domingo, 11 de abril de 2010

Leituras sobre a Crise do Sistema – II

Contributos para um diagnóstico da Crise: o desmantelamento do Contrato Social

O capitalismo caracteriza-se por um enorme e historicamente inédito desenvolvimento das forças produtivas. É o resultado do extraordinário aumento da produtividade conseguido na base de uma extrema divisão social do trabalho (responsável também pela progressiva alienação do homem – mas isso já seria outra ‘história’) no âmbito do que se designa por ‘organização científica do trabalho’ – do taylorismo/fordismo (e Fayol,...) às modernas técnicas de gestão e à prevalência da tecnoestrutura sobre a detenção do capital nas principais decisões das empresas.

Este desenvolvimento, porém, só teve condições para se concretizar com a gradual implantação das ‘sociedades de consumo’. Com efeito, a enorme capacidade produtiva disponível a partir de técnicas do trabalho cada vez mais sofisticadas (e onde se incluem as inovações tecnológicas), só fazia sentido económico – no quadro de domínio do mercado capitalista – se a oferta dos produtos entretanto saídos das linhas de produção encontrasse uma procura solvente, se existisse um verdadeiro poder aquisitivo para os consumir. E isso, como a sucessão dos acontecimentos da Grande Depressão dos anos 30 do séc. XX se encarregaria de demonstrar (de forma, aliás, bem dramática), só se tornou possível dotando de poder aquisitivo um número crescente de trabalhadores/consumidores, viabilizando o ‘consumo de massas’.

Assim, dos escombros provocados pela Grande Depressão emergem sobretudo dois instrumentos estratégicos, complementares, que virão a revelar-se decisivos na construção da prosperidade do Ocidente, conhecida como os ‘trinta gloriosos anos’ (do final da Guerra a meados dos anos 70):
- A regulação do mercado, em resultado directo das condições que conduziram à Grande Depressão (uma espécie de ajuste de contas com o passado, por forma a evitar-se a sua repetição), com a imposição de um conjunto de normas de funcionamento estabelecendo limites à liberdade de actuação dos operadores económicos e abrindo caminho a uma intervenção crescente do Estado na vida económica;
- O contrato social, alternativa ao modelo liberal para a superação da crise, em que os trabalhadores e as suas organizações sindicais, a troco da renúncia ao controlo dos processos produtivos (equivalente à sua integração no sistema, por contraponto com o período anterior de permanentes lutas pelo poder político), asseguram, através da negociação contratual, estabilidade de emprego, actualizações salariais, acesso ao consumo massificado.

Modelo complementado por uma política social (universalização dos direitos sociais – saúde, educação, protecção no desemprego, pensões de reforma), assegurada por uma política fiscal fortemente progressiva de taxação dos impostos directos e dos lucros e património. Do ‘mercado selvagem’ dos primórdios do capitalismo, dominado pelo liberalismo económico sem regras, passa-se, assim, ao ‘mercado regulado’ do capitalismo maduro, dominado pelo modelo ‘social-democrata’, ou simplesmente ‘modelo social’.

Este modelo, responsável pelos já referidos ’30 gloriosos anos’ com a difusão maciça das inefáveis delícias do progresso capitalista, começa a evidenciar sintomas de esgotamento ainda na década de 70, que se acentuam e o faz entrar em crise com a chegada ao poder de Teatcher e Reagan (anos 80), parece hibernar com Clinton e Miterrand (anos 90), entra em claro retrocesso com Bush e Blair (primeira década do séc. XXI) e ameaça ruir no pós-crise do ‘sub-prime’ – não obstante a esperança protagonizada pela chegada de Obama ao poder nos EUA!

Esta aparente reviravolta – iniciada com a ‘saga’ da desregulação económica, prolongada no desmantelamento do Contrato Social – mais não traduz que o processo de adaptação do capital às novas condições de produção proporcionadas pela globalização: é possível produzir o mesmo com menos recursos. Por um lado, a evolução da divisão social do trabalho determinou a passagem da mecanização à automação e informatização, gerando uma capacidade produtiva imensamente superior à obtida na vigência do Contrato Social: com cada vez menos trabalhadores é possível produzir cada vez mais produtos, a automação substitui o trabalho manual sobretudo nas operações muito repetitivas. Por outro, recorrendo à deslocalização das empresas para zonas onde o trabalho (ainda) tem custos menores e sobretudo é menos exigente. O crescente desemprego é ‘apenas’ a consequência óbvia da destruição do ‘modelo social’!

A este propósito vale a pena uma ‘vista de olhos’ ao 1º cap. de um outro título recente (Nov.09), ‘Inquérito ao capitalismo realmente existente’, de Joaquim Jorge Veiguinha, onde algumas destas ideias e muitas outras são desenvolvidas para (nos) dar sentido à História. Para, compreendendo-a, se tentar encontrar alternativas que dêem sentido à Vida!
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