VI – As ‘Europeias’ – as propostas que nunca existiram!
O papel do Parlamento Europeu, na actual configuração institucional, não corresponde, como se sabe, ao dos seus homólogos nacionais. Apesar do seu poder co-decisório (com o Conselho) num conjunto já alargado de matérias, com relevo para as orçamentais e do ambiente, mantém-se como órgão consultivo em outras, tão ou mais sensíveis quanto estas, como é o caso da política fiscal. Aqui a sua influência revela-se tanto ao nível da pressão exercida sobre a Comissão e o Conselho, como da função pedagógica que lhe cabe junto dos próprios cidadãos europeus. E se algum momento é propício ao contacto com os cidadãos, ele é, sem dúvida, o das eleições para o único órgão representativo de uma Europa que se pretende democrática.
Ademais, isso acontece precisamente a meio da maior crise global (económica, social, ambiental, até cultural) de que há memória e sem fim à vista. Teria sido muito saudável aproveitar-se a campanha para se debaterem as soluções europeias (se é que as há...) para a crise. O certo é que, passado o susto inicial da ‘crise’, começa a instalar-se a tendência para uma certa acomodação... à crise. Com o rol dos ‘sacrificados’ pela crise, para já, neutralizado pelas medidas de apoio financeiro imediato, o mais grave da situação aparenta estar devidamente acantonado. Mais ainda, todos acreditam que mais cedo ou mais tarde a crise irá passar, tudo regressando à ‘normalidade’ anterior!!! Crença apoiada, afinal, no discurso dos mais influentes teóricos e comentadores. Os candidatos, esses, fazem de conta que a crise não existe ou então que se trata de outro negócio que nada tem a ver com as ‘suas’ europeias.
Uma vez que os candidatos em campanha pouca ou nenhuma atenção lhes concederam, permito-me aqui trazer alguns dos temas, relacionados com a crise e com a Europa, cuja oportunidade, penso, se perdeu em serem debatidos. E a meu ver, três áreas estruturantes, em especial, mereciam ter sido questionadas, à escala europeia, nesta campanha – actividade laboral e emprego; modelo de sistema financeiro; uniformização fiscal – impondo-se aqui discutir, entre outras, as seguintes medidas, cuja consideração, mais cedo ou mais tarde, irá tornar-se inevitável:
- Quanto à actividade laboral e emprego: a redução do tempo de trabalho – por ex., para as 30 horas semanais, ainda que ao arrepio das tendências dominantes da actual globalização – como única forma racional e decente de se enfrentar o actual impasse criado na organização do trabalho, em resultado da própria reconversão na actividade económica.
- Relativamente ao novo modelo de sistema financeiro: a neutralização do epicentro gerador da crise – os ‘off-shores’ – o que só pode passar pela sua extinção ou integração nas normas que regem todas as instituições financeiras, opondo-se à desregulação imposta pelo fracassado modelo económico neoliberal.
- Sobre a política fiscal: a alteração do princípio da unanimidade em matéria fiscal (consagrado no Tratado de Lisboa), que tem impedido a adopção de uma política fiscal comum e fomenta as deslocalizações de empresas no espaço comunitário, gerando ineficiências no conjunto da EU – em nome da eficiência das empresas!
É certo que todos estes temas e as propostas neles inseridas foram aflorados, por este ou aquele partido, ao longo da campanha. O tema dos ‘off-shores’, por exemplo, introduzido e por várias vezes tratado na campanha do BE, rapidamente se via engolido na voragem dos compromissos impostos pelo voto, pois o ruído provocado por parte de outros partidos e comentadores encartados, afirmando tratar-se de proposta irrealista e, portanto, demagógica, sobrepunha-se claramente ao pretendido debate sobre o tema.
Incluindo, também, o das ‘30 horas semanais’ (referido – apenas? – pelo ‘descomprometido’ candidato do MRPP !), cuja abordagem se torna inevitável quando já hoje se sabe que a retoma económica não irá recuperar nem trazer de volta grande parte dos empregos perdidos por esta crise. Útil, pelo menos, na sua discussão e enquanto alternativa aos níveis de desemprego, perigosamente elevados – até para o poder dominante do capital.
Mas nenhum destes sensíveis mas nevrálgicos temas suscitou, da parte dos maiores partidos (os que, por definição, mais controlam a opinião pública), a receptividade indispensável para se avançar para o amplo debate exigido. A cortina de silêncio imposta sobre estes (e outros) temas é sintomática, mas não deixa de ser sobretudo preocupante, pois provavelmente o nível de destruição da crise (de recursos e de empregos), longe de abrandar, poderá acentuar-se. Penalizando sobremaneira e como sempre os mais débeis!
As eleições são já no domingo. As soluções para a crise vão ter que esperar... Seguramente não seguem dentro de momentos!
Descarada aldrabice
Há 16 horas
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