Por mero acaso, ao tentar mudar de canal, caio a meio de um aceso debate sobre ‘sector público - sector privado’ – pelo menos este é o tema que, no momento em que nele irrompo, Joana Amaral Dias desenvolve, com a emoção e a convicção que sempre põe na defesa das suas causas. Depressa me apercebo que o mote para a discussão de tal tema foi a proposta do BE sobre a nacionalização do sector energético (GALP, EDP,...), enquanto sector económico estratégico, para os consumidores e o futuro do País. Uma das opositoras, Estela Barbot (desconheço as suas referências) recorre à vulgaridade dos mais estereotipados argumentos, normalizados segundo o molde liberal anterior à crise, na defesa do insubstituível papel das empresas privadas na criação de valor (!), contra a negregada asfixia do cidadão pelo omnipresente e ineficiente Estado!!
Não pretendo aqui enveredar pela via que tomou a discussão, mas direi, entretanto, que concordo plenamente com a proposta do BE – e vou mesmo mais longe na definição do que, sobretudo hoje, após a crise financeira, deveria ser considerado ‘estratégico’ (já o expus noutro local), o que daria para um tema à parte. Mas o que mais neste episódio me motivou foi, antes, um argumento vindo de outra interlocutora no programa, Isabel Stilwell, cronista de várias publicações e de variáveis méritos (tem dias), ao esgrimir, de forma concludente, que o modelo das nacionalizações já havia sido testado entre nós e... ‘a experiência não tinha corrido lá muito bem...’ Pelo menos para os consumidores, a GALP, EDP, REN... agora funcionam muito melhor, rematou. Conclui-se, pois, que o que nos colocou na modernidade foram as privatizações!
Perante tão (aparentemente) óbvia constatação, restou à Joana, por cima da triunfante vozearia instalada, contrapor que, por idênticas e até reforçadas razões – pois constitui a prática mais recente – se deveria condenar então o modelo liberal, afinal o responsável pela derrocada económica actual. Mas aí, não: sobre o desconforto e o mal-estar sentido pelos milhares de desempregados produzidos pela crise, prevalece o conforto e o bem-estar auferido pelos presentes – atribuído, a contragosto (o desconforto que daí resulta, é evidente), ao modelo que originou a crise!
À parte a pertinência da observação, importa sobretudo avaliar o peso dos argumentos esgrimidos neste episódio (e normalmente invocados sempre que o tema vem à baila) contra a intervenção do Estado na vida económica: acima de todos, o da gestão estatal ineficiente – por oposição à eficiente gestão privada; e, quase como consequência, o dos benefícios dos serviços privados para os consumidores – bem expressos na miríade de produtos que a globalização proporcionou, revolucionando o modo de vida das pessoas.
Ora, o que esta crise melhor demonstrou foi a enorme mistificação montada em torno da ‘eficiência da gestão privada’, exactamente no sector em que ela parecia mais rigorosa (do ponto de vista da competência técnica), intocável (do ponto de vista da seriedade), sofisticada (do ponto de vista da iniciativa e criatividade) – o nevrálgico sistema bancário. A ponto de ter ocorrido – ironia das ironias! – o recurso a gestores públicos (CGD) para se sanear (salvar?) a gestão de uma instituição privada (BCP)!!! Para já não falar do despudor na socialização dos prejuízos! Mal comparado, o presumido exclusivo da eficiência aos privados só tem paralelo na situação, tantas vezes glosada, da falta de produtividade do trabalhador português – mas apenas em Portugal, porque quando emigrado, o mesmo trabalhador transforma-se em altamente produtivo! Hum...
Por outro lado, torna-se indispensável desmistificar também a ideia de que a sensação de abundância actual se deve ao modelo liberal implantado, propiciador dos grandes acontecimentos técnicos que revolucionaram o nosso quotidiano. Sobre os produtos que fazem a nossa actual felicidade, é bom então recordar que a onda tecnológica que os origina remonta (pelo menos) à década de setenta, largos anos antes, pois, da chegada de Teatcher e Reagan ao poder e ao despontar da onda liberal que submergiu o modelo de gestão das empresas (e das sociedades) – este na origem, sim, mas da crise que ameaça pôr em causa os benefícios da onda tecnológica! Porque da política de preços da GALP ou da electricidade 25% mais cara que em Espanha, nem é bom falar!
E por aqui me fico, por ora, nestas reflexões que dariam pano para mangas...
Os números que Marques Mendes não mostrou
Há 5 horas
1 comentário:
Qualquer uma das empresas citadas, GALP, EDP, REN atingiram níveis elevados de desempenho e lucros antes de serem privatizadas, aliás, se assim não fosse, ninguém as queria...!
Do ponto de vista teórivo, Ha-Joon Chang demonstra como as razões que supostamente impedem um bom desempenho das grandes empresas públicas são as mesmas que que condicionam as grandes empresas privadas com o capital disperso, as chamadas sociedades anónimas.
Enviar um comentário