quarta-feira, 20 de maio de 2009

Os direitos das crianças e as bizarrias da justiça

Não alimento qualquer sentimento, de antipatia, simpatia ou simples curiosidade, pelo representante de Portugal no Eurojust (e seu actual presidente), o procurador Lopes da Mota. Até há poucos dias desconhecia mesmo a existência do personagem, e até da própria estrutura, pelo que me é totalmente indiferente. Mas a teia mediática e partidária que nos envolve, que fixa a agenda das nossas conveniências e necessidades, ‘obriga-me’ a dedicar-lhe tempo de atenção diário, pelo menos o que os meios informativos, da rádio, televisão ou imprensa, nele investem e nos impõem constantemente.

Pouco me importa, portanto, se a conversa que ele teve com ‘dois amigos’ (eram-no, pelo menos, até à dita conversa!) pode ser considerada ‘pressão’ política (!) ou apenas desabafo (?), se a sua intenção (coisa que, suspeito, nunca teremos possibilidade de verificar) era mesmo ‘pressionar, desabafar ou simplesmente conversar’. O processo, entretanto instaurado, corre os seus termos e – mandam as regras – ninguém aí devia interferir até à pronúncia da competente decisão. Contudo, e independentemente da convicção na inutilidade antecipada do que vier a concluir-se, o certo é que o caso está a ser aproveitado – mais um – para o esgrimir partidário em que, parece, os nossos políticos, todos eles, se esgadanham na sanha de ver quem consegue ‘esgrimir mais alto’! Sobretudo em período eleitoral.

Marinho Pinto e António Arnaut (!), acompanhados do habitual coro do PS, inclinando-se para a tese do desabafo, terçam pela finalização do inquérito; toda a oposição parlamentar, com especial arreganho por parte de Paulo Rangel e Nuno Melo, a desdobrarem-se em declarações, encarniça-se em virulentas diatribes contra o desaforo. A Manuela, essa, rasga as vestes e afirma que ‘o país está a ser enxovalhado’!!! A mim, que assisto saturado e desgostoso a este interminável folhetim rasca, desagrada-me saber que uma conversa em privado, tenha ela a intenção que tiver (e repito que dificilmente viremos a apurar a verdade dos factos – quais factos, afinal?), permite desviar as atenções e abafar os verdadeiros problemas da justiça, em especial o das investigações que a suportam.

Que têm por base a prepotência de uma classe, até agora tida e mantida acima de qualquer suspeita ou condicionalismos. Questiono, por exemplo, a legitimidade (para além, pois, de todo o suporte legal) de uma sentença que manda ‘devolver’ à mãe biológica, uma criança de 5 anos, entregue aos cuidados de uma família de acolhimento desde o ano e meio de vida: qual o peso, neste como em casos semelhantes, da atávica (ou pesporrente?) tendência dos juízes em decidirem SEMPRE a favor dos pais biológicos – mesmo contra todas as evidências e a expensas de indiscritível sofrimento humano, a começar pelo da criança; violando os seus ignorados interesses e direitos (incluindo o de um desenvolvimento afectivo equilibrado), por conta da mentalidade mais tacanha, obtusa, bisonha,... Estrita interpretação normativa, apuramento de matéria de facto? Não, em regra apenas meras convicções, reaccionarismo puro, ouso acrescentar. Para além da insensibilidade, claro. Para além até de eventuais deficiências na lei da adopção, que as tem, como é óbvio!

Características que se prolongam e têm a melhor expressão nas intermináveis e, não raro, inúteis, investigações judiciais na constituição dos processos por parte dos magistrados do Ministério Público, parecendo mais empenhados em agitar o episódico (desde que garanta efeito mediático) que apurar, com a rapidez exigida pela justiça, a verdade dos factos!

Os melhores deles, de todos os agentes judiciais, com o Bastonário da Ordem dos Advogados à cabeça – e não tenho dúvidas em enquadrar aqui também, contra a opinião crescente que se vai formando, o actual Procurador Geral da República – gastam-se em esforços perdidos para mudar este estado de coisas. Porque o ambiente criado é propício ao desenvolvimento de um serôdio corporativismo, que as tímidas reformas de Sócrates trouxe ao de cima e até exacerbou, acirrando ânimos (já então, é certo, em crescente efervescência) logo que anunciou a alteração do esquema das designadas ‘férias judiciais’.

Corporativismo que resiste, endémico e medieval, na sociedade portuguesa. Que interpela e confronta, nas estruturas e nas mentalidades, o nosso quotidiano. Que se sobrepõe, de forma mais ardiloso ou mais descarada, ao interesse colectivo. Que, logicamente, não se confina à área da justiça – mas que é nesta onde os seus efeitos se demonstram assustadoramente mais perniciosos!

Ofende-me que os políticos, todos os políticos, concentrem o melhor do seu tempo nas ‘denúncias internas dos procuradores’ (por mais relevantes que elas sejam!), descurando criminosamente, por exemplo, a salvaguarda dos direitos das crianças – sobretudo nas idades que mais contribuem para a formação da personalidade, até aos 5 anos, portanto. Eu sei, uma coisa não impede a outra, são duas áreas distintas. Precisamente por isso, há que saber definir prioridades. É para isso que (também) são políticos!

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