sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

A ‘independência’ da informação dependente

Se alguma utilidade é possível, para já, vislumbrar nesse confuso processo à volta das ‘escutas’ – e muito em especial das sequelas em curso na Assembleia da República – ela é a de ter posto às claras uma tão estranha quão, agora finalmente e sem qualquer pudor, alardeada promiscuidade entre o jornalismo dito ‘independente’ e o poder económico na comunicação social. Para além do natural e inevitável condicionamento financeiro da actividade jornalística e da informação em geral. Ou até da ‘velha’ apetência do poder económico para o controle da comunicação social, seja pela rentabilidade financeira que o potencial da actividade perspectiva, seja por razões ideológicas de manipulação da opinião pública na defesa de quaisquer interesses de grupo, empresarias ou políticos.

Nas audições a decorrer na Assembleia da República tendo em vista apurar alegadas ameaças sobre a liberdade de informação, os depoimentos dos 4 primeiros jornalistas aí ouvidos – de alguns dos principais grupos empresariais dos ‘media’ nacionais – são bem reveladores (para além de deprimentes!) das ‘preocupações’ que dominam o sector:

* José Manuel Fernandes, ex-director do ‘Público’, garante não ser pressionável e, na passada, afiança nunca ter havido qualquer interferência do Grupo Sonae de Belmiro de Azevedo na linha editorial do jornal por este detido; já o poder político, em contrapartida, parece querer asfixiar tanta independência encaminhando a publicidade sob seu controle, ‘apenas’ para os órgãos de comunicação social ‘amigos’.

* Mário Crespo, da ‘SIC’– o mais encomiástico nos elogios – igualmente garante não ser pressionável e, entoando em tons barrocos (como é seu timbre) loas eternas ao Grupo Impresa de Francisco Balsemão, testemunha fé inabalável na total independência deste grupo empresarial; sabe-se, entretanto, da repisada crítica do grupo à publicidade na TV pública, retirando quota publicitária aos operadores privados.

* Felícia Cabrita, do ‘SOL’, para não fugir à regra, garante não ser pressionável e, no balanço, presta homenagem à sociedade que detém o jornal (a luso-angolana Newshold, Joaquim Coimbra do PSD,...) por haver impedido a liquidação financeira deste projecto por parte do poder político do PS, que, por ínvias portas e escuras travessas, usou das suas ‘influências’ para o silenciar, impondo o corte dos apoios bancários a que, pelos vistos, se sentia com direito(?).

* António Costa, do ‘Diário Económico’, garante não ser pressionável (não foi excepção) e, para variar, assegura que em momento algum o poder económico – o Grupo Ongoing de Nuno Vasconcellos – condicionou ou tentou a ingerência na orientação do jornal, contrariando as afirmações da véspera de José Manuel Fernandes ao insinuar alegadas mudanças no seu alinhamento depois da compra pelo grupo e desvalorizando os telefonemas de políticos (por mais alinhado com a ‘situação’?).

E os depoimentos dos operadores dos restantes grupos (Controlinveste, Cofina,...), afinam pelo mesmo registo, que se pode resumir em: cada umgarante não ser pressionável’, todos enaltecem a isenção da ‘sua’ entidade económica (de que dependem) por, afiançam, não se ingerir nas questões editoriais (embora desconfiem da alheia, a competição assim o determina!). Acentuam, ainda, o papel que o Estado desempenha na sobrevivência das empresas, por via do financiamento ou da publicidade sob seu controle (directo ou indirecto). Tanta independência tem um custo...!

As ligações entre os interesses económicos, o poder político e a comunicação social são cada vez mais entrosadas, mas por demais opacas, ou mesmo promíscuas. Uma coisa parece agora mais clara: a total dependência económica do ‘jornalismo independente’! O sucesso (ou a sobrevivência) dos grupos de ‘media’ une jornalistas e accionistas no propósito central de ‘construírem’ um produto informativo vendável (as ‘audiências’!). A informação concorre com a publicidade para o sucesso financeiro das empresas e isso determina, mais que quaisquer outros critérios, o conteúdo da actividade jornalística. Reduzida a mais uma mercadoria, presa nos mecanismos que asseguram a absolutização das lógicas do mercado, a informação dos ‘valores’ (!) pouco ou nada tem a ver com princípios e regras, com verdade, rigor e objectividade – apenas e só com cifrões!

À parte tímidas tentativas de estabelecer e aprofundar estas ‘ligações perigosas’ (BE, PCP, até o PS), o assunto não irá seguramente motivar o interesse dos deputados tanto como as picardias em torno do enredo mediático das escutas! Não são elas, afinal, que alimentam as 'vendas/audiências'?

Mais uma oportunidade perdida! E já escasseia pachorra para tanta intriga!

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