Olhando para os casos que Lesabi Mendes aponta na sua ‘posta’ abaixo, não teria dúvidas em aceitar o seu ponto de vista se eles constituíssem a regra e não, como acontece cada vez mais (é a lei inexorável do que se convencionou chamar o ‘progresso’), a excepção. De facto, a regra não é a familiaridade das relações entre empregadores e empregados, é, antes, o anonimato indiferente (aliás, esta é uma regra geral a todas as relações sociais nas sociedades ditas civilizadas). Alguns cultivam, é certo, um arremedo de relações familiares através de certas confraternizações empresariais, mas o objectivo não é o patrão privar com os seus colaboradores (em geral), levá-los a casa e sentá-los à mesa ao lado da mulher e dos filhos, tem, todos o sabemos, intuitos bastante mais interesseiros e do que se trata é de bem planeadas e publicitadas acções de marketing interno.
Sendo assim, a esmagadora maioria dos trabalhadores só pode sentir-se protegida por regras bem definidas e contratualmente negociadas. Não pode esperar de um patrão que, na maior parte das vezes nem sabe da sua existência, qualquer complacência na hora de decidir uma redução de custos, por exemplo. É por isso que a abertura de frechas legislativas no edifício jurídico construído para proteger a parte unanimemente considerada mais fraca, o trabalhador, comporta sempre sérios riscos de ser aproveitada, porventura abusivamente e até à revelia do pretendido pelo legislador, pela parte mais forte, o patrão.
Que há trabalhadores calões e sornas, incompetentes e falhos de ética, é claro que há e não serão tão poucos como isso. Mas não consta que até agora tenha sido difícil a qualquer patrão ver-se livre de ‘empecilhos’ ou, vamos lá, de autênticos ‘monos’. Consta antes que, não raro, a pretexto de pequenos ‘pormenores’ legislativos, os patrões procuram desembaraçar-se, na primeira ocasião, dos considerados indesejáveis, não raro, também, por razões de vingança pessoal (por ex., empregadas resistentes ao assédio a que alguns se sentem com direito...) e, não raro, mais uma vez, incidindo sobre trabalhadores profissionalmente válidos (a própria condição de resistentes aos avanços do patrão, sejam eles de que natureza forem, isso atesta).
Tudo isto por especial perversidade dos patrões? De forma alguma, embora também possa haver casos (tal como os casos de trabalhadores ‘sornas’). As lógicas em que cada um está inserido é que os obriga a agir de modo diferente: a do «patrão» é, como se sabe, procurar extrair o máximo capital da sua actividade, é esta a forma de sobreviver perante a concorrência, se o não fizer arrisca a sobrevivência da empresa; a do «trabalhador» é obter as melhores condições de trabalho, incluindo salariais, o que objectivamente (não há volta a dar) colide com os propósitos do patrão.
Não será possível a conciliação entre ambos? Claro que é e na maior parte das vezes ela é atingida, o sucesso do capitalismo assenta em boa medida nisso. Mas é preciso ter presente que, no processo de negociação para lá chegar, cada um defenderá a sua posição de acordo com a respectiva lógica, doutro modo arriscam-se, um ou o outro ou mesmo ambos, a perder. E se algum perder muitas vezes seguidas...
O capitalismo, por natureza, é um jogo de equilíbrios instáveis e sempre renovados, daí as falências, a miséria ou a corrupção, as crises periódicas,... Só que, quando estas acontecem, raramente apanham os patrões desprevenidos, já quanto aos trabalhadores, os dramas são imensos, persistentes, quotidianos, desesperantes.
Até hoje, dia do trabalhador, os telejornais noticiaram mais uma mão cheia deles...
quinta-feira, 1 de maio de 2008
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4 comentários:
Muito bem (re)posicionada a questão
E o problema é que com este putativo novo "Código" oferece-se mais possibilidade ao patronato para despedir e para supostamente contratar, ainda, com mais facilidade(s)...
Poderão ser poucos os empregadores correctos, mas devemos-lhes alguma referência. Tenho conhecimento que há países (não do 3º mundo) em que os empregados só têm, 12 meses de salário por ano e os dias de férias são negociados, no contrato individual, em conjunto com a remuneração, porque a lei só estabelece 10 dias por ano.
Eu não afirmei que estávamos num país perfeito mas, convenhamos, existem muitos bons portugueses.
Cara Lebasi,
Eu só pretendi com o meu comentário (passado a ‘posta’, dado o tamanho) alargar a reflexão sobre esta importante questão. De resto, não teria qualquer dificuldade em concordar consigo se o tema fosse a formação moral ou as qualidades humanas que os empregadores, em geral (nem sequer os restrinjo a uma minoria), evidenciam.
O que eu quis sublinhar é que, independentemente dessas qualidades, os ‘empregadores’, no desempenho das suas funções, são objectivamente condicionados pela posição que ocupam, de tal modo que a sua actuação, se não se pautar pelos princípios da denominada racionalidade económica (eficiência,...), põem em risco o futuro das suas empresas, o que seria um contra-senso, mais valia então deixarem de ser empregadores e dedicarem-se à pesca... Ou passarem a ‘empregados’, o que só farão em última instância, por ex., se forem à falência (lá está, por incompetência, seja por ‘má gestão’ ou falta de ‘visão empresarial’) e se, entretanto, não tiverem acautelado as suas finanças pessoais (o que já ninguém acredita). Qualquer um de nós, no lugar deles, seria obrigado a agir do mesmo modo.
É certo que subsistem ainda muitas pequenas (e até médias) empresas, quase familiares, onde é mais fácil ver os casos e detectar aí os ‘empregadores correctos’ a que se refere, portugueses também, claro. Mas infelizmente não são estas as empresas que mais contam e definem, hoje, o rumo das sociedades, além disso a tendência é para a sua gradual extinção – ou então transformarem-se em subsidiárias das grandes, o que é quase o mesmo.
Pronto, lá estou eu outra vez a alongar-me...
De qualquer modo, houve já oportunidade de uma maior interactividade, que penso ser a filosofia desta ‘coisa’.
Um abraço
Penso que tudo isto tem a ver com o modelo que pretendemos para a nossa sociedade. Sobre isso, sugiro este artigo, dos "ladrões de bicicletas" e este este sobre a crise da nossa civilização.
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