sábado, 24 de maio de 2008

Uma no cravo, duas na ferradura

Afinal, ainda venho a tempo de retomar aqui a entrevista de Campos e Cunha ao DN/TSF, a que me referi em posta anterior. Correndo o risco de destoar já das ondas mais em voga (mas o Borges de Sousa encarrega-se disso com toda a proficiência...), só para não ficar a ideia da tarefa a meio. Apenas para saudar uma concordância em termos de cidadania, reiterar um alerta social (da SEDES, a que o entrevistado preside) e verberar uma sua posição (entre muitas, fiquemo-nos por esta) decorrente de uma visão ultra-liberal .

Concordância com a sua posição perante o TGV. Depois de uma das razões (pelo menos das que, na altura, foram explicitadas) para a sua saída de ministro das Finanças ter a ver com a decisão de Sócrates de avançar para a construção de um novo aeroporto em Lisboa (que o ex-ministro criticava, mas que eu saúdo), desta vez até estou de acordo com as críticas feitas ao TGV. É que, mesmo descontando os impactos ambientais (e não são pequenos), para que serve, afinal, uma nova linha Porto-Lisboa? Será que, para ganhar 15 ou 30 minutos sobre a actual, se justifica um investimento destes? Será então para calar os exasperados bairrismos tripeiros?

O alerta da SEDES, exposto em estudo recente, dá conta de um ‘mal-estar difuso que alastra’ na sociedade portuguesa, ameaçando transformar-se em crise social de contornos imprevisíveis. É óbvio que a SEDES se limita a constatar... o óbvio: tanto ao nível da sua dimensão generalizada, quanto a tratar-se de sintoma que indicia a eventual eclosão de crise social grave. A explicação do entrevistado foi, tão só, reduzi-la aos aspectos formais da política (o mal-estar resultaria da ‘desconfiança dos portugueses nos partidos’), tocando ao de leve no sistema de representação (a democracia não se esgota nos partidos). Só? E a desigualdade social crescente? E o desespero como futuro? Recente estudo de Bruxelas classifica Portugal como o país mais desigual da UE na repartição do rendimento. Não terá isto a ver, também, com os elevados salários auferidos pelos gestores portugueses?

A posição ultra-liberal – que classifica de ‘populista’ (e de 'demagogia', acrescentaram os entrevistadores) quem se atreva a considerar elevados os vencimentos dos gestores – não surpreende, por lógica, mas deve ser veementemente verberada. Mais que não seja por decência e algum decoro perante o resto da Europa. Alguns salários que por aí se exibem tão despudoradamente, não são só uma afronta à miséria, eles próprios a sustentam. Não se trata apenas de uma questão relativa: de acordo com o conceito europeu de pobreza (os que atingem apenas 60% do rendimento médio europeu, 22€ diários), Portugal tem mais de 2 milhões de pobres, dos quais 950 mil (quase 10% da população) auferem por dia... menos de 10€!!! Em contrapartida (e como já foi tema doutra posta) os nossos gestores aparecem muito bem situados no ranking europeu!

Ou será que este ‘mal-estar difuso’ tem alguma coisa a ver, sem que disso se tenha ainda a devida consciência, com a prática imposta por esta ideologia liberal apresentada como pensamento único, universal e de consumo obrigatório?

1 comentário:

Carlos Borges Sousa disse...

Meu Caro,
Mais uma vez, e para não variar, uma "postagem" de peso; com cabeça, tronco e membros ...
CBS