O dilema imposto pelas regras do mercado
Inconformados com o descalabro para onde as suas teorias arrastaram o mundo, os neoliberais procuram a todo o transe encontrar explicações e bodes expiatórios para ilibar o modelo social que têm formatado nas suas cabeças e que utilizam para ver e analisar as sociedades, catalogar a realidade, avaliar as pessoas. De acordo com eles, o que aconteceu ficou então a dever-se a duas ordens de razões: por um lado, aos desvios de carácter ou à má-formação moral dos gestores ‘apanhados’ na situação, por outro, às falhas (nalguns casos, ausência) dos mecanismos de supervisão, falhas invariavelmente atribuídas a erros humanos. Em suma, o modelo é bom, o que falhou foram as pessoas incumbidas de o aplicar. Explicações moralistas e muito pouco objectivas: a única objectividade reside nos números ‘manipulados’, obrigados a dizerem o que essas suas teorias lhes exigem que digam!
Já não é a primeira vez que aqui abordo e falo sobre este tema, mas o sentimento de impunidade que a insistência neste tipo de explicações revela, obriga-me a voltar a ele. Parece fácil, agora, culpar os gestores dos bancos pelas decisões tomadas, norteadas essencialmente por objectivos de curto prazo – o lucro imediato – mas o certo é que, individualmente considerados, nenhum tinha hipótese de proceder de modo muito diferente, sem correr riscos pessoais. Assim o ditava o dilema imposto pelas regras do mercado: ou se sujeitavam a elas, ou o próprio mercado se encarregaria de afastar quem as não cumprisse, dando lugar a outros... dispostos a acatá-las.
Se, do ponto de vista ético, não é de todo indiferente o comportamento individual dos gestores envolvidos (as diferenças pessoais são sempre relevantes, ocasionando apreciações distintas, por vezes mesmo opostas, no plano profissional e no da ética), do ponto de vista social o resultado objectivo seria sempre o mesmo: a crise, como inevitável epílogo das regras ditadas pelo mercado que, pelo caminho, se encarregaria de triturar quem se atrevesse a não as respeitar.
Não foram seguramente as características do carácter ou as eventuais perversões de um determinado grupo de pessoas (todas elas, afinal, muito respeitáveis, na esmagadora maioria religiosas até, de missa ao domingo e confissão pascal!) que mais contribuíram para o regabofe em que de repente pareceu transformar-se o capitalismo, foi antes o colete de forças do sistema que assim o determinou. Colocados perante tal enquadramento e considerando o comportamento estabelecido para o desempenho da função, a esses gestores pouco restava de margem de manobra nas escolhas possíveis. Como adiante se tentará melhor demonstrar (cf. A máquina trituradora).
Mesmo o facto de a situação apresentar gravidade diferente de instituição para instituição, apenas traduz a maior ou menor criatividade de cada uma delas e reforça as características distintivas do sistema: em períodos de expansão sobressaem e ganham as mais criativas, em períodos de crise, como o actual,...... nenhuma ganha (nem sequer as mais ‘conservadoras’, como se comprova pelo carácter genérico das medidas adoptadas).
O pandemónio actual é, assim, produto primeiro do sistema e não o resultado de comportamentos maníacos ou depravados... por muito que estes pesem – e pesam – nas contas finais.
sábado, 8 de novembro de 2008
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