Seria decepcionante, senão mesmo desastroso e muito pouco abonatório para a credibilidade futura de quantos apostam nos valores da esquerda que, numa altura de profunda crise social (e, não por acaso, de identidade da própria direita), como ocorre actualmente, que, por mero cálculo político, sectarismo ideológico ou zanga pessoal, os partidos e movimentos que dela se reclamam, admitam sequer pôr em risco uma vitória segura para a Câmara de Lisboa nas próximas eleições autárquicas, não se coligando.
Porque não pode haver táctica partidária (por mais correcta que se apresente), aritmética eleitoral (por mais certeira que possa vir a revelar-se) ou ofensa pessoal (por mais grave que seja ou tenha sido), que mereça pôr em causa, pela dispersão de opções, o sentimento generalizado da população na escolha do lado político que Lisboa há muito elegeu, até como sinal de afirmação para o resto do país (o inverso tem servido de argumento a alguns para a sua exclusão).
Dificilmente se entenderá que, perante as ameaças criadas (pela crise económica e global) e as oportunidades abertas (até pela própria crise do pensamento neoliberal), se valorizem as naturais divergências em detrimento das indispensáveis convergências. Neste tempo de grande perturbação social e ideológica, importa testar novas formas de união, quebrar vícios e ilusões do passado e ousar avançar numa dinâmica de construção de alternativas ao actual desgoverno global.
Que só pode ser o resultado de múltiplos e diversificados contributos, aglutinados no propósito comum de devolver à política o primado da decisão social – contra a pretensa neutralidade, falsa independência e arvorada eficiência dos fantasiosos automatismos económicos do mercado. Objectivo seguramente de mais fácil percepção, aplicação e consecução ao nível local. Onde a conjugação de esforços entre perspectivas diferentes se confronta e forja mais pelo trabalho concreto e menos pelas eventuais fracturas ideológicas.
Qualquer outra solução que não passe por uma convergência da esquerda será mal entendida e dificilmente aceite pelos eleitores mais descomprometidos. Sobretudo pelos riscos que comporta - basta atentar nos precedentes!
Descarada aldrabice
Há 7 horas
10 comentários:
Discordo desta perspectiva de união à esquerda, sem mais considerandos. O que é isso de esquerda? Será que o PS, o PCP, o BE, é tudo a mesma coisa? E, mais que as siglas, será que os respectivos líderes e "entourage" num determinado momento, merecem todos a mesma confiança? Não me parece. Francamente, estas intenções pias de uniões por causa de papões à "direita" não me convencem. Cada um deve propor o que tem a propor. Se houver coincidência de propostas e vontade para convergências aqui e ali, muito bem. Mas nada de confusões. Deve ficar tudo preto no branco, como aliás aconteceu no acordo - note-se, não coligação - entre BE e PS.
Quando oiço - na SIC Notícias - alguém como João Soares fazer largados elogios a Domingos Névoa, fico logo desconfiado sobre a credibilidade política destas pessoas ditas de esquerda. Pouco me importam os "slogans". O Santana Lopes é péssimo e pode ganhar. Pois é!
Mas isso não torna automaticamente mais aceitável tudo o que se auto denomine de esquerda. As aparências podem iludir e de boas intenções está o inferno cheio.
Em termos estratégico-politicos esta petição mais não é do que a tentativa de absorção da Renovação Comunista pelo PS Lisboa.
Não entendo aqueles que depois de saberem que PS caluniou recentemente e de forma altamente agressiva o BE e ainda à dias PCP voltou a reiterar criticas ao Bloco, dizia eu, que não entendo como estas pessoas (que até considero muitas das que assinam, pessoas de enorme caracter)conseguem conceber que o Bloco fosse incensivel a estes ataques e saltasse para a coligação... Como dizia a minha avó Prebrestina e o meu avô Traulintino « Na vida e na virtude... quem não se sente não é filho de boa gente»
António L
Meus caros,
Antes de mais, peço desculpa pelo atraso na resposta, pois só agora pude ver os comentários ao meu texto de ontem.
Para a posição que aqui defendo, esclareço desde já os seguintes pontos de partida nestas eleições:
- Não há equação política, cálculo eleitoral ou purismo ideológico que resista a este raciocínio elementar (que tende a esquecer-se...): o mais importante é saber como garantir o maior benefício das populações, no caso, dos habitantes de Lisboa;
- Ora, não é de todo indiferente ter na Câmara o Santana Lopes ou o Costa: independentemente das eventuais asneiras deste, não há comparação possível (seria, do meu ponto de vista, grave erro político considerar que são iguais);
- O não compromisso partidário, como no meu caso, permite um olhar diferente do militante: neste emerge – sei-o por experiência – a tendência (inevitável) para acentuar o espírito de grupo, perante ameaças externas;
- É por isso que não devo nem posso valorizar, do ponto de vista da racionalidade política, as ofensas (reconheço a sua gravidade) do Costa ao Bloco: um eventual acordo, agora, até o desqualificava mais a ele que ao ‘ofendido’;
- É óbvio que gostaria muito mais que, a haver acordo, ele fosse liderado por uma personalidade como a Helena Roseta, mas isso não cabe ao Bloco decidir e está mesmo fora de questão (dada a ‘história’ das relações entre aquela e o PS);
- O sentimento de frustração que as pessoas de esquerda manifestam pela divisão partidária nela instalada, torna-se mais agudo em momentos de crise: a ressaca das eleições, caso cada um decida ir para o seu lado, pode trazer novidades.
Dito isto (e muito mais podia ainda ser acrescentado), importa perceber-se que as condições objectivas em que se exerce actualmente a acção política mudaram, que hoje é possível ‘obrigar’ o PS a fazer coisas ou a adoptar políticas que, ainda há pouco tempo, pareciam impensáveis. Sintomática, por exemplo, a aceitação da quebra do sigilo bancário no pacote anti-corrupção proposto pelo Bloco na AR. Porquê hoje? O que é que mudou? O BE pode pensar: ‘Há 10 anos que propomos isto, água mole em pedra dura...’
O certo é que só lá foi mesmo, quando alguma coisa mudou nas condições envolventes: a crise, a posição do Obama,... Poderia ter acontecido também por alterações nas subjectivas, sair o Sócrates e entrar alguém mais sensível ao problema. Mas quem é que pensa seriamente – apesar do Freeport (ou talvez por causa dele) – que o Sócrates possa sair brevemente?
O que eu quero ressalvar, no caso do poder local – onde é mais fácil garantir compromissos sobre coisas concretas, estabelecer cumplicidades, ganhar dinâmicas para acções mais globais – é que a actual situação e as condições existentes são ainda mais propícias, que há 2 anos com o Zé Fernandes, para negociar com o PS em vantagem. Insisto: em benefício dos habitantes de Lisboa.
Afinal, como dizia um dos ‘Ladrões de Bicicletas’, o apelo para uma convergência da esquerda, releva apenas ‘do bom senso político’.
(correcção)
Quando digo 'quebra do sigilo bancário', quero dizer, obviamente, 'levantamento do sigilo bancário'. A força do hábito...
Continuo a discordar, e não é por ser aderente do BE, até porque há outras pessoas que defendem essa orientação. Uma coisa são acordos pontuais com base em pontos muito claros e publicitados (como foi o caso do passado entre o BE e o PS), outra são coligações, onde vai tudo ao molho e depois não se consegue determinar responsabilidades. Aliás o BE não pode ser acusado de cegueira partidária , nas últimas autárquicas. Eu sei do que falo - e o Carlos também - porque participámos no processo como aderentes.
P.S. A questão das ofensas é-me absolutamente indiferente.
Caro José Sousa,
Antes de mais, agradeço os comentários e a possibilidade de precisar alguns pontos:
1. Reconheço o esforço do Bloco na busca de consensos alargados com vista à viabilização de alternativas políticas com outra consistência que a proporcionada por apenas uma perspectiva partidária, em especial nas últimas autárquicas (apesar de não ter acabado bem). E, do mesmo modo, a sua diferente (e, já agora, mais decente) postura negocial, em relação à sempre pretendida hegemonia do PC, por exemplo. Mas é exactamente por isso que mais custa compreender se agora não fizer esforço idêntico, até porque, reafirmo, as condições para uma negociação, hoje, apresentam-se bem mais favoráveis que há 2 anos (crise, PS a descer, BE a subir, o risco do Santana que não é de desprezar,...). Além disso entendo – é a minha posição – que o nível de negociação das autárquicas não pode ser confundido com aquilo que se passa a nível da governação global do país (como pretende o PC).
2. É óbvio que não concordo com ‘coligações onde vai tudo ao molho’ – nem sei quem o possa sustentar (pelo menos racionalmente). Nem sequer afirmo que o resultado de negociações com vista a uma eventual convergência tenha de dar necessariamente numa coligação. Com o que eu não posso concordar é com a recusa logo à partida de negociações, sem se permitir sequer a sua possibilidade. A demonstração de abertura permite apenas isso mesmo: boa vontade na busca de uma alternativa colectiva melhor que a dispersa participação individual, só isso. Se o resultado for positivo, óptimo. Se não for possível chegar a acordo é bom que se saiba porquê e/ou quem a isso obstou.
3. Sobre ‘a questão das ofensas’, a minha referência destinava-se, como é óbvio, ao comentário do Anónimo, que a isso se referiu também.
Um abraço
Viva Viegas Carvalho
Sobre as últimas autárquicas, referia-me às eleições intercalares e à Helena Roseta, e não ao Sá Fernandes. Mas em relação a este último, também deu para ver o grau de empenhamento do Costa nos compromissos assumidos no acordo de seis pontos: fraco! Algumas pessoas da vereação do Costa para mim - e não se trata de nenhuma questão ideológica, é assunto bem mais prosaico - são razão suficiente para não querer nada com eles. Se o Santana aliado ao CDS tiver a maioria, não haverá nada a fazer, haja ou não união na esquerda. Se o Santana ganhar sem maioria, então aí a esquerda pode unir-se para obstruir o Santana. E todos sabemos que no passado, parte da dita "esquerda" fez "panelinha" com a dita direita. Portanto, convenhamos, não vejo razão para tanta preocupação. Aliás, quando a dita "esquerda" já dá a Câmara por perdida para o Santana, enfim, que tristeza!
Caro José Sousa,
Ouvi ontem o Louçã (apanhei-o a meio, como de costume), na RTP2, falar sobre a posição do Bloco nas próximas autárquicas e penso ter ficado a compreender melhor a questão das eventuais alianças. Do que ouvi e desta proveitosa, pelo menos para mim, troca de comentários, permito-me adiantar ainda o seguinte:
1. Continuo a não concordar com a opção de partida do Bloco, que não permite sequer a possibilidade de quaisquer conversações (houve algumas conversas, terei depreendido, sobretudo com a Helena Roseta, mas, presumo, apenas exploratórias – não aprofundou, ou eu não captei completamente) com vista a uma eventual candidatura alargada. As hipóteses de qualquer das esquerdas vencer, nestas circunstâncias, reduzem-se drasticamente, como é óbvio, face sobretudo à candidatura unificada da direita em torno do ‘menino guerreiro’.
2. E aqui volto a não perceber a sua última frase: ‘alguma esquerda dá já a Câmara como perdida para o Santana’. Não sei qual o candidato que o Bloco irá propor, o Louçã disse que se saberá até final de Abril. E a menos que se trate de uma figura independente de grande prestígio, capaz de fazer frente ao próprio Costa (?), as hipóteses da esquerda ganhar (é preciso ter presente a forma como se ganha o executivo das autárquicas, por maioria relativa) residem probabilisticamente no PS. Algo de semelhante ao que se passa hoje, portanto, em que o Presidente é o Costa, mas em minoria, obrigado a acordos pontuais.
3. Ora, sendo estas as expectativas mais realistas de a esquerda não perder a Câmara para o Santana – é nisso que, afinal, o Bloco aposta? Mas se assim for (não tenho a certeza que o seja, se o não for, qual a alternativa capaz de redimir aquele ‘que tristeza’?) e admitindo-se então o Costa no campo da ‘nossa’ esquerda, qual a razão para a recusa inicial de conversações? A mesma que avança o PC? Sobre isso já falei antes e espero que o não seja, pois considero um erro confundir o nível autárquico com o nacional (não obstante as ‘ligações perigosas’, que existem, a específica colagem do Costa ao Sócrates,...).
Concluo, insistindo: seria muito mau para Lisboa – e para o País – o retorno do Santana à Câmara. Não é possível fazer nada contra isso? Claro que é – e é por isso que eu, neste aspecto, divirjo da estratégia do Bloco.
Um abraço
Caro Viegas de Carvalho
É de facto importante discutirmos estes assuntos.
O meu problema sobre este assunto, muito sinceramente, é que eu acho - mesmo a nível autárquico ( e estamos a falar da capital do país) - o PS (ou melhor, os poderes dominantes no PS) é muito mais parecido com o Santana e Cª do que com o Bloco.
Nas últimas intercalares, o bloco dispôs-se a apoiar a Helena Roseta, prescindindo dos seus símbolos partidários (ou seja, de uma candidatura partidária). Algumas figuras do Bloco seriam candidatas numa lista conjunta. Isso não foi aceite pela HR. Portanto, não se pode acusar o Bloco de facciosismo. Segundo sei, actualmente também não é possível uma coligação pré-eleitoral com a HR, porque não a lei não permite coligações entre movimentos e partidos. Portanto, volto ao meu ponto de vista. Se querem parecer mais sérios e competentes que o Santana, demonstrem-no, não se refugiem apenas em "slogans" fáceis.
Um abraço
Caro José Sousa,
Ainda um comentário mais, talvez para terminar esta já longa, mas proveitosa, repito, conversa bloggística: até concordo que a actual liderança nacional PS consiga maiores afinidades com Santana & Ca. do que propriamente com o Bloco (não tenho a certeza de ser mesmo assim a nível autárquico, em Lisboa e em muitos outros sítios). Mas há, seguramente, um aspecto essencial a ter na devida conta neste tipo de relações: as diferenças profundas que existem entre as bases sociais de apoio da esquerda e da direita, em sentido lato (que não se reduzem, obviamente, às económicas, antes se fundam sobretudo em valores). Sabe-se que o PS se encontra na charneira desses movimentos e é por isso que todos os passos conducentes às eleições também contam para convencer o eleitorado – incluindo a maior ou menor abertura para se conseguir uma vitória – e não aliená-lo (sobretudo para a abstenção). Penso, aliás, que é este eleitorado que importa mais ‘trabalhar’ do ponto de vista do Bloco e, em política (já o aprendi), não basta a demonstração da pureza de sentimentos (embora seja essencial, concordo, manter sempre esta postura).
Por outro lado, duvido que se mantenha ainda tão forte o ‘efeito Roseta/Alegre’ nas próximas eleições autárquicas, não sei. O que sei é que a base social de apoio da esquerda, dividida por 4, põe em risco a Câmara de Lisboa. Oxalá me engane.
Um abraço
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