segunda-feira, 15 de junho de 2009

Uma leitura pós-eleitoral

III – Uma proposta para a crise (europeia e mundial)

Já aqui, por mais de uma vez e sob diferentes perspectivas, apresentei o que penso dever constituir a base de um programa político de Esquerda. Sem pretensões em irromper de forma abusiva por domínios onde outros mais experimentados, e por isso mais preparados, têm melhores condições para o fazer. Mas também sem que isso me iniba de apresentar opinião sobre assuntos em que, penso, todos deveriam dar o seu contributo, no esforço – e preocupação – de pensar sobre matérias de interesse colectivo. Sem tabus nem limites - ao menos no pensamento!

Cada vez se impõe mais a convicção de que, enquanto a solução para a crise se resumir em concertar (ou remendar) os erros da actual situação económica, ou seja, enquanto a solução for apenas procurada no interior do sistema, não saímos dela. Cada vez é mais perceptível que as soluções postas em marcha até agora apenas resolverão a crise de momento. Porque a crise é o sistema. É impossível continuar a crescer como até aqui, mas todos, capitalistas/empregadores e trabalhadores, parecem sobretudo apostados em retomar o fio aos anteriores níveis de crescimento, que se sabe, mas finge-se ignorar, insustentável a prazo. Todos esperam por crescimentos acima dos ‘X%’, todos apostam no pleno emprego, todos baseiam as projecções da segurança social (saúde ou reforma) numa esperada (inevitável ?) expansão económica.

Ora, enquanto esta mentalidade servir para sustentar o paradigma do crescimento contínuo – que todos sabem condenado a prazo, mas que ninguém se atreve a pôr em causa, por egoísmo ou receio de impopularidade – será impossível encontrar uma saída para a crise. Ou então adia-se a solução lá mais para diante, sabendo-se que, quanto mais tarde, pior as condições para se delinear uma estratégia fundada num outro paradigma de desenvolvimento.

É aqui que se encontra o principal desafio da Esquerda: como transformar esta séria ameaça ao futuro da Humanidade, em oportunidade política para benefício da maioria (e, bem assim, da sua própria implantação). Tendo por base a realidade objectiva e os dados sociológicos que determinam os comportamentos actuais das pessoas, tal implica ser capaz de encontrar áreas em torno das quais seja possível gerar consensos alargados. A resposta às causas da crise e às preocupações por ela geradas não pode deixar de passar pela elaboração de programas centrados na estruturação de uma sociedade (1) sustentável, (2) de equilíbrio regulado, (3) de valores (Seriedade, Sobriedade, Solidariedade). Que se traduz, no momento actual, na defesa de políticas tendentes à:

1 - Preservação dos recursos naturaiscontra a sua acelerada predação actual: passando, inevitavelmente, pelo controle público dos recursos básicos (combinando racionalização, eficiência e reciclagem) e por todas as formas de defesa do ambiente (com aplicação do princípio da precaução, conforme recomendado pela ONU);

2 - Promoção de uma maior redistribuição (de oportunidades e riqueza) – contra o agravamento de todas as desigualdades: impondo limites às diferenças de rendimento, reduzindo o tempo de trabalho (permitindo o seu acesso a um maior número), regulando o comércio internacional (contra todas as formas de ‘dumping’);

3 - Reconversão do sistema financeiracontra a corrupção ‘sistémica’ que gerou a crise: envolvendo, forçosamente, o controle público dos denominados paraísos fiscais ou ‘off-shores’, o que, nas circunstâncias, só pode conduzir à sua rápida extinção.

Desta súmula de propostas, duas assumem carácter de urgência face ao contexto da própria crise, determinando a conveniência em concentrar esforços na sua inadiável aplicação: a redução do tempo de trabalhopara as 30 horas semanais, por exemplo (como já tive oportunidade de referir noutro comentário deste blog, “ainda que ao arrepio das tendências dominantes da actual globalização – como única forma racional e decente de se enfrentar o actual impasse criado na organização do trabalho, em resultado da própria reconversão na actividade económica”); o controle dos ‘off-shores’conduzindo à sua inevitável extinção, única forma de se acabar com as condições que fomentam a corrupção financeira!

Não obstante a sua premente – e urgente – necessidade, não pode ignorar-se que, no imediato, estas propostas parecem inexequíveis. Os interesses e a cegueira dos homens a isso se opõe. Por quanto tempo mais? O tempo que a realidade decidir conceder-lhes!

Breve nota final apenas para referir que, hoje, até os sectores liberais (e fautores do actual estado de coisas), sentem necessidade de apelar à reposição de valores como a sobriedade (contra o extremo consumismo, acrescentam...), como fez questão de afirmar, no discurso deste 10 de Junho, o ‘liberal’ Presidente Cavaco! Lindo!!! O pior é o resto! E o resto é tudo!

1 comentário:

Carlos Borges Sousa disse...

Excelente e oportuna reflexão que pode e deve ser continuada com muitos e excelentes contibutos para aqui : http://igualdade.bloco.org/