quarta-feira, 12 de maio de 2010

Objectivas manipulações, mercados isentos... – a religião da extorsão

A liturgia do mercado evidenciou, nos últimos dias, uma agitação invulgar. Tanto fervor é bem capaz de pôr em causa as suas próprias estruturas. A ‘Crise’ de que todos falam – mas que ainda só tocou alguns (nomeadamente os desempregados) – trouxe já algumas novidades com impacto geral, por via das alterações introduzidas nas rotinas informativas a que ‘voluntariamente’ nos sujeitamos. Sucedem-se os comentários, as notícias, os debates sobre a dita, num tal frenesim mediático que traz os envolvidos num autêntico virote, saltitando de estação em estação, desdobrando-se em declarações e pareceres, invariavelmente apresentados como ‘rigorosamente técnicos’!!! Contudo, neste mundo pretensamente avesso a qualquer ponta de ideologia (?), a regra é a contradita, os volte-faces noticiosos sucedem-se com inusitada frequência, na área financeira, económica ou política, o que hoje se afirma como verdade, amanhã confirma-se como... mentira!

O último mês tem sido, deste ponto de vista, verdadeiramente paradigmático. Ficará conhecido, porventura, como o mês dos ‘ataques especulativos dos mercados ao Euro’, desencadeados a partir do seu há muito sinalizado elo mais fraco, a Grécia, continuados nas restantes tradicionais frágeis economias do Sul da Europa, primeiro Portugal, depois a Espanha, para mais tarde perfila-se então a Itália – os famigerados PIGS, na depreciativa gíria de quantos gravitam em torno do que, em termos respeitosamente religiosos (por temor da punição divina), se designa por... mercados! Por trás da aparente (misteriosa!) objectividade dos movimentos dos mercados, porém, vislumbram-se de forma cada vez mais nítida os reais interesses e maquinações dos verdadeiros acólitos desta – mais uma – sinistra religião!

Ao que parece, de acordo com o relato da Visão desta semana (6 de Maio/10), numa operação devidamente planeada (palavra proscrita da terminologia neoliberal), em Fevereiro deste ano, terá havido um jantar, em Manhattan, ‘onde vários especuladores concertaram estratégias para fazer cair a pique o euro’. Entre os promotores, encontrava-se Steven Cohen, fundador da SAC Capital Advisers (mais um ‘hedge fund’), que junta à fama de especulador e de coleccionador de arte, a de filantropo e homem de muita caridade junto dos pobres de Nova Iorque(!) – descarada forma de manipulação feita, objectivamente, à conta da obscena extorsão dos trabalhadores dos países sujeitos à acção especulativa, pois são eles, em última análise, a pagar sempre a factura final das aventuras destas vampirescas criaturas sedentas de sangue (a imagem faz o seu curso, mesmo entre os mais indefectíveis sequazes do mercado)!

A história atribulada destes dias é por demais conhecida, os seus resultados também: o sucesso de especuladores como Steven Cohen, irá traduzir-se, nos próximos tempos, no agravamento das condições de vida dos trabalhadores gregos, portugueses, espanhóis,... A estratégia delineada no referido jantar de Manhattan contou certamente com as hesitações e a falta de concertação política dos países que constituem a UE, seus aliados objectivos. Durante longos dias assistiu-se aos sucessivos ataques orquestrados pelas agências de ‘rating’. Até ao último fim-de-semana, quando os líderes da UE chegaram a acordo para a constituição de um fundo de emergência para apoio aos países em dificuldades financeiras, no valor astronómico de 750 mil milhões de euros! Os ‘mercados bolsistas’ reagiram em conformidade, impulsionando os títulos das Bolsas Europeias (e por arrasto, as de outros pontos do Globo), para máximos de 2 anos. Parecia afastada, finalmente, a ameaça de erosão contínua das economias mais frágeis da zona euro sujeitas – por efeito da sua própria vulnerabilidade, acrescida da decretada pelas agências de ‘rating’ – a esses ataques especulativos.

Pura ilusão! A Moody’s depressa se encarregou de fazer regressar tudo ‘à normalidade’. Ainda os títulos bolsistas negociavam em forte alta e já esta peça-chave da especulação anunciava a intenção (?) de, dentro de três meses (??), poder vir a reduzir a notação do País (???). E a Bolsa, mais uma vez, reagiu em conformidade, desvalorizando fortemente. Os analistas explicarão depois que, tecnicamente, a Bolsa apenas ‘corrigiu dos fortes ganhos do dia anterior’!

Certo é que, neste sobe e desce aparentemente desgovernado, entre a alta forte e a forte queda, uns poucos ganham muitos milhões, os muitos milhões arredados deste selectivo ‘jogo’ nele perdem os seus magros tostões. Não por culpa própria, mas por múltiplas responsabilidades alheias. Mas com isso se vai erodindo, ainda que sem o pretender, a própria base de que se alimenta, no final, a especulação!

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