O balanço da Greve Geral de 27 de Junho não pode ficar
confinado aos rituais do costume: de um lado o Governo desvalorizando a
dimensão da seus efeitos, do outro os Sindicatos enfatizando os sectores onde
ela mais se fez sentir. Ou às já habituais ‘tiradas parvas’ oriundas do Governo
– na esteira da lendária ‘intentona dos pregos’ do fogoso Ângelo Correia, o
‘padrinho’ desta pútrida cáfila, agora, parece, já arrependido e em purga
apressada – desta feita bem mais prosaicas como a de que o ‘país precisa é
de trabalho’ (a sério? e o desperdício de mais de 1 milhão de
desempregados?) ou que, afinal, o ‘país não parou’ (tal como o tempo,
também não parou...).
Para além da recorrente e deprimente caricatura expressa
na hipocrisia dos que manifestando acordo e até apoio ao ‘inalienável’ direito
à Greve em geral, estão sempre contra ‘esta’ greve em particular
(pelo momento económico, pela oportunidade política, pelos prejuízos causados
aos utentes, por,..., por,..., por...), importa sobretudo destacar, na altura
de fazer o balanço, as motivações por trás desta paralisação, avaliar a
eficácia desta luta, hoje, no contexto social e político actual, aferir o que
determina (ou condiciona) a adesão ou oposição à mesma, considerar a percepção
das pessoas sobre a sua utilidade. E, na sequência, se possível, ponderar
alternativas (e a sua viabilidade no conjunto das práticas sociais) às
tradicionais formas de luta sindical. Tarefa tanto mais urgente quanto escassa
a paciência dos excluídos para aguentar o desespero crescente. Projecto
estimulante, mas de concretização seguramente difícil e necessariamente morosa.
As mais das vezes – intui-se –
estas atitudes são determinadas por posições preconcebidas, em função de uma
ideologia ou ligação partidária. Pelo menos admite-se que tal aconteça naquele
núcleo mais restrito mas determinante no sucesso ou insucesso deste tipo de
lutas. Desta vez, porém, a adesão à greve (dos que nela participaram e dos que
a ela deram o seu apoio, mesmo não a tendo realizado, por medo ou por razões
económicas) aparece sobretudo motivada pelo grande mal-estar social que
atravessa toda a sociedade (e que parece querer explodir, sob pretextos
diferentes, um pouco por todo o lado). Assume sobremaneira o valor simbólico de
um grito de revolta que espera ser ouvido, encontrar tradução na prática
política. Contudo, o poder, escudado nos compromissos externos de uma ‘troika’
em decomposição, mantém-se irredutível na sua orientação, fechado no seu reduto
ideológico, obstinado na sua cruzada sectária. Já só entenderá mesmo a
linguagem da revolta, resta saber quando e em que condições ela ocorrerá.
Para já, no final de mais uma
jornada, resta o cansaço: antes de mais, o enorme cansaço das
mentiras dos políticos, das políticas falhadas, da austeridade inútil, da
recessão infinda, da precariedade laboral, das promessas não cumpridas, da
destruição da estrutura produtiva, das redes do poder corrupto – sobretudo da
impunidade do poder financeiro, principal causa da crise – , da vida sem
presente nem futuro; mas também um certo cansaço subsequente ao vazio
que surge no termo de cada nova luta (greve ou manifestação), que se traduz no
lento mas desgastante acumular de frustrações pela sensação crescente de
inutilidade deste tipo de esforços.
A situação actual da maioria das
pessoas, porém, mostra-se de tal ordem aviltada, que a indignação que transpira
de cada acto do seu quotidiano faz supor aguardarem apenas por um pretexto para
a violência extravasar. Sobretudo à medida que vão tomando consciência da verdadeira
origem da crise que se disse ter acontecido por culpa própria – por se ter
vivido acima das possibilidades – mas que hoje se sabe ter sido gerada em
esconsas redes mundiais de especulação financeira, a coberto de uma pretensa
engenharia de sofisticados produtos (produtos estruturados, derivados,...!)
que, valendo-se da ganância, serviram para construir, sobre o engano de
milhares de incautos, o luxo de vidas exclusivas, até agora inamovíveis, não
obstante declarações em contrário.
É esta rede tentacular, que está
longe, pois, de ter sido desmantelada, ou sequer controlada, que mais importa
desmascarar, a nível global e nos dois planos: insistente divulgação
da verdadeira origem da crise, ou seja, o casino em que se transformou o
sistema financeiro desregulado, com a conivência e o benefício da
política; denúncia das infames condições de funcionamento dos
artífices da crise, desde as inalteradas práticas financeiras baseadas nos
famigerados off-shores, às remunerações milionárias a que se
atribuem os seus dirigentes (indexadas aos resultados de tais práticas,
portanto, viciadas por natureza) – tanto na manutenção dos privilégios
obtidos de forma capciosamente fraudulenta, como na sua insustentável (e
criminosa) continuidade actual.
Talvez concentrando a atenção em alvos restritos visando acertar onde
mais dói ao sistema, ajude a construir-se uma alternativa social capaz de se
opor à impunidade de que os detentores do poder, político e económico,
actualmente gozam, em benefício próprio e da escassa minoria que servem. O que
exige uma cada vez mais urgente coordenação de esforços, a nível europeu
e mundial.
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