sexta-feira, 12 de junho de 2009

Uma leitura pós-eleitoral

I – A crise nas eleições europeias

Dos resultados das eleições europeias, para além das análises políticas baseadas essencialmente na geometria partidária, sobressai uma conclusão deveras inquietante: a vitória dos partidos conservadores e liberais, por toda a Europa, para o Parlamento Europeu, significa que os cidadãos europeus decidiram entregar a resolução da crise que os afecta aos mesmos que a provocaram e dela são principais responsáveis. Directamente, ao manterem – e reforçarem – a mesma maioria no único órgão representativo da UE (e co-responsável por boa parte das decisões que os atinge); indirectamente, ao legitimarem pelo voto os partidos promotores das políticas que originaram a crise. Com especial incidência nos países que constituem o ‘eixo’ central que sustenta o famigerado PEC/Pacto de Estabilidade e Crescimento – principal base programática das políticas neoliberais europeias – Alemanha, França, Itália e Inglaterra.

À primeira vista não são perceptíveis as razões que determinam e justificam a opção insistente dos eleitores nas mesmas políticas e medidas económicas responsáveis pela grave situação actual, aparentemente contra os seus próprios interesses. Mas é possível tentar uma hipótese de explicação a partir de um olhar mais atento e pormenorizado sobre a dura realidade da crise, no enquadramento específico das eleições europeias.

Antes de mais, é necessário ter presente um dado sociológico simples mas essencial para se compreenderem os comportamentos actuais (eleitorais ou outros): a crise não afecta a todos por igual (pelo menos nesta fase). Os grandes e directos ‘sacrificados’ da crise são, para já, os que perderam o emprego ou estão na eminência de o perder. Incluindo ainda os que a ele não conseguem aceder pela 1ª vez, pois o denominado ‘mercado de trabalho’ parece ter “fechado para balanço”! (De facto, poucos arriscam, no actual contexto de indefinição e incerteza, a expansão dos negócios e, por aí, o aumento do emprego. Todos parecem ‘à espera do que isto vai dar’. E entretanto...). O que determina olhares diferentes sobre a crise. E a sua solução.

A grande maioria dos assalariados e independentes (ainda) não directamente afectados (e que constituem a esmagadora massa dos eleitores) olha para a crise e para os desafortunados por via dela, com o distanciamento calculista da pessoa saudável perante alguém condenado pelo cancro: com preocupação, num misto de comiseração e receio, mas procedendo como se essa fatalidade só acontecesse aos outros. Tenta, por isso, preservar a todo o custo a sua relativa comodidade, centrada na manutenção do emprego e na defesa das eventuais regalias conquistadas ao longo dos anos. Que até pode passar pela adesão a teses anti-emigração, de teor xenófobo, ou pelo retorno a ideologias tradicionalistas, de cariz fascizante. Em regra adopta uma atitude defensiva, porventura egoísta, se bem que racional, aderindo essencialmente ao que considera melhor poder contribuir para a preservação dos postos de trabalho. Volta-se, pois, para quem presume ter melhores condições de vir a defender este objectivo básico.

Surpreendentemente (ou talvez não), no meio da indiferença, desencanto ou mesmo frustração que as diferentes mensagens políticas mereceram por parte dos eleitores (como o comprova a extensa abstenção ocorrida, desta vez associada ao veemente protesto que ressoa dos votos brancos e nulos), as propostas da esquerda (aqui incluindo todos os partidos que dela se arrogam) foram as mais penalizadas, o que, na sequência da maior crise de que há memória, provocada pela aplicação das políticas de desregulação liberal, parece acontecer em claro benefício do infractor.

E é aqui que se levantam as grandes questões a que a Esquerdaneste crucial confronto político que a deve opor, acima de tudo, à dinâmica suicida dos que apostam numa estratégia de desenvolvimento baseada no crescimento ilimitado até agora não soube dar resposta, mas a que tem de o fazer, com a maior urgência.

Sob pena de vir a ser ultrapassada: ou pela realidade – normalmente da pior maneira; ou pela demagogia – na versão histórica da farsa (ou da tragédia?).
(...)

2 comentários:

José M. Sousa disse...

Bom, na realidade, os partidos ditos socialistas, nomeadamente, o Labour, também contribuíram, e muito, para esta crise. Não admira que os eleitores se sintam desorientados.

Anónimo disse...

Caro Zé Sousa,
Esse será precisamente o tema do “Ponto II” desta mini-série de comentários, que terá por título “A crise na Esquerda europeia”. Ainda que nele valorize mais as razões objectivas por trás da crise, que o voluntarismo, por mais abnegado (e nem sempre o é), da acção partidária. Tem sido essa, aliás, a preocupação em tudo o que escrevo, atribuir maior peso à realidade objectiva, correndo embora o risco de poder ser considerado um determinista. E daí o tom pessimista em relação ao futuro.
Deste ponto de vista, o “Ponto III” desta mesma mini-série constitui uma excepção, pois aí excedo-me, porventura, em voluntarismo. Mas é também a necessidade de afirmar aquilo que me caracteriza pessoalmente, um entranhado optimismo – não obstante todas as manifestações em contrário à nossa volta. Ou de acentuar a minha visão utópica de um futuro que, confio, ainda possa acabar por ser bem melhor que as perspectivas que dele projecta o presente. Para todos.
Espero, pois, dar continuidade ainda hoje a estes comentários, se contratempos familiares de última hora mo permitirem. Para que não restem dúvidas.