O paradoxo mercantil: a lógica do crescimento ilimitado num mundo de recursos limitados
Até à entrada na modernidade e ao consequente domínio do mercado, as agressões praticadas pelo homem contra a natureza produziam efeitos nefastos mas localizados, a sua influência, por norma, não extravasava os limites das regiões onde tais actos eram praticados (por exemplo, no período romano, a desflorestação das margens do Mediterrâneo, sobretudo para a construção de frotas de guerra, com consequências que ainda hoje perduram). Com o capitalismo, pelo contrário, tudo se alterou. O processo de industrialização das sociedades, acelerado de forma descomunal no pós-guerra, levou a degradação ambiental e a depredação dos recursos ao paroxismo e a níveis já considerados irreversíveis nalgumas situações. Aquilo que demorou uma infinidade a construir (entre 3 a 4 mil milhões de anos!), está em vias de ser delapidado no tempo planetário de um fósforo (em pouco mais de 2 a 3 centenas de anos!), desde a combustão da energia fóssil, ao ar que respiramos, dependente da lenta constituição de uma atmosfera habitável, fisiologicamente adaptável ao homem.
As actuais alterações climáticas, em boa medida responsáveis ora pela escassez de água e secas prolongadas, ora por tempestades e cheias diluvianas que tudo arrasam, têm origem, é hoje ponto assente, no aquecimento global do planeta em resultado da acção do homem (emissão de gases com efeito de estufa, CO2 e metano, sobretudo), muito embora se saiba ser possível actualmente evitá-las, através do recurso a soluções técnicas já disponíveis mas pouco utilizadas dado os custos que representam para as empresas com o consequente efeito na redução dos seus lucros! Pelo que, da destruição de áreas e espécies isoladas passou-se para a destruição com carácter sistemático, da devastação localizada e ‘controlada’ para a devastação planetária: a afirmação de que o futuro da Humanidade se encontra em sério risco surge agora cada vez menos como dramatização e mais como tradução da realidade. O crescimento ilimitado do mercado, imposto pela lógica do valor, choca-se com um mundo de recursos limitados: o mercado tende inevitavelmente para a sua própria autodestruição!
Esta realidade impõe-se já com tal evidência que até sectores da corrente liberal acabaram por a aceitar. Na verdade, os mais conscientes destes, mesmo não abdicando da fé nas virtudes do mercado, percebem que, a manter-se a actual tendência predadora na utilização de recursos finitos, a Humanidade caminha para a sua extinção, a vida na Terra pode encontrar-se ameaçada. A ideologia do crescimento contínuo, base inquestionável da actual Globalização Competitiva, conduzirá, afirmam (A. Neto da Silva, em O triplo conflito), “ao esgotamento do Planeta, não apenas dos recursos minerais mas também dos elementos fundamentais que permitem a existência da nossa vida”. A alternativa à catástrofe anunciada passa por “a ideologia hoje dominante, de uma globalização baseada apenas na (prossecução da máxima) eficiência e na (máxima) competitividade económica, (...) ser substituída por uma ideologia do crescimento possível, assente na maior eficiência ambiental, social e económica, por esta ordem de prioridades”. Essa alternativa passaria, então, pela implementação urgente e global de políticas enquadradas no designado ‘Desenvolvimento Sustentável’ e na conciliação indispensável dos três pilares em que assenta: o desenvolvimento económico, a protecção do ambiente e a coesão social. Mas sendo um objectivo global, isso significa que só resultará e será eficaz se puder contar com o concurso, em acção concertada, de todos os países do mundo, o que, para ser exequível, exigiria a constituição de um (mirífico?) Governo Mundial, capaz de federar/subordinar os interesses locais ou, no caso, nacionais.
Sublinhe-se, desde já, que a acção desenvolvida tanto pelos movimentos ecológicos como pelos defensores do desenvolvimento sustentável, no sentido, sobretudo, duma indispensável e urgente sociedade de baixo carbono – contra a lógica do crescimento ilimitado? – se é certo haverem contribuído decisivamente para a consciencialização desta situação na opinião pública, cada vez mais desperta e melhor informada sobre as suas gravosas consequências na vida das populações, arrisca-se, no entanto, a criar perigosas ilusões ou a redundar num exercício de efeitos práticos pouco eficazes ou mesmo frustrantes, as mais das vezes de âmbito meramente local, ainda que, a esse nível, importantes.
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