quarta-feira, 3 de junho de 2009

O automóvel, o mercado, as crises e as Europeias

V – As ‘Europeias’ – uma campanha triste!

Por tudo o que se disse antes, as eleições para o Parlamento Europeu apresentavam-se como a oportunidade ideal para debater, à escala europeia (só faz sentido nessa escala) a principal preocupação actual das pessoas – como sair da crise – o que, na perspectiva da maioria delas passava por um programa global de sustentação do emprego. Mas que implicaria ainda outros temas igualmente estruturantes para o futuro das sociedades (nomeadamente nos âmbitos financeiro e fiscal). Mesmo que, por enquanto – atendendo até à natureza das prerrogativas do PE – sobretudo de um ponto de vista pedagógico, identificando as responsabilidades que cabem ao centro das decisões europeias, confrontando os poderes nacionais pelas opções tomadas, demonstrando onde se encontram as verdadeiras amarras que as condicionam, qual, em suma, a situação real que os cidadãos enfrentam na condução das suas vidas.

Sendo isso que parecia exigir-se, não foi isso que, afinal, aconteceu. Na verdade, os períodos de campanha eleitoral têm por objectivos explícitos o esclarecimento dos eleitores sobre os programas dos partidos em disputa (com base no diagnóstico que cada um faz da situação política em função da sua perspectiva ideológica) e o consequente apelo ao voto nesses partidos. Contudo, o que invariavelmente acaba por se verificar é o predomínio absoluto do último desses objectivos, afinal o único que conta para os resultados, através da utilização dos mais diversos expedientes (dos mais ‘sugestivos’ aos mais ‘impositivos’, diga-se).

De tal modo que a tentativa de algum partido ou candidato em privilegiar o esclarecimento, introduzindo um tema para debate, arrisca-se a ser contraproducente, tanto pela reacção dos seus contendores – normalmente mais propensa a evidenciar o picaresco e até entrar no achincalhe, mais interessada na fulanização do que no debate das ideias, desviando as atenções do essencial; como pelo aproveitamento da comunicação social – apenas empenhada em explorar o episódio caricato, a espuma dos factos, o relato do espectáculo. No final apenas os especialistas em ‘sound bites’ prevalecem, as ideias pouco contam – contam apenas na medida em que contribuam para alimentar o ruído. A agitação frenética sobrepõe-se ao debate clarificador.

E foi assim que se assistiu à salvação do Vital pelo Sócrates, do mesmo modo que o Rangel apareceu a dar uma ‘mãozinha’ à Manuela. E é também por isso que os hilariantes espirros do Rangel, ou os constrangedores hiatos na fala do Vital, ou as extenuantes performances policiais (no caso BPN!) do “Mel(r)o que o CDS quer pôr no poleiro em Estrasburgo”, ocupam claramente mais tempo de antena e atenção mediática que os temas europeus. Porque nos divertem, tanto quanto nos distraem. O palco apenas para os verdadeiros artistas...

E tudo isto se desenrola ao mesmo tempo que, em Portugal como no resto da Europa e um pouco por todo o mundo, se vão sucedendo novos episódios dramáticos de uma crise que, contrariamente ao que parece decorrer do pícaro de uma campanha triste e enfadonha, sintomático apenas no que revela da degradação de uma certa política (e, já agora, também de um certo jornalismo), veio para ficar e está para durar, continua aí sem planos nem ideias que a contrariem. Que, ao invés, devia exigir a capacidade, o empenho e a imaginação dos candidatos ao PE, na apresentação das alternativas de solução à escala europeia, precisamente o nível em que ela devia ser discutida. Que merecia mais, pois, que a ausência de programas!

A crispação que agita a política (ou os políticos?), produto de múltiplos factores (entre eles o peso que os resultados desta eleição, por ser a primeira das três que vão ocorrer ao longo deste ano, terá sobre as restantes), não justifica um tão generalizado desatino político.
(...)

Sem comentários: