domingo, 16 de agosto de 2009

É possível o ‘desenvolvimento sustentável’ nas sociedades dominadas pelo mercado? - VI

Transição energética, transformação social: o sistema na encruzilhada

A questão energética, é bem conhecido, encontra-se no centro da civilização moderna ocidental e do desenvolvimento tecnológico que a caracteriza, sendo a principal responsável pelos seus actuais elevados níveis de conforto e de consumo. Na verdade, todo o ‘modo de vida ocidental’, construído ao longo dos menos de 200 anos últimos, está baseado e depende da utilização intensa de energia, nomeadamente a partir de recursos fósseis, levando nesse curto espaço temporal, como é sabido, ao dispêndio (a caminho da exaustão) de reservas geradas e acumuladas ao longo de milhões de anos. Por isso mesmo, de entre todas as condições técnicas de funcionamento das sociedades capitalistas, esta questão foi a que desde sempre suscitou maiores preocupações e continua a levantar grandes dúvidas:

preocupações pelas actuais condições de produção e exploração, muito dependentes das fontes de energia fósseis (carvão, petróleo e gás natural, essencialmente), devido aos efeitos tanto na acentuada degradação do ambiente, quanto no rápido esgotamento dos recursos, parecendo ambos concertados em comprometer o futuro;
dúvidas quanto à efectiva capacidade técnica para criar alternativas viáveis, as ambicionadas ‘energias limpas’ ou renováveis, no quadro dos interesses que actualmente dominam o mercado – cabendo aqui colocar-se a questão de se saber qual o efeito de bloqueamento do poderoso ‘lobby’ do petróleo no seu desenvolvimento tecnológico ou no seu aproveitamento industrial.

Pode, assim, concluir-se que a ‘energívora’ civilização ocidental e a sua dependência dos combustíveis fósseis empurra o mundo inexoravelmente para um dilema: o colapso anunciado por esgotamento deste tipo de recursos ou a descoberta de alternativas viáveis. Certo é que, qualquer que seja o seu desfecho, as consequências para o modo de vida actual serão devastadoras. Refira-se, desde logo, que não parece de todo fora de propósito falar-se da possibilidade (cada vez mais provável perante a pressão sobre o consumo conjugada com a dificuldade na reposição dos stocks entretanto esgotados), de o mundo vir a confrontar-se, a breve prazo, com um autêntico ‘colapso energético’, se entretanto não forem descobertas alternativas viáveis (renováveis) à energia fóssil, o que arrastaria o ‘mundo ocidental’ para o caos – muito pior que o já vivido actualmente pelos restantes 2/3 da humanidade!

Mas nem será necessário chegar tão longe para se considerar a possibilidade da eclosão, que se tem como cada vez mais provável, de fortes perturbações sociais – sejam elas provocadas por razões essencialmente económicas (crise financeira global, o desencadear dum crash bolsista em cadeia, ou... uma ‘crise’ energética), ou geradas sob pressão de movimentos sociais de grande impacto (migrações maciças, terrorismo,...) – ainda que não deva ignorar-se a capacidade demonstrada pelo capitalismo para absorver a conflitualidade social (através da socialização dos comportamentos desviantes face às normas matriciais do sistema, com a consequente integração social dos insubmissos e inconformados), permitindo-lhe resistir à ofensiva dos mais diversos movimentos sociais, organizados ou espontâneos (actividade sindical, partidos políticos, contestação social estudantil ou ecológica,...).

Por último, um sistema que coloca acima de tudo a defesa de interesses particulares, perante a perspectiva da quebra potencial da sua principal fonte de rendimentos – a que se gera a partir da exploração do petróleo, com toda a panóplia de actividades que, directa ou indirectamente, gravitam ao seu redor (química, plástico, automóvel e até, ironicamente, as que hoje reportam às emergentes tecnologias ambientais) – legitima a dúvida sobre se o actual estado de desenvolvimento de alternativas energéticas não estará a ser bloqueado por esses interesses. Nem tão pouco lhe condiciona a voracidade rapace a recomendação da ONU no sentido do prudente ‘princípio da precaução’, já assumido e (timidamente) aplicado por alguns poderes públicos. Não obstante ser essa, porventura, a derradeira esperança que resta à Humanidade para inverter uma situação cada dia mais desesperadamente irreversível, a lógica suicida deste sistema impõe que a imolação física embutida no destino dos seus genes constituintes, se processe em louco holocausto colectivo, arrastando nessa vertigem tudo o que a ele se encontrar ligado, beneficiário ou serventuário, capitalista ou proletário, ser pensante ou mero ‘adorno’ da natureza.

Aceitaremos ligar o nosso destino ao genes suicidário de tal sistema? Como impedi-lo, então?

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