falsos paradigmas do ‘progresso contínuo’ e dos ‘recursos ilimitados’), todos carregamos parte das culpas que agora alguns se entretêm em atribuir em exclusivo aos Constâncios ou mesmo aos Greenspans. A busca, identificação e (se for caso disso) punição de culpados não pode fazer esquecer, pois, a causa essencial da desordem actual.
Procurar bodes expiatórios nunca resolveu problema algum e as cruzadas apenas servem para desviar as atenções das reais dificuldades com que as sociedades hoje se confrontam.
Procurar bodes expiatórios nunca resolveu problema algum e as cruzadas apenas servem para desviar as atenções das reais dificuldades com que as sociedades hoje se confrontam.
1 comentário:
Mais uma vez, e para não variar, uma excelente abordagem à(s) cruzada(s) que os neocons e, na circunstância e como é referido, Paulo Portas convicta, empenhada e esforçadamente desenvolve, na tentativa de capitalizar "energia(s)" para o modelo que talvez por uma questão de fé(zada) lhes é, para os neocons, insubstituível.
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