1º Momento: um marxista 'atrevido'
Refiro, desde já, não ser um especial adepto deste programa, por razões que ainda hei-de expor noutra ocasião. Mas, do da última segunda-feira, tenho a destacar, do que vi, dois momentos particularmente elucidativos.
O primeiro ocorreu logo ao ligar a televisão, que coincidiu com o início da intervenção do Sérgio Ribeiro: a propósito do tema em debate (‘Crise económica – como vamos resistir?’), este ousou o supremo atrevimento de o abordar a partir de uma perspectiva ideológica maldita, com uma linguagem há muito proscrita dos ‘media’. Munido de notável calma e de uma lógica irrefutável, valendo-se da experiência de mais de quarenta anos como economista, recorrendo à autoridade académica de figuras tão insuspeitas como Sedas Nunes, arriscou a defesa do ‘velhinho’ pensamento marxista em contraposição à aceitação acrítica do ‘modernaço’ pensamento neoliberal, para explicar o que está a acontecer na economia mundial, que não pode ser reduzida a um conjunto de quadros estatísticos, pois por trás destes encontram-se pessoas envolvidas em determinadas relações sociais.
Por um momento, o insuportável vedetismo da apresentadora eclipsou-se, ainda tentou suscitar da outra parte uma reacção (que entretanto esboçava um sorriso entre o sarcástico e o nervoso), mas como esta não apareceu (por receio? por desdém?), limitou-se a deixar fluir o comentário do ‘atrevido marxista’. Por um momento o silêncio da sala pareceu traduzir sobretudo a perplexidade pela irrompante ousadia deste ‘out-sider’ do sistema, mas quero crer que as suas palavras, naquele contexto, soaram também como um aviso – e os avisos ouvem-se em silêncio – que a plateia entendeu, naturalmente, de modos diversos.
Transmitida a essência da mensagem, ao orador não restou, é certo, outra alternativa que voltar a debater o tema nos estritos parâmetros e com os conceitos da ortodoxia do pensamento único, o que é significativo da dificuldade em romper o muro ideológico que cerca as actuais práticas sociais e traduz os limites de qualquer actuação política. Mas fica o registo de uma intervenção feita sem o habitual recurso a camuflagens nem a rebuscadas figuras de estilo em que se acantonou o discurso alternativo, apenas com o propósito de tornar aceitável, por vezes até só audível, mensagens que doutro modo o não seriam.
Alguma coisa, pois, também aqui, parece estar a mudar. Aguardemos.
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3 comentários:
Meu Caro,
Também, e por acaso, assisti ao último "Prós & Prós" e estou, e para não variar, inteiramente de acordo com esta excelente "posta".
E, desta feita, e para além da "cândida" Fátima Campos Ferreira (FCF), gostei, sobretudo, quando "acidentalmente" ( e/ou a "mando" de alguém ), um câmara-man de serviço focou um livro que o economista Sérgio Ribeiro trouxe para o debate; nem mais, nem menos que ( imagine-se )um livro de Engels e Marx.
Depois, outro momento hilariante foi quando, e a pedido da “cândida” FCF, um tal António Costa ( Director-Adjunto da Lusa) foi convidado a fazer o “bouquet” do programa.
Foi tão “importante” a síntese da criatura – esse tal de António Costa - que já nem me lembro do que quer que seja que terá debitado.
É para eu aprender : ora, quem é que me manda a mim ver aquela “coisa” ?..
Caro Borges de Sousa,
Devo confessar que eu não vi o programa todo, liguei a TV por volta das 11,30 e apanho logo o Sérgio Ribeiro (mesmo depois não pude acompanhar tudo). Por isso posso estar desfasado de alguns pormenores, como por exemplo a intervenção desse tal António Costa da Lusa, que não ouvi (mas vi lá).
Também me chamou a atenção (e estive para o referir) o escrupuloso pormenor do 'câmara' insistentemente focando 'As Obras Escolhidas', mas o texto ia já longo (tive de o dividir, mais uma vez). Apetece perguntar porque não foram focados os textos dos outros intervenientes no debate, talvez se por lá visse algum Hayeck... ou Friedman...
Agradecido, pois, pelo complemento.
Já agora e só para esclarecer: já tenho ouvido comentários de Sérgio Ribeiro muito pouco aceitáveis, roçando o sectarismo político.
Desta feita, porém, pareceu-me exemplar, talvez por a abordagem ao tema ser muito genérica, menos susceptível de levantar polémica política, a par da sua atitude quase quixotesca no meio daquele enorme vespeiro, ampliado para o País inteiro. Foi fácil aderir à sua mensagem.
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