Entre as opções de mercado e as opções políticas – onde fica a democracia?
Assiste-se hoje à imposição mediática de um ‘pensamento único’ globalizado, em torno de uma pressuposta inevitabilidade (?) do mercado – deste modo arvorado em intocável eminência sagrada dos nossos dias – por pretensa ausência de uma alternativa social (credível, acrescentam). Tal não obsta, contudo, ao persistente desenvolvimento histórico de duas formas principais de encarar a condução das sociedades:
· de um lado, hegemónicos e esmagadores, os que afirmam o predomínio absoluto do mercado enquanto mecanismo automático de regulação económica, portanto, neutro relativamente aos diferentes interesses em presença, carecendo, em consequência, de ‘rédea solta’ para poder manifestar toda a sua eficácia e isenção (!);
· do outro, ultraminoritários e muito dispersos, os que, face aos resultados actuais, defendem a necessidade de uma alternativa social global ao domínio do mercado, a começar pela aceitação do princípio básico que deve enformar as sociedades, da subordinação da economia – logo, do mercado – à política, e não o contrário, como acontece hoje. Que se expressam de múltiplas maneiras, ainda que sem um rumo muito definido: da ‘economia social’ à ‘economia sustentável’, das teorias ecológicas às teorias do decrescimento económico ou do pós-desenvolvimento, ou ainda às várias correntes marxistas, altermundialistas,...
É certo que nem o mais liberal dos prosélitos do predomínio do mercado se atreve, hoje, a defender a sua total liberalização, prescindindo de alguma ‘regulamentação deste regulador’ (?), afinal a opção por uma maior ou menor regulação é que posiciona o espectro político actual, da direita à esquerda dita socialista (ou social-democrata) – todos coligados na defesa do que já se designa por ‘nova economia de mercado’ (!), a da fase do hipercapitalismo (pelo domínio global e absoluto). A realidade, porém, vem demonstrando as dificuldades ou mesmo a impossibilidade de se colocarem travões a tal mecanismo, de se conseguir, desde logo e para além de todas as pias declarações em contrário, que um modelo económico baseado no mercado possa actuar subordinado ao poder político.
Ainda que involuntariamente, isso mesmo acaba de ser reconhecido pela líder do principal país da UE. Perante o agravamento da instabilidade financeira e depois das promessas não cumpridas feitas há quase dois anos no mais aceso do calor da crise, Angela Merkel lembrou agora, numa conferência sobre regulação financeira, o que então foi proclamado pelos líderes do G-20 sobre a necessidade de reforma da regulação e supervisão. E acrescenta (não sem algum cinismo): ‘As pessoas questionam-se: que poderes ainda têm os políticos?’ Eis, de facto, a questão essencial... para a qual ‘esta’ UE não tem capacidade de resposta!
Nem podia ter no quadro actual. A aposta crescente num suposto ‘mercado regulado’, surge como uma terceira via entre o liberalismo puro (ou selvagem) e o intervencionismo estatal duro (ou totalitário), ou seja, a tentativa de se estabelecer um controlo indirecto através de uma pretensa regulação independente. Esta alternativa acredita na existência de leis económicas naturais idênticas às leis da física, cabendo aos especialistas a tarefa de as interpretarem e aplicarem à realidade social, e aos reguladores o papel de corrigirem as designadas ‘falhas do mercado’. A política é substituída pela técnica (a dos especialistas e a dos reguladores) e ela própria reduzida a mera técnica na aplicação destas pretensas leis naturais.
Ora, a solução para os problemas do mercado não passa apenas pela sua regulação técnica, mas pelo seu controle essencialmente político, ou seja, pela capacidade que a sociedade conseguir demonstrar em dotar este nível – a política – dos instrumentos adequados de supremacia sobre a economia e não o contrário, como acontece hoje. Insistir apenas na via de regulação do mercado, significa a aceitação implícita, ao arrepio do que teoricamente todos apregoam, da supremacia do económico, por via do mercado, sobre o político – em última análise, do predomínio dos interesses privados sobre o interesse geral ou público.
A avaliar pelas muitas ‘desordens’ que grassam no mundo – do descontrolado terrorismo às obscenas desigualdades sociais,... – a organização social que as segrega (e de que se alimenta) não é, não deve, não pode continuar a ser um “modelo” de sociedade! Mas pretender substituí-lo por um outro baseado na forma ou dimensão das empresas é, no mínimo, despropositado e limitativo do que realmente deve ser considerado um modelo económico.
As mudanças exigidas – e inevitáveis! – dificilmente se resumirão, reafirma-se, à opção pela dimensão das empresas ou dos empreendimentos, entre o apoio às ‘grandes obras públicas’ ou às ‘PME’s’ – elas têm de ser bem mais profundas! Enquanto isso, vão perdurando e fazendo o seu caminho tais equívocos,... encobrindo o alcance real dos verdadeiros pressupostos!
Nos ombros de gigantes
Há 19 horas
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