‘Velhas’ soluções para os ‘novos’ problemas de sempre: a redução do tempo de trabalho – ou uma alternativa decente para se sair da Crise
Um dos argumentos invariavelmente invocado para se contrariar a mudança (qualquer mudança!), é o da inevitabilidade das coisas. ‘A realidade é o que é’, afirmam definitivos, imperialmente convictos uns, dobrados à resignação outros. Qualquer tentativa de contestar esta afirmação, de propor alternativas ao ‘statu quo’ existente, é de imediato apostrofada, por uns e outros, de... irrealista, utópica, irresponsável!
Este é, também, o argumento que sustenta a opinião de que nada pode ser feito no que respeita ao tema em análise, uma vez que, adiantam, assim o impõe a globalização. Esta opinião, contudo – e felizmente – não é generalizada. Os que consideram ser possível contrariá-la não são ainda em número – e não têm a força – suficiente para poderem inverter a situação actual, mas sabem que podem contar com um aliado poderoso e determinante neste processo, a própria evolução da realidade. Torna-se impossível travar, pelo menos a longo prazo, o aprofundamento das condições objectivas (técnicas e sociais) que sustentam e deverão garantir uma gradual libertação do tempo de trabalho e a sua redistribuição/partilha (política) mais igualitária.
É isso mesmo que defende, num texto já não muito recente (1996, Miséria do Capital), Michel Husson, ao afirmar que ‘a redução generalizada do tempo de trabalho é o eixo de uma saída igualitária da crise social’. A este propósito, é bom ter presente que, aquilo que acabou por explodir nos finais de 2008, com o ‘quase’ colapso do sistema financeiro e o seu prolongamento na crise económica e social, levou anos, décadas, a preparar. As condições que propiciaram ‘esta crise’ foram sendo, ao longo desses anos, denunciadas, de forma mais ou menos constante (e até consensual), por muitos analistas (a esmagadora maioria da área da esquerda, é certo), pelo que se alguma dúvida subsistia sobre o assunto, ela resumia-se ao momento da sua eclosão e, em menor grau, à magnitude das suas consequências (em boa medida dependente daquele momento e da capacidade de reacção dos poderes públicos).
Ora, a actualidade desse ‘velho’ texto (retomando o tema deste comentário) perante a contínua degradação das condições laborais, em risco de ‘explodirem’, não poderia ser mais flagrante: ‘A redução do tempo de trabalho (...) só abre caminho com lentidão e dificuldade, porque o conteúdo concreto que pode assumir é um desafio aberto ao debate social. Seria de resto mais justo considerar que há, de qualquer maneira, redução do tempo de trabalho e que a questão é saber como ela se processa. Esta redução pode efectuar-se de forma excluidora (há quem trabalhe muito, e até de mais, ao passo que outros são impedidos de aceder ao emprego) ou de maneira igualitária, por uma redução uniforme e generalizada que permita a todas e a todos trabalhar menos’.
Já por diversas vezes abordei o assunto neste ‘blog’ e, devo sublinhar, sem me socorrer do apoio deste texto para chegar praticamente às mesmas conclusões. Há pelo menos 10 anos na minha biblioteca pessoal, por lá ‘dormia’ (como tantos outros, confesso-o), a aguardar oportunidade. Que aconteceu agora, ao ser atraído para o autor (por referências bibliográficas mais recentes, claro) pelos ‘Ladrões de Bicicletas’. Se refiro isto é apenas para destacar o que, parecendo uma coincidência, é antes o resultado lógico a que chega qualquer pessoa que decida, de forma isenta e objectiva, debruçar-se e reflectir um pouco sobre o assunto. Pois se até eu lá cheguei...
E, já agora, outra ‘curiosa’ coincidência! Depois de afirmar que ‘é perfeitamente legítimo raciocinar sobre a “partilha do trabalho”, (...)’ Husson acrescenta que ‘faz sentido construir um indicador sobre a “duração uniforme de trabalho que garanta o pleno emprego”, que se obtém dividindo o volume de trabalho pela população activa’. Parte, depois, para o cálculo do número de horas semanais que, nas condições produtivas da França de então (o livro, recorde-se, é de 1996), poderiam garantir o pleno emprego, para concluir que ‘será da ordem de 32 horas por semana em 2000’. Há precisamente 1 ano (Abril/09), eu referia aqui que ‘nem sequer se exige imaginação para adiantar propostas que permitam concretizar essa mais que indispensável redistribuição do tempo de trabalho. Afinal, nada disto é inédito: bastaria retomar-se a tendência de redução da ‘jornada’ de trabalho manifestada ao longo da curta história do capitalismo – aprofundada no período keynesiano com as designadas semanas ‘inglesa’ primeiro, ‘americana’ depois; interrompida com o advento do neoliberalismo de Teatcher e Reagan – agora, por hipótese, para as 30 horas semanais (passível de múltiplas variantes)’. Tratava-se apenas de uma ‘hipótese’, claro, mas... não andei muito longe!
Os mecanismos de decisão que comandam a realidade social não se regem pela lógica da razão, apenas pela força dos interesses (esta é a única objectividade admitida). Mas é exactamente no emaranhado complexo dos interesses que se deve procurar a explicação para os aparentes bloqueios que infernizam a vida das pessoas. Também por isso, continuar a seguir este texto de M. Husson afigura-se um exercício útil e muito actual, tanto mais que os cálculos a que procede têm o mérito de desmontar tecnicamente os estafados argumentos neoliberais escudados na produtividade, competitividade, contexto europeu,... E com ele concluir que, afinal, tudo se reduz a uma ‘opção de sociedade fundamental’, pois ‘a questão não é tanto saber se é necessário ou não reduzir o tempo de trabalho, mas saber como se fará esta redução: seja de maneira discriminatória, privando alguns de um pleno acesso ao emprego, e particularmente as mulheres, remetidas ao tempo parcial, seja, pelo contrário, repartindo de maneira igualitária os benefícios de uma progressão global da produtividade’.
Nos ombros de gigantes
Há 14 horas
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