Já se sabia que era assim, mas agora tornou-se mais evidente, porque muito presente e... condicionante. O principal obstáculo com que a esquerda depara na formulação e apresentação de alternativas, seja em termos de soluções para os problemas concretos, seja (de uma forma mais global e radical) ao próprio modelo actual de organização social encontra-se, antes de mais e acima de tudo, nos bloqueios de natureza psicossocial. Que se traduzem por múltiplas formas, desde a muito difusa mas eficaz coacção social (exercida subtilmente pelos diferentes mecanismos de integração social, da religião aos meios de comunicação) à própria auto-censura, das mais sofisticadas às que exploram os instintos mais primários. Que começam, como não podia deixar de ser, ao nível das estruturas mentais e das mentalidades. Ardilosamente manipuladas por especialistas na condução das massas (psicólogos sociais,...) e na venda de produtos, quaisquer que eles sejam (técnicos de marketing,...), ao serviço de campanhas devidamente programadas e com objectivos definidos.
Os exemplos sucedem-se e dão que pensar: de um lado a campanha às presidenciais norte-americanas, do outro a resposta à crise mundial actual. A primeira, já na recta final, regista da parte do candidato republicano, em fase de desespero, a utilização do último grande ‘argumento’ que melhor parece tocar a mentalidade do ‘norte-americano médio’: “Obama é socialista”! O anátema é tão óbvio, o tema tão obsessivamente tabu (para uma sociedade que se pretende liberal, não está nada mal!), que nem o increpante se atreve a pronunciar a execranda e vil palavra do opróbrio, preferindo parafraseá-la. A palavra ‘socialista’ queima os lábios do americano médio!
Ao mesmo tempo, com a crise a correr, a engrossar e a acrescentar milhões sobre cifrões, aquilo que a liberal América repudia de forma explícita, a social Europa atreve-se, por enquanto, ainda e só a insinuar de forma envergonhada e tímida, quase a medo. Medem-se as palavras, evitam-se expressões conotadas (Ah, a neutralidade da ‘ciência económica’!...), sufoca-se sob os traumas e fantasmas do passado. Assiste-se a uma meticulosa operação terminológica para expressar o que se tem como inevitável – a intervenção do Estado na esfera económica – mas por forma a que tal não apareça com o rótulo de... nacionalização,... ou, ainda pior, socialização.
A onda de estatizações (chamemo-lhe então assim) que se adivinha, em especial no sector bancário, ao longo dos próximos meses, começa a suscitar preocupação séria nos sectores liberais, receosos do abalo que as suas posições ideológicas de absoluto domínio do mercado na condução política das sociedades venha a sofrer, pondo em risco toda a lógica que sustenta o poder do actual sistema de relações sociais.
Mas mesmo perante a ruína eminente, as críticas a uma maior intervenção do Estado na actividade económica não esmorecem. Até agora o único aspecto que mudou no discurso neoliberal foi sobre a auto-regulação do mercado. ‘Mudou’? Não, ‘dissimulou’, reservando-se para melhor oportunidade reincidir na desregulação. Aposta-se (sempre o casino!) em que a crise será temporária. Enquanto isso, a arrogante supremacia com que os neoliberais impuseram o seu controle ideológico nos últimos vinte anos, expressa-se agora em contrafeitos esgares a simular sorrisos de superior desdém, que lhes advém da certeza de, muito em breve, não obstante o mundo parecer desmoronar-se debaixo dos emproados narizes, tudo voltar ao que era dantes, com o Estado a servir apenas de capacho, ou quando muito de amortecedor, aos seus desvarios, ou antes, excessos criativos.
Não é fácil, há que reconhecer, a tarefa de penetrar, ou melhor, de derrubar este muro de ideias feitas, sobretudo em período de grandes incertezas sociais e angústias individuais. Na maior parte das vezes, estou em crer que a resposta a esses bloqueios resulta mais do instinto e do traquejo de quem com eles se vê confrontado do que propriamente de uma bem elaborada estratégia racional. Mas é importante tomar consciência da natureza dos obstáculos na construção de alternativas viáveis e eficazes. É que desmantelar o modelo de organização social actual e tentar erguer um outro - procurando que ele seja economicamente mais racional e responsável, socialmente mais inclusivo e ambientalmente mais sustentável - é tarefa árdua a todos os níveis – muito em especial ao nível das mentalidades.
Nota: o episódio da ‘nacionalização’ (ou estatização?) do BPN – ocorrido no dia de finados do corrente ano de 2008 – apenas vem corroborar tudo o que aqui fica dito, sem necessidade de alterar o que quer que seja, num texto escrito antes, portanto, de se saber que tal iria acontecer.
Discute-se já como e quando é que o BPN voltará à 'eficaz' gestão privada!
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1 comentário:
Pertinente e oportuna "posta" como, de resto, estamos habituados
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